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Inteligência nada artificial

O Daft Punk é o senhor indiscutível das raves. Agora, com a música eletrônica maior do que nunca, o duo está deixando o estilo para trás

Jonah Weiner Publicado em 05/06/2013, às 14h23 - Atualizado em 11/12/2013, às 13h34

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<b>Calor humano?</b> Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo no deserto californiano - Peter Yang
<b>Calor humano?</b> Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo no deserto californiano - Peter Yang

O estúdio do Daft Punk em Paris fica em uma via pública feia e movimentada na zona sul da cidade, perto de uma estação de trem e de um hospital, atrás de um portão de garagem verde. Para entrar, você aperta a campainha e mostra o rosto para uma câmera de segurança; então, o portão abre para cima, revelando um belo pátio de paralelepípedos e um conjunto de edifícios beges cobertos por heras. No começo de uma tarde de primavera, Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter – parisienses, amigos de longa data e os músicos compulsivamente reservados por trás das máscaras de robô do Daft Punk – estão no pátio, piscando à luz do sol como se tivessem saído de uma caverna. “É o primeiro dia bonito que temos em semanas”, diz Homem-Christo. Apontando para uma sala sem janelas onde ele e Bangalter passaram horas debruçados sobre sintetizadores, buscando novos sons, dá de ombros de um jeito bem francês, resignado: “Sempre estamos no escuro mesmo”.

Bangalter tira uma chave do bolso e abre a sala – foi aqui, em 2008, depois de uma turnê mundial, que o Daft Punk se recolheu para começar a fazer demos para o quarto álbum, Random Access Memories. Na estrada, a dupla transformava estádios lotados em raves eufóricas, comandando um arsenal de supercomputadores dentro de uma pirâmide de alumínio de mais de sete metros de altura, coberta por telas. O Daft Punk começou a fazer sucesso durante a explosão da música eletrônica nos anos 90, mas a turnê – um espetáculo alucinatório de teatralidade pop sem precedentes – tornou os dois imensamente mais populares, transformando-os de meros sobreviventes em pioneiros involuntários de uma loucura por dance music que engoliu o mundo pop. Outro artista poderia ter entrado em piloto automático – fazendo shows em lugares cada vez maiores e despejando as mesmas batidas –, mas o Daft Punk saiu da estrada depois de 48 shows e, quando começou a escrever o novo material, foi com um desejo inquieto de se reinventar. “A música eletrônica agora está em sua zona de conforto e não se move um milímetro”, diz Bangalter. “Não é isso o que artistas devem fazer.” Alto e magro, Bangalter, 38 anos, tem um rosto alongado e barbudo, e cabelo cacheado que está virando quase afro (o pai dele, um artista e produtor da era disco nos anos 70 que gravou como Daniel Vangarde, é judeu, mas a família não é praticante). Quando se sente relaxado, os olhos dele piscam e a linguagem corporal fica mais acolhedora – ele se aproxima, toca em você para enfatizar um ponto. Outras vezes, no entanto, enquanto outra pessoa está falando, torce o nariz em um desdém aparente. O diretor Michel Gondry, que conhece o Daft Punk desde que a dupla o contratou para fazer o clipe do sucesso “Around the World”, de 1997, diz que Bangalter tem uma capacidade crítica áspera. “Estávamos em um café em Paris uma vez e ele me contou que odiou meu primeiro filme”, Gondry relembra, rindo. “Disse que faltava vida, que era forçado! Bem ríspido, não?” Já Homem-Christo, 39 anos, tem um rosto largo, traços delicados, barba rala e cabelo castanho comprido. Não gosta muito de contato visual e é calado.

Os membros do Daft Punk são dois dos superastros mais enigmáticos do pop. Além de esconderem o rosto quando se apresentam, nos clipes e em fotos, trabalham na maior parte do tempo em segredo e mantêm controle firme sobre detalhes biográficos nos raros casos em que dão entrevistas. Então, é com olhos arregalados que um forasteiro entra no espaço de trabalho deles, onde até objetos comuns pulsam com significado aparentemente sagrado. Na sala de sintetizadores, há uma cópia surrada em vinil de Blondes Have More Fun, de Rod Stewart, e um pequeno aparelho de som portátil JVC para ouvir mixagens brutas, com uma pirâmide preta de plástico em cima. Cópias em Blu-ray de Tron: O Legado (para o qual o Daft Punk compôs a trilha) e Star Wars: A Saga Completa ocupam uma prateleira perto de um livro de design de Saul Bass. Grudada na parede, há uma foto dos robôs do Daft Punk junto com R2-D2 e C-3PO em uma propaganda da Adidas. “Esse foi o momento em que senti que realmente tínhamos entrado na cultura pop”, afirma Bangalter.

Na última década, a influência do Daft Punk ficou colossal – é difícil citar outro artista com seu toque em tantas bandas, sons e tendências. Dá para ouvir a dupla no punk dance cheio de referências do LCD Soundsystem, que escancarou a admiração na música “Daft Punk Is Playing at My House”; no pop estridente e cheio de Auto-Tune de T-Pain e seus imitadores (o Daft Punk descobriu o efeito antes que todo mundo, menos a Cher, achasse legal); nos loops nebulosos de bandas de chillwave, como Toro y Moi e Washed Out; no easy-listening reabilitado de Phoenix e Chromeo; na nova fusão audaciosa entre hip-hop e música eletrônica que Kanye West realizou quando transformou a voz distorcida por vocoder de Homem-Christo em um gancho de sucesso em “Stronger”. Só que quando Bangalter faz uma careta e menciona a esterilidade do computador, ele tem em mente os descendentes musicais mais diretos da dupla: os atuais heróis da invasão dance das paradas, todos malucos pelo Daft Punk. David Guetta toca as faixas deles em Ibiza e chama a estreia da dupla, Homework, de 1997, de “uma revolução”. Deadmau5 deve seus capacetes a eles. Skrillex comentou que ver a pirâmide do Daft Punk “mudou minha vida”. Os membros do Swedish House Mafia proclamam que “eles são nossos heróis de todas as formas possíveis”.

Apesar de todo esse amor, Bangalter e Homem-Christo são profundamente ambivalentes sobre esses herdeiros, com suas construções espancadoras e baixos pesados e cronometrados. “A música eletrônica hoje é como uma bebida energética em áudio”, afirma Bangalter. “Os artistas estão supercompensando com essa música agressiva, enérgica, hiperestimulante – é como alguém te sacudindo. Só que ela não consegue tocar as pessoas no nível emocional. É um jeito de se sentir vivo, mas...”

“Não é profundo, é superficial”, completa Homem-Christo. “Talvez seja a diferença entre amor e sexo, ou erotismo e pornografia”, diz Bangalter.

Enquanto o Daft Punk se aprofundava na gravação do novo álbum, a dupla estava sedenta por se livrar de velhos hábitos e operar “do zero”. A técnica de samplear vinis de funk, disco music e rock suave de repente lhes pareceu familiar, fácil demais. Os dois criaram um novo plano de ataque que levaria o Daft Punk mais longe da música eletrônica do que a dupla jamais havia ido: “Queríamos fazer o que fazíamos com máquinas e samplers”, diz Bangalter, “mas com pessoas”. A ideia era mudar o som, mas mantendo o DNA intacto, e superar seus sucessores no processo. “Na música eletrônica hoje, há uma crise de identidade”, afirma Bangalter. “Você escuta uma faixa e pensa: de quem é? Não há nada característico. Todos que fazem música eletrônica têm os mesmos kits de ferramentas e modelos. Você ouve e sente que aquilo pode ser feito em um iPad.”

Bangalter pensa, franze a sobrancelha e finaliza: “Se todo mundo conhece todos os truques, deixa de ser mágico”.