Com 25 anos de trajetória e sobrevivendo a altos e baixos e duas separações, o SEPULTURA lança novo disco, relembra o passado e se declara mais unido do que nunca
''Você trouxe o protetor de ouvido?" A pergunta vem em tom de brincadeira, mas Jean Dolabella, o baterista do Sepultura, parece falar sério: enquanto ele encaixa seus próprios protetores, o guitarrista Andreas Kisser, o vocalista Derrick Green e o baixista Paulo Xisto reproduzem o mesmo procedimento. Era um sinal do que estava por vir. É a segunda semana de janeiro, e estamos em uma ampla sala de um estúdio no bairro de Moema, São Paulo, onde o grupo ensaia para o início da turnê européia do recém-lançado A-Lex. O disco é o primeiro a ser gravado sem a presença de um integrante com o sobrenome Cavalera. É também o segundo consecutivo em que se inspiraram em uma obra literária - a musa da vez é Laranja Mecânica, livro de Anthony Burgess que inspirou o filme homônimo de Stanley Kubrick.
Mas, naquele momento, o novo álbum está em segundo plano. Da Fender Stratocaster de Andreas sai, ensurdecedor, o riff condutor de "Endangered Species", de Roots (1996). Jean, que não é o único sentado, espanca seu kit com fúria apaixonada, enquanto consegue a proeza de sorrir e morder a língua ao mesmo tempo. Equilibrados em banquinhos, concentrados, Andreas, Paulo e Derrick comandam a densa e grave massa sonora de fazer vibrar órgãos internos. Apesar do peso, o clima é de leveza: todos parecem se divertir, como se fizessem uma jam sem compromisso.
"Vamos tentar uma do Chaos?" Andreas sugere, citando o disco de 1993 que colocou o Sepultura definitivamente no mapa mundial do metal. Segundos depois, mudam de ideia e emendam três faixas novas - "A-Lex III", "The Experiment" e "Filthy Rot". Não por coincidência, o grupo compôs naquele exato local essas e as outras 15 faixas que formam o novo álbum, o 12º da carreira. Os quatro estão afiados e o som obtido é idêntico ao da gravação. Quando o silêncio volta a se confundir com o ar gélido do estúdio, se entreolham quase com descrença. Estão prontos para voltar à estrada.
Na mesma hora, porém no dia anterior, o estúdio já se encontrava quase vazio. O único dos Sepulturas ainda no local é Paulo, que, por conta do ensaio de horas antes, está se sentindo nostálgico. "Hoje a gente estava ensaiando as músicas antigas do Bestial [Devastation, primeiro disco do Sepultura, de 1985]", ele conta, "e o Derrick disse: 'Ei, tem coisa nessa letra que não faz sentido! Essa palavra não existe!' Era o jeito que a gente fazia, picotando os negócios no dicionário. Emendava e traduzia!"
Como parte da comemoração do aniversário de 25 anos do Sepultura, o quarteto prepara uma novidade para a nova turnê: um espaço reservado em cada show para músicas da primeira década do grupo, com a escolha do repertório a cargo dos fãs, pela internet. Funciona como um exercício de regressão para os "pratas da casa" Paulo e Andreas e um sopro de novidade nostálgica para Derrick (na banda desde 1998) e Jean (desde 2006). A combinação do novo com o antigo, o passado com o presente, aliás, é o motor que define a essência da trajetória da banda: um evidente esforço de se manter sempre fresco e atualizado, mas sem jamais abandonar as glórias - e os dramas - do passado.
"Eu atazanei a vida dos meus pais e da minha tia e eles compraram um [baixo] Giannini na Mesbla. Em 50 milhões de prestações. Eu queria o preto, mas branco era o único que tinha." A memória de Paulo Xisto Pinto Junior, privilegiada e enciclopédica, e a condição de observador privilegiado que viu e participou de tudo, o ajudam a repassar com facilidade os detalhes obscuros da origem do Sepultura, cujos primórdios remetem a 1984: datas, integrantes que não constam de nenhuma biografia, como Beto Pinga e Roberto Ufo, os ensaios na casa do pai de Paulo, a primeira sessão de fotos oficial, "na frente de uma igreja, usando cintos de balas".
Você lê esta matéria na íntegra na edição 29, fevereiro/2009