Veja fotos do ensaio da cartunista que, depois de se descobrir e mudar de vida, agora sonha com um mundo mais diverso
Na edição de aniversário da Rolling Stone Brasil, nas bancas a partir da próxima quinta, 14, você encontra uma entrevista exclusiva com a cartunista Laerte – e um ensaio no qual a artista se despe completamente, de maneira física e emocional.
Foi em setembro de 2010, em uma entrevista para a revista Bravo, que Laerte falou pela primeira vez publicamente sobre o então novo hábito de se vestir com roupas e acessórios de mulher, o crossdressing. “É uma necessidade imperiosa de perscrutar e vivenciar os códigos femininos. Há ocidentais que se deleitam em investigar o Oriente. Experimentam comidas exóticas, fazem ioga, visitam a China. Da mesma maneira, por que um homem não pode empreender uma viagem radical pelo planeta insondável das mulheres?”, questionava-se à época.
De lá para cá, o termo crossdressing deixou o vocabulário restrito a comunidades secretas na rede e insiders do mundo gay e invadiu, sem pedir licença, a sala do brasileiro com acesso a jornais, revistas, internet e televisão aberta. De repente, todos queriam saber “o que aconteceu” com Laerte, que deu provavelmente mais entrevistas para falar sobre a tal transformação do que em toda a bem-sucedida carreira de quadrinista – são seis troféus HQ Mix, o Oscar brasileiro dos gibis, e um prêmio Ângelo Agostini de “mestre do quadrinho nacional”.
Racionais MC’s estão na capa da edição de aniversário da Rolling Stone Brasil.
“Eu estava pouco disposta a construir outra blindagem, sabe?”, Laerte conta, já bem acostumada a referir-se a si própria no feminino. “Escolhi não viver a minha homossexualidade por décadas. Não tinha mais como não ser eu.”
Laerte já disse em entrevistas que teve a primeira relação sexual aos 17, com um homem. Vivia ainda com os pais e três irmãos em um ambiente de classe média em Alto de Pinheiros, São Paulo, e, sem coragem de enfrentar tabus, decidiu suprimir o desejo. Casou três vezes e teve três filhos. “Casei... por quê? Por pânico! Não é que eu não tenha prazer ou não tenha tido nenhum tipo de desejo por mulheres. É que eu estava vivendo um estado de negação permanente. E fui bem-sucedida durante muito tempo”, explica.
Quase 40 anos mais tarde, foi um de seus próprios personagens quem convidou Laerte para uma caminhada no lado selvagem da vida. Criado no caderno de informática da Folha de S. Paulo para tratar das desventuras do homem moderno nos primórdios da internet, Hugo Baracchini se tornou um alter ego do autor, até que, certo dia e sem maiores desculpas, resolveu se travestir. Passou batom, depilou as pernas, botou uma peruca e saiu à rua, toda vaporosa, soltando ali o balãozinho talvez mais reprimido na vida por Laerte: “Às vezes, um cara precisa se montar, ué!” Um leitor, também crossdresser, identificou o desejo na tirinha e instigou Laerte a conhecer mais sobre esse universo.
Dias depois, ele já tinha secretamente comprado calcinhas, sandálias de salto alto e vestido. Só faltava a coragem. Era 2004, e o artista atravessava um momento de profundas revisões pessoais e também profissionais. À revelia de muitos fãs, que achavam que Laerte estava pirando ou apelando para o nonsense, ele entrou de cabeça na renovação das tiras diárias, buscando romper com fórmulas, traços e artifícios cômicos em que não estava mais interessado. Até que a morte do filho Diogo em um acidente de carro, aos 22 anos, o fez brecar, mais uma vez, o movimento de transformação. “Nesse momento, pensei em desistir seriamente do que estava fazendo”, conta.
Você lê a íntegra da entrevista com Laerte na edição 86 da Rolling Stone Brasil, nas bancas de São Paulo e Rio de Janeiro a partir do próximo dia 14, e na semana que vem nos demais estados.