Esta hilariante sátira às corruptas e autoritárias ditaduras latino-americanas é cada vez mais atual tendo em vista o que vem acontecendo em nossa região. Allen, que no filme tem o improvável nome Fielding Mellish, é um anônimo que mora em Nova York e tem a péssima ideia de namorar uma ativista social (Louise Lasser). Inevitavelmente, ele toma um pé no traseiro. Desiludido, vai investigar como é “la revolución” no fictício país de San Marcos. Através de eventos muito complicados para serem descritos aqui, ele se torna o presidente e ditador do país. Ver Allen fantasiado com roupa de guerrilheiro e bancando um Fidel Castro mambembe é algo simplesmente impagável. E ao longo deste filme, ele prova que nós não passamos mesmo de um bando de “bananas”. Destaque também para a trilha de Marvin Hamlisch.
A peça Play it Again, Sam foi escrita e estrelada por Allen com grande sucesso. Mas ele não quis dirigir a versão cinematográfica e passou a missão para Herbert Ross. Ele vive Allan Felix, um crítico de cinema neurótico que mora em São Francisco e é abandonado pela mulher. Sozinho e carente, ele vai á caça. Quando passa uma cantada em uma atendente de museu, Felix pergunta: “O que você vai fazer nos sábado?”. A garota responde: “Cometer suicídio”. Ele retruca: “E o que vai fazer na sexta?” Fanático pelo filme Casablanca, ele é “ajudado” por Humphrey Bogart (Jerry Lacy), que dá conselhos sobre as mulheres e a vida usando frases como: “Eu nunca conheci uma dama que não entendesse uma boa tapa na cara ou uma bala de uma pistola 45”. Felix tenta seguir as dicas do mestre Bogie, mas os resultados são péssimos. Ele se apaixona por Linda (Diane Keaton), mulher de seu melhor amigo, e os resultados são, naturalmente, desastrosos. Pelo menos dessa vez ele consegue ser dispensado em uma situação similar ao amado Casablanca.
Depois de dois casamentos fracassados, o inseguro Alvin Singer (Allen) acha que as pessoas se dividem entre os “horríveis” (que estão em estado terminal) os “miseráveis” (o resto da população). Singer, que é um roteirista de sucesso morando em Nova York, conhece Annie Hall (Diane Keaton), uma tímida aspirante à cantora. Os dois engatam um relacionamento. No começo dá tudo certo e ele pensa que pode ter alguma esperança e ser feliz. Mas aos poucos, Annie cresce pessoalmente e profissionalmente. Alvin não a acompanha emocionalmente e é abandonado. Ao perceber que sem ela a vida dele finalmente passou do estágio “miserável” ao “horrível”, Alvin pede para que Annie volte, mas ela recusa educadamente. Ele reage filosoficamente e lembra da história do homem que tem um irmão que pensa que é uma galinha, mas se recusa a interná-lo já que “precisa dos ovos”. Assim, para Allen/Singer, as pessoas entram em relacionamentos furados porque “precisam dos ovos”. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa é o pico de Allen como cineasta. O filme tem toques autobiográficos e o relacionamento de Alvin tocante e verdadeiro, principalmente por causa da química entre Allen e Diane. O filme ganhou quatro prêmios Oscar, incluindo Allen (diretor) e Diane (atriz).
Manhattan, que tem fotografia em preto branco, começa ao som de “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin. Enquanto a canção é executada, vários pontos de Nova York são mostrados. Em off, Allen tenta explicar porque a cidade onde ele nasceu o fascina tanto. Apesar de aturar, como ele diz, “drogas, música barulhenta, televisão, crime e lixo”, ainda é o melhor lugar do mundo para ele. Em Manhattan, o enredo traz o diretor vivendo Isaac Davis, um escritor quarentão que se separa da mulher Jill, vivida por Meryl Streep. Ele começa a namorar Tracy (Mariel Hemingway) uma garota muita mais nova do que ele, mas tem noção que é um barco furado. Eventualmente Davis se apaixona pela intelectualizada Mary (Diane Keaton), namorada do melhor amigo dele. Allen aqui usa elementos de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Interiores, seus filmes anteriores. Mas a trama em si é secundária. O que importa é o diálogo cortante e os questionamentos de Allen sobre relacionamentos. O longa é também uma imensa carta de amor para Nova York. Aparentemente, pode parecer que Allen está reciclando ideias, personagens e situações, mas Manhattan possui um charme único.
Em Memórias, Allen tentou fazer o seu 8½, ou seja um análise surrealista de sua vida, obra e métodos de trabalho. Ele vive Sandy Bates, um cineasta que faz sucesso dirigindo comédias, mas agora que partir para coisas mais sérias. “Não me sinto mais engraçado, eu olho ao redor e só vejo sofrimento”, diz. Exatamente como o Woody Allen da vida real. Nesse processo, ele reflete sobre a vida e é importunado por agentes, ex-mulheres, fãs, jornalistas, celebridades, perdedores e bajuladoras. O filme em preto e branco fracassou na bilheteria e desagradou fãs e críticos, que acusaram Allen de exagerar no cinismo e dirigir (talvez intencionalmente) com mão pesada. Várias pessoas que antes apoiavam Allen se sentiram ofendidas, já que ele parecia estar cuspindo no prato em que comeu. Mas a mensagem era clara: Woody Allen nunca mais interpretaria o comediante atrapalhado dos anos 1970 e aquele que cobravam este tipo de postura artística dele deveriam fazer outra coisa. Imperfeito e caótico, Memórias é um filme essencial para entender o outro lado de Woody Allen.
Neste filme, um dos maiores sucessos de bilheteria da carreira de Allen, o ator e diretor segue a estrutura dramática de Fanny e Alexander de Ingmar Bergman – em ambas as produções, uma vasta família se encontra por três vezes consecutivas em ocasiões festivas e a partir disso a ação se desenrola. Bergman usou o Natal, mas Allen escolheu o Dia de Ação de Graças. Allen vive Mickey Sachs, mais uma variação de seu eterno papel de intelectual neurótico, misantropo e hipocondríaco, infeliz com o cotidiano, fã de jazz e inimigo do rock, um cara obcecado com a morte e preocupado com a degradação das pessoas e instituições. Mickey, que passa boa parte do tempo preocupado com um suposto tumor cerebral, acha que nada mais importa, mas em uma cena memorável, ele entra em um cinema e assiste O Diabo a Quatro, clássico dos Irmãos Marx. Ele pensa duas vezes e nota que, apesar de tudo, existem coisas legais na existência humana. Mas Allen, em um papel comparativamente menor, acaba sendo obscurecido pela presença feminina: Mia Farrow, que vive a Hannah do título do filme, ex-esposa de Mickey e as complicadas irmãs dela Lee (Barbara Hershey) e Holly (Dianne Wiest).
Em Crimes e Pecados, Allen contou com um elenco de apoio de primeira, incluindo Martin Landau, Mia Farrow, Anjelica Huston, Jerry Orbach e Alan Alda. Trata-se de um drama que tem uma ou outra pitada de humor. O filme segue várias tramas, que eventualmente acabam se chocando. A principal mostra Judah Rosenthal (Landau), um respeitado optometrista que é chantageado pela ex-amante. Isso desperta uma série de crises morais em Rosenthal, que pensa até em cometer assassinato. Enquanto isto, o cineasta Cliff Stern (Allen) corteja uma colega de trabalho e se ocupa em fazer um documentário sobre um magnata de TV (Alda), a quem ele despreza. Crimes e Pecados é um dos mais maduros trabalhos de Allen. Ele discute escolhas, mortalidade, honra, moralidade e redenção; mas agora trata todas estas questões de um forma mais séria e contundente.
Neste que é considerado o melhor filme de Allen em muito tempo, o diretor investe no thriller e investiga o mundo dos bonitos, ricos e poderosos que habitam a Inglaterra. Jonathan Rhys-Meyers é Chris Wilton, um instrutor de tênis que se torna amigo de Tom Hewett (Matthew Goode). Chris conhece a família de Tom e se interessa por Chloe (Emily Mortimer). Eles se casam e Chris sobe na vida ao ir trabalhar com Alec (Brian Cox), o pai milionário dela. O problema é que ele começa um caso justamente com Nola Rice (Scarlett Johansson), a namorada norte-americana de Tom. Morte, intriga e reviravoltas colocam o mundo dessa gente aparentemente perfeita de pernas para o ar. Ponto Final: Match Point é um filme impactante e perturbador, um brilhante estudo de personagens e tensão controlada. Allen mostra ritmo, estilo e muita técnica, além de dirigir o afiado elenco com maestria.
No papel que escreveu para si próprio, Woody Allen sempre se coloca em uma posição inferior. Ele é um homem inseguro, misantropo, cheio de neuroses e defeitos e não é exatamente muito másculo. Mas ele entende a alma feminina e sabe escrever para as mulheres como poucos. Claro, ele criou papéis e diálogos brilhantes para as ex-esposas e musas Diane Keaton e Mia Farrow. Em Hannah e Suas Irmãs, o time feminino é quem dá as cartas e Dianne Wiest até ganhou um Oscar. Allen dirigiu Mira Sorvino em Poderosa Afrodite (1995) e ela também levou a estatueta como melhor atriz coadjuvante. Em Vicky Cristina Barcelona, foi a vez de Penélope Cruz ser premiada. A atuação dela é um das cerejas do bolo dessa comédia romântica acima da média. A ação se passa em Barcelona, na Espanha, e Penélope é María Elena, que se envolve em diversas situações amorosas complicadas.
Na década de 1980, Allen brincou com a linguagem cinematográfica. No popular A Rosa Púrpura do Cairo (1985), ele fez com que um astro da era dourada de Hollywood saísse da tela para habitar o mundo real. Dois anos antes, Allen já havia experimentado com Zelig, um documentário de baixo orçamento onde ele interpretava Leonard Zelig. O personagem é um camaleão humano, que se tornou celebridade nas décadas de 1920 e 1930 pela habilidade de se incorporar ao ambiente e também por imitar as pessoas que estão ao redor dele. Assim, ele é visto em todos os cantos. Através de excelentes trucagens de fotografia, Zelig/Allen é visto ao lado de figuras históricas como Charles Chaplin, Adolf Hitler, Al Capone, James Cagney e outros. Mia Farrow vive a psiquiatra que estuda Zelig e tenta entender como a exótica figura adquiriu seus “talentos”. Apesar de estar meio esquecido hoje, este é um filme que precisa ser resgatado com urgência.