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Isis Valverde: espontaneidade à flor da pele

Depois de sentir a ira da internet e quase perder a vida, a atriz saboreia os prazeres de uma carreira bem fundamentada. Mas, ainda que tente medir o impacto da existência pública, nem sempre ela consegue domar a própria naturalidade

Guilherme Guedes Publicado em 17/08/2017, às 12h38

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Depois de sentir a ira da internet e quase perder a vida, Isis Valverde saboreia os prazeres de uma carreira bem fundamentada. Mas, ainda que tente medir o impacto da vida pública, nem sempre ela consegue domar a própria naturalidade - Daryan Dornelles
Depois de sentir a ira da internet e quase perder a vida, Isis Valverde saboreia os prazeres de uma carreira bem fundamentada. Mas, ainda que tente medir o impacto da vida pública, nem sempre ela consegue domar a própria naturalidade - Daryan Dornelles

Isis Valverde interrompe o interlocutor educadamente quando percebe o objetivo da pergunta antes do final da frase. Ela mede o impacto de tudo o que diz, às vezes entre silêncios prolongados, calculados segundo a segundo. Percebe e responde sensivelmente aos outros e ao ambiente ao redor. Está sempre presente – mesmo quando o presente dura pouco, suspenso pela demanda constante da rotina inconstante. Mas em algum lugar entre afirmações incisivas sobre sua visão de mundo Isis nutre uma espontaneidade indomável, talvez um pedaço ainda em construção da menina que saiu de Aiuruoca, no sudeste de Minas Gerais, para se tornar uma das atrizes mais populares do país.

Desde março, Isis alterna as horas do dia entre ela mesma e Rita, protagonista da novela A Força do Querer, da Rede Globo. Rita, que é chamada de Ritinha pelos outros personagens, nasceu e cresceu em Parazinho, cidade fictícia que poderia ser como Aiuruoca, não fosse inspirada em Belém do Pará. Carrega uma arrogância típica da juventude, de quem não tem medo de dar a cara a tapa. Não é destemida por intenção, mas simplesmente por não saber agir de outra maneira. De alguma forma, lembra Isis. Mas, se Ritinha segue um tanto imatura e deslumbrada com a vida, fantasiada de sereia enquanto briga com a cidade grande, Isis cresceu. Com certa resistência, mas cresceu. E parece muito confortável vestindo a nova pele.

Isis recebe a minha visita na casa onde mora, na Barra da Tijuca (Rio de Janeiro), poucas horas depois de o Brasil ver Ritinha partir pra cima de Irene, personagem de Débora Falabella na trama assinada por Glória Perez. Até então, a briga havia sido o ápice dramático de um triângulo amoroso que nem envolve Ritinha, o que não a impediu de buscar justiça com as próprias mãos. Foi com Irene que Eugênio (Dan Stulbach), o sogro de Rita, traiu a esposa, Joyce (Maria Fernanda Cândido). Ao encontrar as rivais discutindo no banheiro de um restaurante chique, Ritinha não hesitou; soltou um soco no rosto de Irene, dando início a uma sequência de agressões que garantiram à novela recordes de audiência até o fechamento desta edição. Na internet, a repercussão foi igualmente grandiosa, marcada por críticas à emissora, que ao colocar mulheres brigando entre si por causa de um homem infiel repete um clichê machista das narrativas amorosas.

“Eu achei um absurdo [Ritinha] bater na outra, mas tenho outra visão dessa cena. A Irene é uma psicopata, foi lá para espezinhar. E é ótimo que as pessoas discordem”, argumenta Isis, enquanto toma uma xícara de café recém-feito e acompanha a hora no visor do celular. Já passa do meio-dia, e ela está atrasada para mais uma bateria diária de ensaios e gravações de A Força do Querer. “Ninguém ali está incentivando alguém a fazer algo errado. O ator está ali para mostrar a alma e fazer as pessoas se questionarem. Você acha isso certo? É nisso que você acredita? Pensa!”, ela exclama com o olhar focado, dirigindo um utilitário escuro, de vidro blindado, a caminho do Projac. “A gente não quer dar nada mastigado, e acho que através do meu trabalho eu faço muito isso.”

"Você não tem que ter medo de ouvir não, tem que falar 'foda-se!' e se jogar"

Trabalhando na Globo desde 2006, quando viveu a misteriosa Ana do Véu no remake da novela Sinhá Moça, Isis virou atriz antes mesmo de entender o que era ser atriz. Filha única, ela criava universos próprios, contracenando com atores invisíveis pelo aplauso de plateias inexistentes. “Eu sempre gostei de brincar que era outra pessoa. Que eu era um índio, uma sereia, que eu era apresentadora do Jornal Nacional”, diverte-se. “A solidão, pra mim, era um tempo de criação ou de incômodo. Ou eu estava criando sozinha, porque as pessoas achavam boring [“chato”] brincar disso, ou eu estava incomodada de ficar sozinha.”

Sempre tem gente em volta de Isis. Nos corredores da Globo, ela cumprimenta companheiros de trabalho e conversa com quem estiver em volta, sem pressa, enquanto estuda o cronograma de gravações, pregado em um quadro próximo ao estúdio. A tranquilidade geralmente é quebrada por produtores ansiosos, que conduzem a atriz para trocas de figurino, ensaios e cenas. Sem falar nas entrevistas a programas da própria emissora, integradas à rotina de trabalho.

No set, ela brinca com a equipe sobre a briga entre Ritinha e Irene (“Aquele jab foi ideia sua!”, comemora com o diretor, Rogério Gomes), propõe alternativas perspicazes a diálogos truncados e se sente à vontade até para dar pitaco na parte técnica. Em dado momento, a gravação foi suspensa por causa do mau funcionamento de um interfone, que saía do lugar quando era atendido por outra personagem. Depois de alguns minutos de espera, em que a equipe fracassava em fixar o aparelho na madeira encerada, Isis saiu da pele de Rita, atravessou a cozinha cenográfica e mostrou uma forma mais cuidadosa de manusear o interfone, sem que ele saísse do lugar. Depois da dica dela, todos retomaram seus postos, a gravação continuou e a cena foi registrada no take seguinte.

“Eu não trabalhei profissionalmente no teatro, mas eu vim de lá. Cresci vendo essa confraternização, o trabalho de grupo. Eu não entro em cena sozinha”, explica. “Sempre me preocupo com quem tá comigo. Principalmente com o bebê.” O bebê, no caso, é Lorenzo Souza, ator mirim que vive Ruyzinho, filho de Rita e fruto do outro triângulo amoroso da trama, esse sim ao redor da personagem paraense. Quando não está em cena, Isis diverte o menino com danças, brincadeiras e selfies, postadas mais tarde no perfil de ambos no Instagram. “O Lorenzo tinha medo de todo mundo, e eu falei que ia conseguir encantá-lo. E eu consegui.”

Na sessão de fotos para a capa desta edição, a cena se repetia. Em uma sala reservada para a maquiagem, em um estúdio fotográfico em Copacabana, Isis era seguida pela mãe e por uma verdadeira entourage. Empresário, maquiador, assessores e figurinistas investigavam as propostas para as fotos, enquanto Isis era maquiada ao som de uma playlist eclética que somava Marisa Monte, The Weeknd, Secos & Molhados e standards do jazz. Durante a sessão, ela reagia aos flashes com uma habilidade impressionante, enquanto a turma dava opiniões sobre sua postura, seus cabelos ou sobre o caimento do shortinho frouxo, que, dependendo do ângulo, deixava a atriz com quadris mais largos. Com uma firmeza categórica, Isis recusava peças de roupa que não lhe caíam bem (“Não vou usar, não ficou legal”), examinava rigorosamente as fotos (“Esse olho de peixe morto não, gente”) e reclamava por ter comido, sem querer, um pedaço de pão (“Eu não posso comer glúten, sou alérgica, fico toda inchada”).

Mesmo dentro da mansão onde mora, Isis é acompanhada por uma equipe numerosa, que inclui empregados, parentes e três cachorros mansos e carinhosos. “Às vezes, chego em casa e meu namorado [o modelo André Resende] tá vindo me ver, minha mãe tá chegando de viagem, minha prima tá me esperando”, conta. “Então, é raro eu ficar sozinha. Mas eu gosto, acho importante – quando consigo”, garante, antes de levantar os olhos com um sorriso discreto. “Ah, o silêncio… Tão bom, né?”

Na infância, a principal inspiração de Isis era a mãe, Rosalba, que era atriz e liderava um pequeno grupo de teatro em Aiuruoca. Espectadora assídua e participativa, Isis viu o grupo acabar quando ela tinha 10 anos, época em que a mãe abandonou a profissão por exigência do marido, Rubens. “Meu pai não entendia a profissão de ator. Pra ele era muito distante. Minha mãe entendeu que ele queria o crescimento dela, que eles tinham uma filha pequena pra criar, e saiu do teatro”, lamenta. Rosalba voltou a estudar, se formou em direito, e hoje é desembargadora. E Isis, apesar de comemorar a reviravolta da mãe, fala do passado com brilho nos olhos. “Ela virou uma mulher superbem-sucedida, manda e desmanda naquele fórum. Mas ela também é atriz, porque ninguém deixa de ser atriz, não existe ex-atriz. Ela era maravilhosa no palco.”

Com um ímpeto que parece acompanhá-la desde sempre, Isis retomou o caminho de Rosalba. Adolescente, pagava cursos de atuação com os cachês que ganhava como modelo fotográfica em Belo Horizonte. Depois de uma temporada em São Paulo, decidiu estudar teatro no Rio de Janeiro, movimento novamente reprovado pelo pai. “Falei que ia ser atriz e ele disse que eu teria um ano pra conseguir me manter sozinha. Eu só tinha 17 anos, fiquei revoltada: ‘Você não pode fazer isso comigo, sou menor de idade!’”, exclama encenando o diálogo, um hábito recorrente durante toda a entrevista. Formado em bioquímica e professor de ciências, biologia e matemática, Rubens acabou fazendo as pazes com a escolha da filha, que também perdoou os desmandos do pai. “Tenho muito orgulho do meu pai, um homem que veio de uma família muito pobre, que mamou água com fubá, que dormia com jornal aquecido no ferro para não passar frio. Imagine a cabeça de um cara desse”, justifica, franzindo as sobrancelhas. “Até uns anos atrás, ele ainda perguntava quando eu ia me formar. Eu respondia: ‘Pai, eu sou formada em artes cênicas’. E ele: ‘Não existe essa profissão’”, repete, às gargalhadas. “Hoje eu dou risada, mas no início fiquei brava.”

Outra grande referência familiar para a artista foi a avó materna, Maria Nilce. “A minha avó foi a primeira mulher a se separar em Aiuruoca. Ela teve que enfrentar a cidade toda, que a julgava por ter ‘largado’ o marido.” Visivelmente empolgada, Isis põe o dedo em riste ao personificar a autoridade da avó, que morreu pouco antes de ela se mudar para o Rio e deslanchar na carreira. “Ela não quis nem saber, jogou o homem para fora de casa. ‘Sai daqui!’”, grita. “E depois, criando os quatro filhos sozinha, ainda virou prefeita da cidade. Ela tinha o poder da palavra. Queria eu falar que nem minha vó... Eu ganharia o mundo”, suspira, ao apontar a mãe e a avó como símbolos pessoais de autonomia feminina. “Eu cresci com essas mulheres em volta de mim. Como é que eu ia fazer vergonha? Eu tinha que dar conta! Eu falei pro meu pai que queria ser atriz, aí tive que ser”, ri.

"Ter fé não é rezar até Deus te ouvir. É você rezar até ouvir Deus. Deus, Oxalá, Brahma, sei lá. Cada um dá um nome"

Criada tão próxima das duas, Isis não demorou a perceber as desigualdades sociais entre homens e mulheres, e com certa frequência compartilha mensagens feministas nas redes sociais. Em abril deste ano, ela se juntou à campanha Mexeu com Uma, Mexeu com Todas, promovida por atrizes da Rede Globo para denunciar os abusos cometidos pelo ator José Mayer, acusado de assediar sexualmente uma figurinista do canal nas dependências do Projac.

“Graças a Deus pelo empoderamento feminino. Quero que cresça cada vez mais. Eu acho muito importante que a sociedade veja a mulher como um ser humano, e não apenas como o ‘sexo frágil’ ou a parte doce do homem. A gente é tudo isso, mas não só isso – assim como o homem também tem um lado frágil. Eu já vi meu pai querer chorar várias vezes e sair, fechar a porta... Meu pai é dessa época, de que homem não chora. E eu às vezes o vejo com vontade de se emocionar, de falar algumas coisas, mas fica se segurando… Tá perdendo! Chora, poxa! Faz bem.”

Na conservadora população de Aiuruoca, o machismo era ainda mais forte, e invadiu a vida de Isis na pré-adolescência, quando ela tinha dificuldade de se encaixar nos padrões impostos às meninas. “Eu sofri muito com o machismo, porque eu era uma menina um pouco diferente das outras. Não gostava de brincar de boneca, de nada disso. Por que uma menina não pode brincar com um carrinho?”, questiona. “Ninguém tinha paciência para as histórias que eu inventava, e quando eu saía para brincar queria brincar com os meninos. Queria me sujar no barro, montar cavalo no pelo, pular muro, roubar ovo da casa do vizinho.” Vestida com as roupas simples e coloridas de Rita, em um breve intervalo entre as gravações, Isis exibe as consequências de tanta agitação, eternizadas em pequenas marcas espalhadas pelo corpo. “Me machuquei muito, ó: tive galo aqui, corte aqui, outro corte, barriga arranhada, a perna toda fodida, toda marcada. Eu aprontava muito.”

Pela falta de sintonia com as meninas de Aiuruoca, Isis recorda que demorou para perceber as primeiras manifestações da puberdade, e era constantemente provocada pelos rapazes. “Eu só andava de peito de fora, não gostava nem de usar camiseta. Até o dia em que o seio começou a brotar e minha mãe disse: ‘Bota o sutiã, minha filha’. ‘Não gosto, não quero.’ Aí, eu tô brincando com os meninos e um deles aponta pra mim, assim: ‘Ó o peitinho dela!’, e eu saí chorando, desesperada.” O primeiro beijo, aos 13 anos, só aconteceu após meses de bullying e intimidações. “Quando eu era criança, esse tipo de coisa nem passava pela minha cabeça. Fui a última a beijar na boca. Os meninos ficavam gritando pra mim: ‘Isis sapatão! Isis sapatão!’, porque eu não gostava de brincar de boneca e não queria beijar ninguém. Só fui pensar nessas coisas mais tarde”, afirma.

Anos depois, a realidade se transformou em algo bem diferente. Garantida entre as principais estrelas da Globo, Isis hipnotizou telespectadores com personagens como a sedutora Suelen, de Avenida Brasil (2012), que reforçou os talentos dela como atriz de comédia e a aptidão natural para virar sex symbol de novela das 21h. Em 2013, estreou no cinema em Faroeste Caboclo, a adaptação cinematográfica da epopeia lançada pelo Legião Urbana em 1987, mesmo ano em que Isis nasceu. A performance rendeu elogios e abriu as portas do cinema brasileiro para a atriz, que em 2017 aparece em três longas. Na comédia romântica Amor.com, de junho, Isis é uma youtuber fashionista que se apaixona por um nerd desajeitado. Ela ainda protagonizou o clipe da faixa “Beautiful Lie”, da banda brasileira Republica, que faz parte da trilha do longa. “Vim do interior, onde não tinha muito acesso a esse estilo musical. Mas super me apaixonei pelo rock chegando à capital”, afirma. “Fazer o clipe foi uma viagem, uma visita a lugares ocultos da alma. Foi intenso.”

Neste mês, estrela outra comédia, Malasartes e o Duelo com a Morte, em que vive o interesse romântico do protagonista, encarnado por Jesuíta Barbosa. Por fim, em setembro, se reencontra com Fabrício Boliveira, com quem contracenou em Faroeste Caboclo, no filme Simonal, cinebiografia do cantor Wilson Simonal. Mas não fosse a teimosia de Isis, talvez ela não tivesse vivido nenhuma dessas personagens, muito menos a Maria Lúcia inventada por Renato Russo.

“Você não tem que ter medo de ouvir não, tem que falar ‘foda-se!’ e se jogar”, diz antes de recapitular as resistências que enfrentou para viver a personagem. “Eles nem me chamaram pra fazer o teste [de elenco], eu que fiquei sabendo e pedi pra tentarem me encaixar. Mas eles queriam um nome novo, um rosto novo, e diziam que eu já era muito conhecida, que não iam me aceitar.” Mesmo com as recusas da produção, Isis insistiu. Dentro de uma das salas reservadas ao descanso dos atores entre as filmagens no Projac, ela fica em pé e reproduz o diálogo entre um agente dela e uma funcionária da produção do filme.

“‘Alô, é do filme tal? A Isis gostaria muito de fazer o teste’. ‘Ah, obrigada, mas a gente não quer ela, a Isis já fez novela, fez Globo, a gente quer um rosto novo.’ ‘Tudo bem, mas ela quer fazer o teste.’ ‘Mas ela não é o perfil. Ela quer fazer um teste no qual ela não vai passar?’ ‘É, ela falou que quer. Isso, mesmo não passando. O último horário? Tá marcado, então’.”

“Eu fiz isso algumas vezes. É igual a pessoa falar que não gosta de jiló sem comer a porra do jiló. Ih, mais palavrão. Falei palavrão o dia todo pra ele”, exagera à assessora de imprensa da Globo, que acompanhou a reportagem dentro do Projac por exigência da emissora.

A caminho do estúdio, onde é aguardada para mais uma rodada de gravações, Isis relembra o teste, orgulhosa. “Eu entrei na sala, fiz o teste, e quando acabei o diretor [o brasiliense René Sampaio] estava de braços cruzados, me olhando sério. Eu falei: ‘Muito prazer, que bom que você deixou eu te mostrar o meu trabalho, muito obrigada’, e saí. Peguei o filme.”

A lua de mel com o público acabou em 2013, durante as filmagens da minissérie Amores Roubados. Na tela, Isis era Antônia, o par romântico do mulherengo Leandro, interpretado por Cauã Reymond. Fora dela, a atriz foi acusada de ter influenciado o fim do casamento de Reymond, então marido da atriz Grazi Massafera. Isis foi vítima de um verdadeiro linchamento virtual com o anúncio da separação dos dois. Após meses de uso reduzido de redes sociais, quando a poeira começava a baixar, ela enfrentou uma turbulência muito maior: a fratura de uma vértebra do pescoço após um acidente de carro. Por muito pouco, não ficou tetraplégica.

“É doloroso falar disso. Foi... a vida, né? Eu realmente poderia ter perdido tudo”, avalia antes de um silêncio longo e melancólico, no único momento da entrevista em que parece se perder nos próprios pensamentos. O acidente ocorreu na madrugada de uma sexta-feira, quando Isis voltava de uma festa com um amigo e com a prima Mayara, que mora na casa da atriz. Cansada, ela pediu para a prima dirigir o carro, um utilitário. Mayara não estava acostumada a carros automáticos e perdeu o controle do veículo após pisar por engano no pedal de freio. O carro bateu em um barranco e capotou. Isis, que dormia no banco de trás, quebrou a primeira vértebra da coluna, bem na base do crânio, mas se recuperou totalmente, sem sequelas.

"Não sou santa, tenho milhões de defeitos. Mas eu nunca conspirei contra os outros. Por isso, quando as pessoas armam pra mim, eu caio"

“O médico me falou: ‘Agradeça a Deus por você não estar tetraplégica ou morta’”, relata, explicando a própria crença com expressões que ecoam o deslumbre que Rita, na novela, tem pelas águas de Parazinho. “Ter fé não é rezar até Deus te ouvir. É você rezar até ouvir Deus. Deus, Oxalá, Brahma, sei lá. Cada um dá um nome.” O nome que ela dá? “Eu chamo de Universo, de energia do Universo. A minha fé está na conexão com esse algo maior, com este planeta, com esta natureza toda.”

Imediatamente, o trauma – amplificado pela repercussão negativa após o fim de Amores Roubados – deu início a uma grande revolução pessoal. O primeiro passo foi identificar e cortar relações com as pessoas que acreditava lhe fazerem mal. “O acidente botou tudo na balança. A vida é efêmera, é passagem”, reforça. “Fui muito traída por amigos próximos, vivi mentiras horrorosas. Comecei a varrer todo mundo pra fora. ‘Sai! Sai daqui!’”, encena mais uma vez, com o dedo indicador em riste, repetindo o gesto de emancipação da avó. “Eu não sou santa, tenho milhões de defeitos. Mas eu nunca conspirei contra os outros. Eu não fui criada assim, minha família nunca me instigou a alimentar inveja, ódio, raiva, a desejar o mal de ninguém. Por isso, quando as pessoas armam pra mim, eu caio. Eu não vejo as armadilhas. É bizarro.”

O segundo passo foi exatamente o contrário: se reconectar com quem ela queria bem. “Ou você aprende a lidar com os imprevistos da vida ou você se ferra. Não tem essa de ‘para a vida por favor, que vou ali fazer um pipi e já volto’”, elabora. “O segredo é você se cercar de pessoas em quem você confia, pessoas com quem você se sente seguro, acolhido. Eu agradeço muito a todas essas pessoas que você vê à minha volta por não me deixarem desistir na hora em que eu queria desistir.” Isis demonstra consciência do próprio amadurecimento e dos caminhos que a levaram até o agora. “Essas pessoas não me deixaram endurecer, porque isso seria o mais cabível a uma menina que veio de onde eu vim, que mudou pro Rio, ficou conhecida, que hoje tem milhões de pessoas perto dela. Ela aprendeu que não é todo mundo que vai gostar dela, que não é todo mundo que vai querer esticar a mão pra ela como era em Minas.” E parece muito bem assim.

Profissão Mergulho

Depois de se aprofundar em cada personagem, Isis procura descartar a ficção

Ao descrever as personagens que interpretou, Isis Valverde parece falar sobre uma amiga íntima com quem não convive mais. “Eu aprendo o que tiver que aprender, e tchau. Faço de tudo pra deixar elas bem longe de mim”, zomba. A convivência com cada papel é intensa: durante novelas como A Força do Querer, a atriz vive uma rotina que, além das gravações, inclui aulas diárias com diferentes professores, dependendo do que a personagem pedir.

Isis reflete que o ofício a ensinou a explorar diferentes sentimentos dentro de si. “Todo mundo tem raiva, mesmo que não a use nunca. Você pega essa raiva que você usou só aquela vez no trânsito e começa a trabalhar, e aquilo vai crescendo dentro de você”, detalha. Reconhecida por papéis bem-intencionados, Isis teme o impacto emocional de viver uma vilã. “Eu tenho vontade, lógico, mas deve ser bizarro. Todas as atrizes que fazem vão sendo sugadas, ficam parecendo um maracujá. Não tem como dissociar a pele, o sentimento que você recebe, daquilo. Muito doido isso, né. Ator? Atormentado.”