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Incêndio no Senado

Não somente no sentido figurado, da lambança que a crise política desencadeou. Mas no sentido real: a Casa do povo corre sérios riscos

Por Andrea Jubé Vianna Publicado em 09/10/2009, às 10h02

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Com ou sem José Sarney no comando, o Senado pode pegar fogo - JOSÉ CRUZ/ABR
Com ou sem José Sarney no comando, o Senado pode pegar fogo - JOSÉ CRUZ/ABR

A crise ética que expôs os intestinos do Senado já resfolegava quando o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) deu-lhe sobrevida num gesto midiático: apresentou um cartão vermelho ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pedindo-lhe (mais uma vez) na linguagem mais popular utilizada pelos brasileiros que se retirasse de campo.

A moda pegou e logo os senadores davam cartões vermelhos uns aos outros pelos corredores da Casa. No dia seguinte, durante uma discussão com o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), o presidente Sarney aproveitou a deixa e afirmou que o cartão que levava no bolso era o "branco da paz".

Entre as piadas de bastidores e o empenho para tentar imprimir uma (falsa) aparência de normalidade na Casa, o golpe de cena de Suplicy valeu para mostrar que a crise não foi superada com o engavetamento sumário de 12 processos no Conselho de Ética - 11 contra Sarney e um contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM).

Os aliados de Sarney recomendaram-lhe que se comportasse como se a crise tivesse sido extirpada. Aos poucos, a página seria virada. Com esse propósito, o dono do Maranhão pediu a palavra como orador na primeira segunda-feira após o engavetamento dos processos para discursar sobre o centenário de morte do escritor Euclides da Cunha, valendo-se de sua condição de literato. Sobrou para o autor de Os Sertões.

Naquele dia, Sarney desceu contrariado da tribuna após um aparte de Eduardo Suplicy, que o instou a esclarecer as denúncias contra ele, já que o arquivamento dos processos impediu a investigação dos fatos. Sarney retrucou afirmando que o petista estava sendo indelicado, não com ele, mas, sim, com Euclides.

"O país não suporta mais tantas denúncias sem respostas à altura", discursaria Suplicy no dia seguinte, reiterando o apelo para que Sarney renunciasse ao cargo. O pronunciamento do petista uma semana após a constrangedora reunião do Conselho de Ética mostrou ao país que a crise não acabou e a temperatura continua elevada na Casa.

Nesse ambiente de tensões e embates, quase precisaram chamar os bombeiros para evitar um desfecho trágico.

"A situação é de absoluto risco. Não vai se deixar incendiar o plenário", alertou a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), segunda vice-presidente do Senado. Não, a declaração não tem a ver com o confronto Sarney-Suplicy. Nem com a troca de insultos no plenário entre dois caciques nordestinos duas semanas antes.

- Coronel!, começou Renan Calheiros (AL), líder do PMDB.

- Eu, coronel? Cangaceiro! Cangaceiro de terceira categoria!, retrucou o senador Tasso Jereissati (PSDB), ex-governador do Ceará.

Com as mãos trêmulas - um tremor que já não consegue mais disfarçar -, o presidente José Sarney, que conduzia a sessão, tateava a mesa em busca do botão que acionava a campainha para suspender a sessão. "A mais alta, eu quero a mais alta", implorou, socorrendo-se da secretária-geral, Cláudia Lira.

- Coronel de merda! Você é um coronel de merda!, xingou Renan.

- O quê? Quebra de decoro, presidente! Ele quebrou o decoro!, protestou Tasso.

Ambos quase se engalfinharam, mas foram contidos pela Polícia Legislativa. A cena desenrolou-se na primeira semana de agosto, logo após o reinício das atividades legislativas, quando o PMDB declarou guerra contra o PSDB. No recesso, os tucanos protocolaram três ações pedindo a investigação do senador José Sarney. Se acolhidas, poderiam culminar na perda do mandato.

O PSDB pediu a investigação de três denúncias contra Sarney: a nomeação do namorado de sua neta para uma vaga no Senado por meio de ato secreto, a influência política para que a empresa de seu neto operasse a concessão de créditos consignados aos servidores da Casa e a suspeita de desvio de verbas de patrocínio cultural da Petrobras à Fundação José Sarney. Foram todas sepultadas, em troca da absolvição do tucano Arthur Virgílio no mesmo Conselho de Ética que anistiou Sarney.

Voltamos ao temor de Serys Slhessarenko, que não deixará o plenário incendiar-se. E remonta à advertência da equipe de engenheiros do Senado de que o plenário corre risco de pegar fogo. Literalmente, por problemas estruturais.

Línguas ferinas logo espalharam que a história de fios desencapados e gambiarras eram subterfúgios. O forno teria superaquecido na hora de assar a pizza! Sabor: "Mezzo Sarney, mezzo Virgílio".

"Há gambiarras de tudo que é jeito! Imagine se amanhã cai uma placa dessas na cabeça de um senador? Não quero que aconteça um acidente e eu seja responsabilizado", alarmou o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), espécie de "síndico" da Casa.

A notícia de que o Senado corre risco real de incêndio coroou a semana mais tensa da instituição nos últimos meses. Veio à tona um dia depois que os 15 integrantes do Conselho de Ética absolveram, numa só tacada, os senadores José Sarney e Arthur Virgílio.

De todas as reformas necessárias, entretanto, em que se deveria priorizar as práticas e costumes dos senadores, eles preferiram começar pelas melhorias estéticas. Vão trocar o forro do plenário e retocá-lo ao custo estimado de R$ 12 milhões.

A sessão do Conselho de Ética que culminou na pizza metade PMDB, metade PSDB, e os fatos que a ela se seguiram formaram um espetáculo à parte. (Embora rememorá-los possa causar indigestão.)

Coube ao PT, que contava com três votos no colegiado, o papel de fiel da balança, porque, se acompanhasse o PMDB nos votos favoráveis a Sarney, salvaria o maranhense da degola política. De lambuja, garantiria a governabilidade e a cobiçada aliança nacional para as eleições de 2010.

Selado o acordo, dois dos três senadores do PT marcharam cabisbaixos para o sacrifício imposto pela Executiva Nacional do partido. Visivelmente constrangido, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) armou-se de aparatos para tentar enganar os flashes. Recorreu a óculos de leitura que raramente usa e escondeu-se atrás de um livro. Na hora de votar, balbuciou "não" (à abertura dos processos) fora do microfone.

"Hoje é um dia triste para o PT, em que o partido abraça Sarney e Collor e a senadora Marina Silva deixa a legenda", descreveu o senador Pedro Simon (PMDB-RS) numa das declarações mais repercutidas do episódio.

A crise ampliou seus tentáculos e projetou-se sobre o PT. Delcídio acusou o líder da bancada, Aloízio Mercadante (PT-SP), de deixar "desamparados" os senadores do partido que tiveram de votar a favor de Sarney. Ao lado de Delcídio, marchou diligente a aspirante ao governo de Santa Catarina, Ideli Salvatti (PT-SC), um dos nomes mais fiéis ao Palácio do Planalto.

A briga acabou no Twitter. Delcídio postou um recado a seu líder logo após o voto controverso. "Coisa feia, Mercadante. Pela manhã assumiu, junto aos senadores João Pedro e Ideli que iria ler carta do presidente Berzoini. Na coletiva, negou", escreveu. Na carta, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, defendia o apoio a Sarney. Na hora H, Mercadante pediu ao senador João Pedro (PT-AM) que a lesse.

Coube a Mercadante protagonizar um dos principais capítulos da crise. Depois de ameaçar por duas vezes renunciar ao cargo de líder da bancada, o petista postou em seu Twitter que o faria, desta vez, "em caráter irrevogável". Divulgou data e hora do pronunciamento, mandou avisar os amigos e inimigos. Na hora marcada, entretanto, recuou.

"Peço a muitos companheiros e companheiras que acho que pedem a minha saída hoje, e especialmente à minha família, sinceras desculpas, mas, com a história que tenho com o Lula, com a minha história de militância, não posso dizer 'não' ao presidente da República e ao meu velho companheiro Luiz Inácio Lula da Silva".

Lula havia encaminhado uma carta a Mercadante naquela manhã pedindo-lhe que não deixasse o cargo. Foi uma decepção coletiva. Centenas de internautas bombardearam o Twitter do líder petista criticando-o por sua decisão já que o PT ao qual estaria sendo fiel não seria o mesmo partido de sua fundação, fiel ao seus princípios éticos e morais.

Os últimos acontecimentos mostram que o Senado brasileiro lembra o romano, conforme as comparações invariavelmente feitas pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR).

Quando num cochilo dos governistas a oposição aprovou convite para que a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira depusesse na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Jucá evocou o assassinato de Júlio César.

"Virou o Senado romano agora? Vamos dar punhaladas nas costas uns dos outros?", protestou Jucá. O imperador romano foi morto com 23 punhaladas durante uma visita ao Senado. Antes de morrer, voltou-se para seu filho único e adotivo e pronunciou a célebre frase: "Até tu, Brutus!?"

Ou talvez a melhor definição do Senado brasileiro nos dias atuais seja a do senador Sérgio Guerra. "O Senado não está em crise. A crise é o Senado", declarou, logo depois da encenação protagonizada por Suplicy de posse do cartão vermelho a Sarney. "Tenho certeza de que o povo não vota mais em nenhum de nós", arriscou, com medo de que a profecia se cumpra. O pernambucano é pré-candidato a um novo mandato ao Senado nas eleições do ano que vem.