Mesmo com Mick Jagger e Keith Richards se estranhando, os Rolling Stones não podem parar
Talvez estes homens, os rolling stones, não devessem estar aqui, a esta altura da vida, fazendo isto – e fazendo tão bem. É uma sexta-feira à tarde no fim de abril, em um gigantesco espaço de ensaio, nos arredores de Burbank, na Califórnia. O guitarrista Keith Richards se encontra à frente do baterista Charlie Watts, que acompanha com atenção enquanto Richards toca os acordes complicados e sinistros de “Gimme Shelter” com a delicadeza de um homem que avança cuidadosamente pelo inferno. Quando Richards reinicia a sequência, Watts se junta a ele, apenas uma sombra atrás das batidas da guitarra, e o vocalista Mick Jagger solta um uivo agudo e fantasmagórico que soa como se fosse o espectro de um futuro que você nunca quer ver chegar, mas ao mesmo tempo está ansioso para que chegue. Daí a banda completa – Richards, Watts, o guitarrista Ron Wood, o baixista Darryl Jones, o backing vocal Bernard Fowler e o tecladista Chuck Leavell – ataca a música com um rugido ameaçador. Jagger anda de um lado para o outro na frente dos companheiros, movendo-se como um gato, sem olhar nos olhos de ninguém, mirando algum espaço além das paredes do recinto. Essa música é a melhor parceria de Jagger e Richards sobre o pavor – uma visão de destruição e uma bênção de misericórdia. Nesta sala, nesta tarde, também funciona como lembrete de que, nos momentos de criação de algo tão assustador e libertador, esses homens não podem se dar ao luxo de fugir da irmandade. Aqui, têm que trabalhar juntos e se ajudar.
A ocasião é um ensaio para a primeira grande turnê dos Stones em seis anos, depois de um punhado de shows em Paris, Londres, Brooklyn e Newark (Nova Jersey) no segundo semestre de 2012, para comemorar o 50º aniversário da banda. Os shows do ano passado e a atual turnê são um marco extraordinário. Poucas unidades musicais de qualquer tipo sobrevivem, muito menos prosperam, com seu núcleo de integrantes (Jagger, Richards e Watts) intacto. Os músicos estão na casa dos 70 anos de idade e tocam um tipo de música volátil que costuma ser terreno dos jovens rebeldes. Nos anos 60, os Rolling Stones representavam atitudes, visuais, desejos e ressentimentos – e por isso mesmo foram insultados, condenados, perseguidos pela lei em algumas ocasiões, até banidos. Apesar de terem envelhecido, e de muita coisa ter mudado nos últimos 50 anos, continuam sendo a banda essencial do rock androll. Seguem com tenacidade e uma noção de risco, como se ainda fosse possível incomodar o mundo a seu redor com som e ritmo. Transformaram essa determinação em um desafio contínuo, apesar do desprezo de alguns críticos e até de alguns colegas. E, apesar de tudo, os Rolling Stones estão aqui, em 2013, tocando com uma unidade fora do comum ao embarcarem em uma série de performances que será possivelmente a mais esperada desde as turnês épicas pelos Estados Unidos em 1969 e 1972. Claro que eles serão bem recompensados. O preço das entradas para as apresentações vai de US$ 150 a mais de US$ 2.000. Ainda não há confirmação, mas tudo aponta para uma passagem da banda pelo Brasil no começo de 2014.
A banda é famosa por discordâncias e intrigas, que remontam aos primórdios, quando o guitarrista Brian Jones fracassou em sua tentativa de assumir a liderança. Era o momento em que Jagger e Richards vinham à tona como a força criativa dos Rolling Stones. Em anos posteriores, ficou evidente que Jagger e Richards já não concordavam mais em relação aos objetivos do grupo. O conhecido interesse de Richards por heroína e álcool ameaçava que a banda saísse do trilho. Em 2010, a relação entre Jagger e Richards se complicou quando Richards publicou a aclamada biografia Vida. Disse coisas brutais sobre a amizade com Jagger e sobre a personalidade do cantor. Jagger ficou ofendido e irritado. Quando a chegada dos cinquentenário da banda foi se aproximando, Richards entrou em contato com os companheiros e disse: “Ei, pessoal, estou ficando irrequieto. Alguém está a fim?” Mas Jagger não estava disposto a perdoar tão fácil os insultos de Vida.
Claro que eles já tinham passado por crises antes. Com o tempo, Jagger pareceu vencer a discussão. O profissionalismo escrupuloso dele conquistou um controle que Richards – entre seus arroubos de drogas e álcool e sua atitude sempre cool – não conseguiu deter. Os dois moravam em cidades diferentes, até em países diferentes, e passavam meses sem se falar a menos que a discussão fosse necessária para tratar de negócios. Eles pareciam se olhar com incompreensão mútua. Richards disse: “Não entro no camarim dele há, sei lá, 20 anos. Às vezes, tenho saudade do meu velho amigo”.
Richards foi anotando tudo que acontecia ao longo dos anos em cadernos e em um diário. Depois da turnê de 2007, o guitarrista e o coautor, James Fox, começaram a combinar essas lembranças com várias outras entrevistas para construir o livro. Richards relatou todos os triunfos, desafios e perdas. Talvez, em algumas passagens, tenha falado demais. Ele retratou Jagger como um homem que tinha mudado muito – de divertido e atencioso a frio, ambicioso e controlador. A impressão é que parecia que Richards não o conhecia ou não gostava dele. “Foi no início da década de 80”, Richards escreveu, “que Mick começou a ficar insuportável. Foi quando ele se transformou em Brenda, ou em Sua Majestade.” Outra das coisas que ele escreveu: “Mick não gosta de confiar em ninguém. E talvez essa seja a principal diferença entre nós dois. Acho que tem a ver com o simples fato de ser Mick Jagger e a maneira como ele teve de lidar com o fato de ser Mick Jagger. Ele não consegue parar de ser Mick Jagger o tempo todo”.
Alguns dos comentários de Richards não eram surpresa – ambos trocaram agulhadas ao longo dos anos e depois superaram as crises resultantes. Desta vez foi diferente. Richards sempre afirmou que colocava a coesão e a existência da banda em primeiro lugar, mas Vida ameaçou esse princípio ao retratar uma figura-chave da banda como alguém que se tornou vazio e mimado. O risco não foi só mais uma pressão entre Richards e Jagger, mas também uma ameaça à sobrevivência dos Stones.
Quando Jagger subiu ao palco na cerimônia de entrega dos prêmios Grammy em 2011, em homenagem ao falecido cantor de soul Solomon Burke, roubou a noite com uma performance notável. O público aplaudiu de pé, mas ele podia muito bem estar mandando um recado para Richards. Jagger ainda era capaz de fazer algo assim tão surpreendente sem estar nem com Richards nem com os Rolling Stones. Será que Richards seria capaz de fazer a mesma coisa? Afinal, foi Jagger quem muitas vezes tomou conta de Richards em momentos de problemas de saúde e que tolerou os malefícios causados pelo uso de drogas do guitarrista. Jagger tinha mantido a organização da empresa Rolling Stones e negociado os acordos comerciais. O cantor se viu preso a Richards, o herói folclórico, apesar de este ter retratado o parceiro como um homem que só ligava para si mesmo e para o sucesso.
Desta vez, antes mesmo que pudesse haver qualquer preparação séria para uma turnê dos 50 anos – algo que Keith Richards queria que acontecesse –, Mick Jagger deixou claro que precisava haver um acerto de contas. Os detalhes do que aconteceu entre os dois homens permanecem entre eles. Mas Ron Wood comentou: “As coisas estavam tensas e ruins”. Havia até um boato de que a posição de Richards como guitarrista dos Rolling Stones podia estar a perigo. Alguns achavam que ele estava com dificuldade para tocar – que talvez suas mãos tivessem sido acometidas por artrite ou que seu consumo contínuo de álcool estivesse afetando sua habilidade. De acordo com uma fonte próxima da banda, quando os Rolling Stones se reuniram em Londres, em dezembro de 2011, não foi apenas para ensaiar. Jagger estava de olho para ver se Richards ainda dava conta.
Em meados de abril, passei uma hora com Jagger na suíte de hotel em que ele estava hospedado em Beverly Hills. “Não sei sobre que diabo vamos conversar”, ele disse ao se acomodar em uma cadeira à mesa da sala de jantar, sorrindo. Ele usa jeans preto justo e camisa social rosa-claro de manga comprida. Está em ótima forma, e conversamos sobre seu treinamento físico e sua preparação vocal.
Em relação a Keith Richards e ao que ele escreveu em Vida, pergunto a Jagger se um pedido de desculpa de Richards foi... “Um pré-requisito, por assim dizer?”, Jagger se adianta, com um sorriso contido. “Bom, acho que foi bom ele ter se encontrado comigo e ter me dito aquilo. Realmente não quero dizer mais nada além disso, mas acho que foi bom ele ter dito e, sim, foi um pré-requisito, na realidade. Essas coisas precisam ser colocadas de um lado; não dá para deixá-las sem ser ditas. Às vezes é fácil apenas tirar da frente, mas acho que foi bom nós termos tido aquela conversa.”
Mas em um momento em que Jagger se recusa a falar mais sobre Richards, ele baixa os olhos para pegar um copo de água e sua reticência parece emergir de um lugar cheio de mágoa genuína. Tento uma abordagem tangente da questão das críticas de Richards ao vocalista como pessoa fria e calculista. Ao longo dos anos, outros disseram coisas parecidas. Será que Jagger compreende essa reação dele? “Acho que é meio um clichê, de verdade”, ele responde. “As pessoas gostam de fazer análises-relâmpago das outras e dizer: ‘Ah, Keith é tão passional, e Mick é tão frio e sem paixão’. Ninguém é assim na vida real. Keith é capaz de ser tão frio e tão sem paixão quanto quase qualquer outra pessoa que eu conheço. Não digo isso como crítica, porque às vezes é necessário ser crítico. Tenho que ver o ponto de vista de outras pessoas. Mas isso não significa que eu não seja passional a respeito do lado musical da coisa. Tenho muitos papéis diferentes dentro da organização Rolling Stones, e depois tenho papéis fora da banda que não têm nada a ver com a banda. Por isso, não quero ser rotulado como uma coisa só.”
Mais tarde, tento fazer mais uma pergunta cheia de rodeios a respeito da relação de Jagger com Richards. Quando falava dos altos e baixos emocionais da banda, Charlie Watts me disse: “Eles são como irmãos, discutem a respeito do aluguel, e se você entra no meio, pode esquecer”. Isto foi ecoado pelo próprio Richards, que declarou a outra revista que ele e Jagger pareciam “dois irmãos voláteis: quando batem de frente, realmente batem de frente, mas quando termina...” Será que Jagger vê as coisas da mesma maneira? “As pessoas sempre dizem coisas assim”, Jagger responde. “Mas eu tenho um irmão [Chris Jagger], sabia? A minha relação com o meu irmão é uma relação fraternal, e não tem nada a ver com a minha relação com Keith, que é mais parecida com a de alguém com quem se trabalha, completamente diferente. Com um irmão, você tem pais em comum. Nós não temos isso, Keith e eu. Nós trabalhamos juntos. Não tem nada a ver com uma relação fraternal. Suponho que, se você não tiver um irmão, pode dizer que era como ter um irmão. Mas fazer parte de uma banda representa um tipo diferente de relação.”
Mas, de todo modo, não é verdade que esse relacionamento de banda forma um laço forte? “Bom, é sim, quando se trabalha com alguém durante tanto tempo, muitos laços se formam, há muitas lembranças e coisas que você pode relacionar ao seu passado. Com frequência, quando se tem um longo relacionamento com alguém, você tem pontos de referência. Mas não é a sua família.”
No dia seguinte, encontro-me com Keith Richards em uma sala de descanso no complexo de ensaio, onde os Rolling Stones estão se preparando para a turnê. Ele usa jeans justo, uma camiseta preta meio esfarrapada e seu cabelo grisalho se espeta por cima de uma bandana amarrada na cabeça. O guitarrista já não tinge mais o cabelo nem exibe nenhum sinal óbvio de cirurgia plástica cosmética para suavizar a idade – o mesmo pode ser dito em relação aos outros integrantes. Esses são sem dúvida homens razoavelmente vaidosos, mas assumem a idade que estampam no rosto. Enquanto conversamos, Richards mantém um cigarro aceso.
Em uma entrevista no tapete vermelho para a estreia do filme de show da banda em 2008, Shine a Light, de Martin Scorsese, perguntaram a Richards se ele era capaz de imaginar a vida sem os Rolling Stones. Ele ficou com cara de quem não tinha entendido a pergunta. “Seria fácil”, ele respondeu. E talvez seja verdade – mas, bom, talvez não seja. “Sabemos que somos bons pra caramba”, Richards me diz, “e temos um certo desejo estranho de fazer com que fique melhor. Todo mundo continua aqui, e esse é obviamente um ingrediente importante. Com qualquer banda que esteja aí há um tempo, mesmo que sejam alguns anos, nem todo mundo gosta de todo mundo o tempo todo. Mas talvez haja uma necessidade de que a conversa continue, e a música é o único jeito de fazer com que isso aconteça. Ela é mais forte do que qualquer outra coisa que possa atrapalhar. Seria um milagre, não é verdade, que dois sujeitos se dessem bem em 50 anos, se isso é difícil até em três ou quatro. Ao mesmo tempo, não quero dar ênfase demasiada às diferenças entre mim e Mick, porque é só disso que se fala. Você nunca escuta falarem sobre cerca de 98% do tempo em que nós estamos em boa sintonia e que nós nos conhecemos bem e que sabemos o que queremos fazer. Mas a minha principal comunicação é por meio da música. Pode chamar de acordo de cavalheiros, ou algo assim. As coisas não são ditas nem mencionadas, mas dá para notar quando nós começamos a trabalhar, e daí muitas das espécies de barreiras, ou como quiser chamar, tendem a desaparecer.”
Preciso perguntar: houve momentos, talvez até mesmo durante esse desentendimento recente com Mick Jagger, em que Richards se preocupou com o fato de a banda simplesmente não estar mais funcionando? “Às vezes eu olhava para ela e pensava: ‘Esta banda desgraçada não funciona mais... mas ainda dá para consertar’. Mas nenhum de nós algum dia chegou a jogá-la no ferro-velho. Só ficamos tipo: ‘É, está um pouco quebrada, e vai dar um pouco de trabalho, sabe como é, para voltar à forma’. Foi isso que fizemos no ano passado, colocamos a coisa de volta à forma, e ficou em uma forma bem melhor do que nós esperávamos.”
Lembro a Richards o que ele disse antes, que um de seus objetivos era ver os Rolling Stones amadurecerem, ou envelhecerem, de maneira graciosa. Há valor em amadurecer de maneira não graciosa também? “Hum, tem sim. Ser gracioso... é uma coisa maravilhosa”, responde Richards. “Mas apenas quando você vê que isso é feito com imperfeição. São os movimentos não graciosos eventuais que fazem o resto todo ter valor.”
Watts também me disse algo a respeito de ser gracioso: “Se a música que tocamos juntos é ótima, então é por isso que Mick perdoou Keith, e vice-versa – é por isso que Keith perdoou Mick ou a si mesmo, por qualquer coisa que tenha dito a respeito de Mick. Acho que essa é provavelmente a graça salvadora de tudo isso”.
As coisas se mostraram instáveis para os Stones. Richards teve sérios (e conhecidos) problemas com as drogas e bebida. Agora mantém o consumo em moderação. “Ficar totalmente careta seria antinatural para mim, sabe? Quando você se esquece daquele pequeno e velho clichê é que a merda pode bater no ventilador”, fala. Richards também sofreu danos craniais em 2006, quando caiu de uma árvore em Fiji. “Eu chego a me esquecer disso completamente”, lembra. “Menos quando às vezes coço a cabeça e sinto a pequena depressão que tem ali. Eu penso: ‘Ah, é’.” De acordo com um amigo de Richards, o guitarrista precisa tomar remédio todos os dias por causa do acidente. Ron Wood também sofreu um ferimento sério, quando quebrou as pernas em um acidente de carro em 1990, em Newbury, Inglaterra. “Fiz uma operação há um ano, em que tiveram de abrir o meu pé e preencher o buraco no osso com partes do meu joelho e do meu quadril. Deu muito certo e ficou curado, mas ainda preciso tomar cuidado para não ficar em pé tempo demais.” Há alguns anos, Wood parou de usar drogas e de beber. Ele diz que está tocando guitarra melhor do que nunca. “É algum tipo de mágica”, afirma.
Até Charlie Watts, que é por natureza o mais discreto da banda, teve breves dificuldades com drogas – “Um período em que usei heroína”, declara. “Eu costumava largar sempre que voltava para casa. A minha mulher reparou que eu não era o mesmo.” Watts também foi diagnosticado com câncer de garganta em 2004 e passou por duas operações para tratar a doença. Hoje, aos 71 anos, ele é o integrante que mais se desgasta no palco. Ao longo de duas horas e meia de show, Jagger pode pendurar um violão no ombro e ficar parado na frente do microfone, ou sair do palco durante as duas músicas de Richards, para descansar, ainda que só um pouquinho. Watts não pode fazer qualquer pausa. “O baterista é o motor”, ele diz. “Não há nada pior do que ficar sem fôlego ou quando as suas mãos estão matando você, e ainda falta um quarto do show para terminar.”
Tirando casamentos desfeitos e complicações amorosas, Jagger sempre seguiu tranquilo. Foi o único que sobreviveu sem nenhum problema sério de saúde ou algo debilitante. O problema são as vicissitudes do trabalho com Richards. A parceria dos dois teve momentos bons e ruins ao longo dos anos – os primeiros atritos se iniciaram há muito tempo, em uma parte do material para Exile on Main St., no início da década de 70. Durante a gravação de A Bigger Bang (2005), Jagger conta que eles trabalharam juntos cara a cara no estúdio com frequência. Esse tempo não voltou: “Doom and Gloom”, do ano passado, foi composta e parcialmente gravada por Jagger antes de a banda trabalhar no título – é o riff de guitarra dele que abre a faixa. E a outra música da banda de 2012, “One More Shot”, saiu do material que Richards estava preparando para um possível álbum solo. Às vésperas de mais uma temporada na estrada, pergunto a Jagger: o que mantém intacto o apelo dos Stones? “Poderia dizer o mesmo de sempre, mas eu mesmo não sei. Poderia dizer porque temos sucesso e as pessoas gostam da gente. Mas eu não tenho pista dos motivos de seguirmos desafiando o público. A longevidade nos dá certo apelo. Talvez por estarmos aí há 50 anos. Isso nos traz uma... luminosidade.”
Na noite de 27 de abril, um sábado, os Rolling Stones deram a largada de sua turnê 2013 com um show-surpresa em um clube de Los Angeles, o Echoplex, perto de Echo Park. A apresentação só foi anunciada algumas horas antes, e cerca de 500 pessoas conseguiram entradas – uma boa mistura de jovens e gente que aparentava ter 50 anos ou mais. Nessa noite, nesse espaço pequeno, os Rolling Stones só puderam depender de talento e motivação, e isso não falta. Em um set de 90 minutos, tocaram 14 canções, incluindo composições próprias, indo de 1968 (“Street Fighting Man”) a 1994 (“You Got Me Rocking”), junto a covers de R&B e soul, como “Little Queenie” (Chuck Berry), “Just My Imagination” (Temptations) e “That’s How Strong My Love Is” (Otis Redding). Os Stones são ruidosos e crus a ponto de surpreender, com a guitarra de Richards sempre soando pressagiosa e imortal. Jagger se comprova um homem incansável e elástico. Suas expressões estão constantemente em mutação. Apesar de ele já ter cantado essas canções mais vezes do que provavelmente seria possível contar, ainda as apresenta como descobertas fervorosas, como algo hilário ou imperativo ou desesperado – e sempre com o que parece ser um abandono selvagem ou uma encenação notável. Richards faz uma pausa por um momento enquanto observa o vocalista, então sacode a cabeça com um sorriso de admiração e se vira para compartilhar com Wood, que então o divide com Watts.
Dias antes, Richards tinha falado para mim da sensação que teve quando descobriu Robert Johnson, lendário bluesman da década de 30: “Robert Johnson, ali tem medo, tem sim. Medo de quê? Se você já encarou o medo pessoalmente, tem vontade de contar para os outros que dá para encarar. Esse é um elemento da expressão daquilo que nós fizemos, de, digamos, ‘Gimme Shelter’. O medo é apenas um elemento viável, uma emoção a ser usada em uma música, assim como qualquer outra emoção. Você sabe do que eu estou falando? Acho que se pode dizer, nesse caso, que nós torcemos todas as emoções possíveis.”