Flutuando sobre as incertezas geradas com o crescimento de Marina Silva na disputa pela Presidência, PT e PSDB partem para o ataque direto à candidata do PSB
Naquele 13 de agosto, em são Paulo, uma chuva fina tentava, em vão, limpar o céu cinzento de inverno. Em meio à névoa, a notícia corria o boca a boca de forma bastante desencontrada: primeiro, dizia-se que um helicóptero havia caído em Santos. Depois, confirmou-se ser um avião, e o acidente, que de início parecia ser mais uma fatalidade com um jato de pequeno porte, foi o pontapé para um luto generalizado no país – e para uma tempestade na corrida pelas eleições presidenciais de 2014. Ante as incertezas sobre as causas da queda da aeronave na qual viajava Eduardo Campos, uma coisa ficou clara poucas horas depois da morte do candidato: a disputa pelo cargo mais importante da República havia se tornado imprevisível.
Se até então as eleições pareciam caminhar para uma repetição do duelo entre PT e PSDB, que se reedita desde 1994, agora o cenário é outro. Pela primeira vez em 20 anos, um candidato que não pertence a nenhum dos dois partidos conseguiu liderar as pesquisas.
Dados divulgados pelo Instituto Datafolha no dia 29 de agosto, na primeira pesquisa depois do início do horário eleitoral, mostraram Marina Silva em empate técnico com a candidata à reeleição pelo PT, Dilma Rousseff, com 34% das intenções de voto. Em terceiro lugar estava o principal candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB), com 15%. A pesquisa assombrou petistas, tucanos e “marineiros”, porque mostrou um crescimento de 13 pontos percentuais de Marina em apenas 11 dias. No dia 18 de agosto, o mesmo instituto havia mostrado Marina e Aécio tecnicamente empatados (21% e 20%, respectivamente) e Dilma isolada no primeiro lugar com 36%. Na segunda pesquisa, de acordo com o Datafolha, Marina venceria Dilma no segundo turno com uma diferença de 10 pontos percentuais (50% a 40%, respectivamente).
Este panorama é radicalmente diferente do que existia dias antes da morte de Eduardo Campos, quando, segundo os principais institutos de pesquisa, ainda havia a pequena possibilidade de Dilma vencer as eleições no primeiro turno, com Aécio Neves em segundo lugar e Campos em terceiro.
Marina silva não surgiu por acaso no palanque eleitoral deste ano. Desde as eleições de 2010, quando disputou a Presidência pelo PV e surpreendeu a todos ao conseguir 19 milhões de votos, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula tentava se viabilizar para concorrer novamente ao cargo. Em 2013, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitou o pedido de registro do partido Rede Sustentabilidade, liderado por Marina e seus correligionários, alegando problemas na coleta das assinaturas necessárias para criar a nova sigla.
Logo após o revés, Marina anunciou a que assumiria o posto de vice de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco, que havia rompido a aliança com o PT para se lançar à disputa presidencial. Para Campos, a ex-ministra significava um nome de peso na campanha, já que ele era praticamente desconhecido fora do Nordeste. Para Marina, a aliança lhe dava sobrevivência e visibilidade após perder a chance de disputar as eleições em a atacar a Marina por entender que o melhor cenário para ele seja o de uma disputa com Aécio no segundo turno”, diz Novaes. “E o PSDB poderá atacar Marina se perceber que seu lugar no segundo turno fica ameaçado.”
Nos últimos dias de agosto, quem mais intensificou a carga contra Marina foi o PT. Em entrevista, a candidata à reeleição Dilma Rousseff criticou a falta de “experiência administrativa” da adversária. Em seu perfil no Facebook, a presidente publicou um texto em que chama a ex-colega de PT de “grande ponto de interrogação na política”. Um petista ligado à cúpula da candidatura de Dilma, que pediu para não ter o nome revelado, resume o clima da campanha: “É guerra”.
Aécio Neves também aderiu aos ataques. Em um discurso no interior de São Paulo, ele criticou Marina veladamente. “Aquele que acha que de forma solitária, ou messiânica, pode apresentar um caminho, caminhando sobre as águas, e levar a todos um futuro melhor, se frustrará se acreditar nisso”, disse. Carlos Pereira, professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que as estratégias do PT e do PSDB vão variar também com base nos interesses de cada partido após o primeiro turno. “O PSDB vai precisar tomar cuidado com os ataques. Se forçar a mão, pode acabar minando a possibilidade de ter o apoio do PSB num eventual segundo turno”, explica. “Caso Aécio não vá para o segundo turno e a disputa com o PSB seja sangrenta, o PSDB vai ficar ainda mais isolado a partir de 2015. Para o PT, a situação é semelhante.”
Carlos Novaes aponta uma segunda consequência causada pelo “efeito Marina na disputa”: a ruptura da, segundo ele, “falsa bipolarização” que PT e PSDB vêm mantendo na política brasileira há 20 anos. “Na prática, as agendas dos dois partidos não se diferenciam tanto, apesar do discurso de cada um deles. Parte da população parece já ter percebido isso”, diz Novaes.
Se o crescimento de Marina Silva nas pesquisas colocou PT e PSDB em estado de alerta, o mesmo parece ter acontecido com partidos menores, em sua grande maioria coligados à imensa base aliada do PT. O deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG), um dos principais líderes do PSB e amigo pessoal de Campos, diz que, desde o anúncio da candidatura de Marina, recebeu ligações de políticos interessados em demonstrar apoio à chapa da ex-senadora. “Não é que isso não pudesse acontecer com o Eduardo durante a campanha. A gente acredita que, mais cedo ou mais tarde, isso iria acontecer, mas com a Marina as coisas foram muito rápido”, afirma Delgado. “Tem muita gente me procurando querendo material de campanha.” Sobre os ataques vindos de PT e PSDB, o deputado diz que o partido já se preparava para esse cenário. “Infelizmente, faz parte do jogo. A gente sabia que, à medida que nossa candidatura crescesse, isso aconteceria.” O súbito crescimento de Marina Silva nas pesquisas, no entanto, não significa que a ida dela para o segundo turno está garantida. Além dos ataques dos oponentes, Marina terá de enfrentar adversários tão ou mais perigosos: as próprias contradições que carrega.
Conhecida internacionalmente como uma líder ambientalista, ela disputa as eleições por um partido amplamente ligado ao agronegócio, uma das atividades que mais contribuíram com o desmatamento da Amazônia nos últimos anos. Quando Eduardo Campos era o candidato, fazia o “meio de campo” entre o setor e Marina. Agora, “marineiros” ligados ao movimento ambientalista ampliaram suas posições no partido e isso vem causando certo desconforto.
O ápice da crise entre PSB e integrantes do Rede Sustentabilidade foi a desistência do ex- -coordenador da campanha de Campos, Carlos Siqueira, que deixou o cargo. “Eduardo Campos era o artífice dessa aliança. Era o avalista. Sem ele, a situação ficou mais complicada”, diz o professor Carlos Pereira.
“A Marina é hóspede do PSB. Ela entrou no partido deixando clara sua intenção de criar o próprio partido”, acredita Maria Hermínia Tavares, professora de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). “Apesar de existir a possibilidade de Marina ir para o segundo turno, o PSB saiu enfraquecido pela morte de Eduardo, que era a principal liderança do partido. Internamente, deverá haver disputas entre grupos mais tradicionais do PSB e o grupo de Marina.”
Segundo um integrante do PSB, “Marina é muito educada, mas o pessoal dela é complicado”. Sem querer se identificar, ele prossegue: “Eles se colocam como os ímpios, os imaculados. Não aceitam dinheiro disso, daquilo, daquilo outro. Nessa coisa de fazer uma nova política, querem negar a própria síntese da política, que é dialogar”. Walter Feldman (PSB-SP), coordenador geral da campanha de Marina, não nega as dificuldades de relacionamento entre “marineiros” e integrantes do PSB, mas minimiza os atritos, dizendo que são pontuais e já solucionados. “A saída do Siqueira foi um problema, mas isso já foi superado. Nossas forças, agora, estão voltadas para a campanha”, garante. “Desentendimentos em um momento de estresse como foi a morte do Eduardo são normais.”
A contradição de uma ambientalista aliada ao agronegócio, porém, não é a única no currículo de Marina. Posicionando- se como a candidata da “nova política” e prometendo acabar com o toma lá, dá cá eleitoral, ela se viu envolta em uma polêmica relacionada com o avião no qual Campos morreu. Investigações da Polícia Federal apontaram que o avião foi comprado por meio de laranjas que podem estar ligados a Campos. Publicamente, Marina disse que não tinha conhecimento sobre as supostas irregularidades na compra do avião, no qual ela também viajou, em um discurso bem parecido ao geralmente exposto pelas velhas raposas da política que ela e Campos criticavam. Pairam ainda dúvidas sobre os posicionamentos de Marina em relação a questões sensíveis ao eleitorado brasileiro, como o casamento gay e a energia nuclear. O texto original do programa de governo dizia que Marina, que é evangélica, iria apoiar “propostas em defesa do casamento civil igualitário”. Horas depois de o texto ser divulgado, o partido voltou atrás e publicou uma errata. Agora, se eleita, ela vai “garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo”.
Para Carlos Novaes, casos como esse recuo são resultado de um dos pontos fracos da candidatura de Marina Silva. “Ela funde diferentes estratos do eleitorado. Atrai tanto os eleitores para quem temas como direitos civis para homossexuais e legalização das drogas é muito importante, quanto parte dos eleitores evangélicos, que se identificam com Marina por ela seguir a mesma religião”, afirma.
Outro ponto em que a fragilidade da aliança entre PSB e a candidata ficou evidente foi a errata publicada pelo partido sobre o trecho do programa de governo que se referia ao uso de energia nuclear. No texto original, a energia nuclear aparecia como uma das fontes energéticas que mereciam “atenção” para o aperfeiçoamento da matriz brasileira. Na nova versão, redigida sobre a pressão dos setores ligados ao movimento ambientalista, a energia nuclear desapareceu do programa de governo. Para Maria Hermínia Tavares, episódios como esse mostram a dificuldade que Marina terá para se consolidar como uma candidata de espectro nacional. “Em 2010, ela foi a candidata da sustentabilidade. Se ela quiser vencer, terá de mudar o discurso e se mostrar como uma candidata de várias causas, não de apenas uma. Ainda é cedo para dizer se ela vai conseguir isso”, ressalta Maria Hermínia.
Carlos Novaes, no entanto, já enxerga essa mudança de discurso. “Acho que ter focado apenas na causa da sustentabilidade foi um erro já em 2010. Ela não precisa defender isso, porque isso vem naturalmente com ela”, acredita. “O que ainda falta é a apresentação de um projeto claro sobre como ela pretende governar o país.” Se as incertezas atormentam os políticos envolvidos na disputa, para quem observa o “jogo”, o momento é de quase êxtase. “A teoria democrática diz que o grau de incerteza sobre o resultado das eleições mostra o grau de maturidade de uma democracia”, diz Carlos Pereira. “Independentemente de quem vencer, estamos amadurecendo.”
Esvaziando os Cofres
Eleições para presidente devem movimentar cerca de R$ 1 bilhão
Enquanto marqueteiros e estrategistas fazem os últimos ajustes para propagandear os candidatos que apoiam, uma coisa já é certa: as eleições para presidente neste ano deverão movimentar algo em torno de R$ 1 bilhão, quase 100% a mais do que o que se previu há quatro anos, quando os gastos estimados estavam orçados em R$ 482 milhões. Quando um partido registra uma candidatura, ele é obrigado a estipular um teto para as despesas. Esse teto pode ser alterado durante a campanha. O partido que registrou o maior teto de gastos para as eleições presidenciais deste ano foi o PT. A campanha à reeleição de Dilma Rousseff tem gastos estimados em R$ 298 milhões. Em segundo lugar na gastança vem o PSDB de Aécio Neves, cuja campanha deverá custar R$ 290 milhões. Em terceiro vem a candidatura de Marina Silva (PSB), com um custo estimado de R$ 150 milhões. Como nas eleições anteriores, os principais doadores de campanha para os três principais candidatos são empreiteiras, bancos e frigoríficos. Esta, porém, deverá ser a última eleição em que doações de empresas privadas poderão ser aceitas. Uma ação movida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pedindo o fim das doações de empresas para candidatos e partidos está prestes a ser julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e já tem seis votos a favor da proibição. A ideia por trás da ação é de que as doações podem criar uma relação de promiscuidade entre doadores e políticos.