Relacionando música e dramaturgia, Letícia Sabatella fala da intolerância política no Brasil
Atriz, cantora, compositora e humanitária, Letícia Sabatella é uma personalidade recorrente na teledramaturgia brasileira e em pautas relacionadas aos direitos humanos há mais de duas décadas. Mineira radicada em Curitiba e dona de uma inquietude crônica – que se camufla sob a voz tranquila e cadenciada –, ela se prepara para estrelar a adaptação audiovisual do romance Carcereiros, de Drauzio Varella, ao mesmo tempo que concilia o projeto musical Caravana Tonteria, integrado também por Paulo Braga, Zéli Silva e Fernando Alves Pinto (marido dela).
Como você tem balanceado o trabalho na música e a vida de atriz?
A música foi muito formadora na minha carreira de atriz e vice-versa, então essa relação acaba sendo uma coisa recíproca e contínua. Uso muito do recurso de atriz para poder cantar no Caravana. Para me apresentar com a banda, criei a imagem de uma personagem maltrapilha em cima de referências que vão do teatro commedia dell’arte a [Bertolt] Brecht. Outra coisa que me pegou muito foi a filosofia wabi sabi, que gira em torno de tudo aquilo que é carcomido pelo tempo – fala da beleza do impermanente, daquilo que tem rugas e que dialoga com a passagem do tempo. Tudo isso foi construindo em mim a estética dessa cantora, com uma personalidade mais teatral.
Você é bastante engajada politicamente. No entanto, já disse que não gostaria de ficar marcada como “a politizada”. Por quê?
Não queria ser distinguida dos outros por pensar uma coisa que deveria ser cotidiana. Isso deveria fazer parte da vida de todo cidadão, uma vez que conquistamos uma sociedade democrática. Isso faz parte do dia a dia, e não deveria ser motivo para distinguir ninguém. Ser engajado politicamente é um direito e um dever, porque é algo que vem da nossa essência, da nossa alma. Somos acima de tudo cidadãos, e ser um cidadão é saber que toda escolha é um ato político. Então, não me sinto mais politizada que as outras pessoas.
Embora fosse crítica ao governo de Dilma, você sempre se posicionou contra o impeachment dela. Como você se sentiu com a deposição da primeira e única presidente mulher da história do Brasil?
Não acreditei que aquele dia existia. Mas a defesa dela no senado foi um dos momentos mais brilhantes da política do nosso país. Foi um momento que deu muita força à resistência do que estava acontecendo e que a longo prazo será justificado pela história. É triste saber que os motivos usados para tirá-la do poder se baseavam não nos erros do governo mas nos acertos.
Em julho, você foi hostilizada e agredida durante uma manifestação pró-impeachment em Curitiba. O que passou pela sua cabeça naquele momento?
Foi assustador, mas não sei se senti medo. Foi uma coisa que cresceu de um jeito muito ridículo, inesperado. Eu estava passando por uma pequena aglomeração de pessoas que iam à manifestação; ia pela borda e então percebi alguns cartazes pedindo a volta da ditadura. Isso me chocou muito. Uma senhora se aproximou de mim e nós começamos a conversar. Na sequência, algumas amigas dela chegaram querendo tirar uma foto minha e me envolver com a manifestação e os símbolos delas. Começaram a gritar e a instigar uma aproximação das outras pessoas. Foi triste ver tanta intolerância, ignorância, preconceito e ódio. É sombrio, não é? Mas não consegui sentir raiva pessoal deles, só uma dor e uma tristeza muito profunda.
Você acha que as pessoas estão muito inflexíveis para tratar de política ultimamente?
Acho que existe uma camada muito autoritária na sociedade que acha que ser cidadão é excluir a existência do outro. Uma porção de pessoas que são intolerantes à igualdade. Não acredito que essa porção seja a maioria, mas acho que ela manipula a maioria.
É possível se manter otimista nestes tempos obscuros?
Neste momento não tá bom, não tá favorável. Mas eu sou muito taoísta, vejo um ciclo que precisa ser tratado e iluminado. O amor precisa vir com muita
luz e sabedoria, transformando a consciência por dentro.