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Lulu Santos lança álbum cantando Rita Lee, saúda a conquista internacional do funk brasileiro e reflete sobre os caminhos da humanidade pop

“[O pop] É uma música hedonista, sexualizada, que não quer ter nenhuma preocupação, nenhuma sensibilização. E assim caminha a humanidade"

Mauro Ferreira Publicado em 19/12/2017, às 16h48 - Atualizado às 19h19

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<b>A Cara da Música</b><br>
Lulu fotografado este ano, no Rio de Janeiro
 - Leo Aversa/Divulgação
<b>A Cara da Música</b><br> Lulu fotografado este ano, no Rio de Janeiro - Leo Aversa/Divulgação

Esta matéria foi publicada na íntegra na edição 136 da Rolling Stone Brasil, nas bancas em dezembro de 2017.

"Eu sou artista por causa de Os Mutantes.” Na varanda que funciona como extensão da sala do apartamento de Lulu Santos, na Lagoa, bairro abastado da partida cidade do Rio de Janeiro, a frase sai assertiva e firme da boca do cantor, compositor e músico carioca. Com 64 anos de vida e 40 de trajetória solo, Luiz Maurício Pragana dos Santos soa sincero, como apregoou no título da música que lançou em 1984, quando já estava sendo justamente entronizado como um dos reis do pop brasileiro. Poderia ser mera frase de efeito para promover o lançamento, em outubro, do álbum Baby Baby!, em que Lulu recria o repertório de Rita Lee. Mas a história dá razão e sentido à sentença proferida pelo artista.

Lulu tinha entre 17 e 18 anos quando adquiriu o hábito de assistir às gravações do programa Som Livre Exportação, exibido pela Globo de dezembro de 1970 a agosto de 1971, com apresentação de Elis Regina e Ivan Lins, além de participação de convidados habituais – entre esses, o trio formado em 1966 por Rita com os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista. “Era habitué e, no fim de três meses, estava meio infiltrado na turma. Eu já era conhecido dos Mutantes”, ele relembra.

Antes deles, Lulu já conhecia Roberto Carlos e Erasmo Carlos, cuja obra abordou em álbum de 2013. Adolescente, era levado por um tio, Haroldo, às gravações do programa Jovem Guarda, na TV Rio. “A história da minha carreira é ligada à TV. Não era ouvinte de rádio. Ouvia discos numa vitrola portátil, facilmente operável por crianças e adolescentes. Ouvi ‘Rock Around the Clock’ por volta de 1958 em compacto. De repente, veio a TV e fez uma revolução”, conta Lulu, que morou por um tempo nos Estados Unidos, quando tinha cerca de 5 anos, porque o pai, engenheiro aeronáutico, precisou passar um período naquele país para aprender sobre novas tecnologias.

Fosse morando no Brasil ou fora dele, Lulu viveu intensamente a cultura e a revolução do rock. “Os garotos pediam uma guitarra aos pais e se aplicavam no toque do instrumento”, rememora o músico, que integrou o grupo Vímana entre 1974 e 1977, ano em que saiu da banda carioca de rock progressivo integrada também por Lobão e Ritchie. Foi nessa época que a veia pop começou a aflorar, sobretudo quando Lulu percebeu que o rock tinha ficado chato. Ele abriu as asas e soltou as feras nas pistas da disco music. “Aquilo era libertador numa era pré-aids. A negação do rock também era uma perversão interessante. A humanidade se expressa através da pop music”, sentencia.

Nessa época, Lulu já era próximo do pessoal dos Mutantes, sendo que a banda paulistana vivia sua fase carioca e progressiva. Tinha se aproximado especialmente de Sérgio Dias, por ser também um guitarrista. “Apresentei Sérgio aos meus amigos e confesso que ficava na expectativa de ser chamado para ser o baixista do grupo”, admite Lulu. O convite nunca veio e ele teve que se virar para pagar as contas e cavar uma carreira solo. Lançou um compacto em 1980 usando o nome Luiz Maurício e, como trabalhava na gravadora Som Livre, fazendo sugestões de músicas para trilhas de novelas da Globo, conseguiu emplacar “Melô do Amor”, tema que compôs com Perfeito Fortuna e gravou no tal compacto, na trilha sonora da novela Plumas & Paetês, sucesso da emissora no horário das 19h. João Araújo, diretor da Som Livre na época, atendeu o pedido do jovem iniciante. Mas nada aconteceu com o compacto.

Lulu Santos só começou a ser Lulu Santos em 1981. Foi nessa época que o caminho do emergente popstar voltou a cruzar com o de Rita Lee, àquela altura já casada com o guitarrista e compositor Roberto de Carvalho, parceiro dela na composição de hits que seduziam o Brasil e tornavam Rita uma das artistas mais populares e rentáveis do país. Lulu recebeu o convite para regravar a versão em português de “Get Back”, sucesso dos Beatles, para a trilha da novela Brilhante, no ar na Globo desde setembro daquele ano. A letra em português foi intitulada “De Leve” e era assinada por Rita e Gilberto Gil, intérpretes da gravação original, lançada em 1977. Em 1982, o primeiro álbum do artista, Tempos Modernos, saiu contendo “De Leve” e uma música inédita de Rita, um samba originalmente chamado de “Selenita”, mas que acabou rebatizado de “Scarlet Moon”, nome da musa de Lulu. “Houve um lobby fortíssimo para a mudança de nome da faixa”, lembra, contando que ela foi o primeiro single do primeiro álbum. “Era a fase da paixão do casal Rita & Roberto. Pouca gente tinha me visto tocar no Vímana. Mas Roberto já era afável comigo desde aquela época. Rita descobriu o Rio de Janeiro através de Roberto. Juntos, fizeram algo que ampliou o conceito de rock and roll, com apelo pop e um jeito latino. O Roberto foi o primeiro cara a empoderar a Rita, a dizer ‘vai, reina’. Os outros queriam tirar”, analisa Lulu, que abre o álbum-homenagem lançado este ano com “Disco Voador”, primeira canção composta por Rita e Roberto, gravada originalmente em 1978 para o álbum Babilônia.

Com a autoridade de quem domina o idioma do pop, ele sabe dar o devido valor ao soberano cancioneiro de Rita Lee & Roberto de Carvalho, sem desmerecê-lo face à obra inovadora de Os Mutantes. “A música pop não vive de registro ou de legado histórico. O valor do pop é medido pela relevância social, pela amplitude, pelo alcance popular da canção. O pop é marcado pelo número, uma circunstância da qual a gente não pode fugir”, equaciona. Coerente com o raciocínio, Lulu incluiu somente uma música do repertório de e Os Mutantes na seleção do álbum Baby Baby! Pensou em regravar “Balada do Louco”, mas acabou ficando somente com “Fuga nº 2”. “Foi a música que singularizou a Rita para mim, que a personalizou dentro do grupo”, sentencia.

Com o benefício da perspectiva do tempo, Lulu saúda o pioneirismo feminino do repertório que aborda. O disco foi gravado no rastro da leitura apaixonada de Rita Lee – Uma Autobiografia (2016). “Como uma mulher na década de 1960 foi tão pessoal, tão dona de si, tão feminina? Naquela época, existiam no Brasil umas três ou quatro mulheres assim. Isso põe a Rita nesse contexto histórico. E, em última instância, história é cultura. Quem esquece o passado está condenado a repeti-lo”, reflete. “É claro que ela também queria ser ‘one of the guys’ [ “um dos caras” ], pertencer a uma banda de rock, mas, lendo o livro, percebi que a causa da Rita sempre foi muito feminista. Tive que rebolar para o lado extremamente feminino para a obra de Rita poder caber em mim. Mas não houve pesquisa. Fiz o disco do ponto de vista do fã. Foi uma exigência emocional”, ressalta Lulu.

Nesse contexto, Lulu evidencia o fato de que os ídolos de Rita – James Dean, Mick Jagger, David Bowie – sempre foram os andróginos. “A própria Rita sempre foi muito andrógina. Houve uma época em que ela foi a representação de Bowie no Brasil, com aquele cabelo vermelho”, interpreta. “A Rita é uma sobrevivente de si própria, como boa parte de nossos ídolos. E sobreviver a si próprio é a missão, e provavelmente o mais difícil”, atesta.

Enquanto Lulu celebra Rita como fã, os funkeiros reverenciam Lulu em disco orquestrado pelo DJ e produtor musical Sany Pitbull, com gravações inéditas do cancioneiro desse compositor que sempre levantou a voz em favor do ainda marginalizado gênero. “O funk tem essas levas. Neste momento, ele nunca esteve tão emergido. Muitas estrelas oriundas do universo do funk são o máximo da expressão do pop nacional. Um pop, como diz meu amigo Telozinho [o cantor Michel Teló, colega de Lulu no programa The Voice Brasil], que é o pop-não-rock. Adorei quando ele usou essa expressão, porque é um pop extremamente contemporâneo, que não tem ligação com o rock. É Nego do Borel, Anitta, Ludmilla. Tudo isso é pop. E tudo isso é funk. ‘Bang’, da Anitta, é um dos melhores singles da história. Mas o que Sany fez é com a galera old school”, delimita Lulu. Pela própria natureza do gênero, ele sabe por qual trilho anda caminhando o pop. “É uma música hedonista, sexualizada, que não quer ter nenhuma preocupação, nenhuma sensibilização. E assim caminha a humanidade. Pop é a voz musical da humanidade, expõe o que ela está falando na época. E certamente é fruto de anseios, percepções, da falta, da perplexidade. Cada grupo responde de uma forma”, interpreta o rei vitalício do pop nativo.

De camarote, feliz, o autor do funk “Condição” (1986) celebra o sucesso, no universo pop internacional, de funkeiros como Nego do Borel e Anitta. “Ela é uma criatura embalada de si própria, uma artista com potencial pessoal grande”, elogia. “A associação de Anitta com DJs e produtores internacionais é o caminho. No meu entender, o funk sempre foi a música brasileira que podia fazer isso pelo Brasil, porque tem todo o endereçamento da música que faz sucesso no mundo inteiro. Emerge da base popular, do rap, do hip-hop. Tudo isso não nasce da elite, vem das camadas menos privilegiadas. A mesma coisa acontece com o funk. É uma expressão eletrônica, de uma propriedade cultural única. Hoje ouvi no Instagram o single do MC Koringa. Achei espetacular, muito bem realizado, com toda a linguagem de eletrônica contemporânea, um beat avassalador e com todos os elementos da música internacional, menos a língua inglesa”, analisa. “Nós falamos esse reduzido vernáculo de três países: Brasil, Angola e Portugal. Isso nos dificulta muito, mas não é à toa que Madonna estava mostrando MC Kevinho para as filhas. Aquele single do Kevinho, na primeira vez que ouvi, eu caí no chão. Instintivamente, eu quero isso. Quero que essa música desvinculada do padrão rock-blues-pop da década de 1970 conquiste o mundo”, revela Lulu.

Enquanto assiste ao pop oriundo do funk ampliar territórios, Lulu Santos celebra a visibilidade como técnico do programa The Voice Brasil, da Globo. “É uma janela importante para mim como personalidade e também para a minha música”, reconhece. Paralelamente, saboreia o fato de já ter percorrido um caminho vitorioso no pop nacional. “Pop é linguagem de juventude. Você vive de sua glória, de sua obra, de sua permanência, se você tiver sorte. E eu tive essa sorte. Não me assusto com a idade, porque vi o Ney [Matogrosso] se apresentando aos 75 anos. O importante é o artista se manter íntegro e relevante com a idade avançada. Em essência, o que importa é o artista ser relevante para si mesmo”.

Montanha-Russa Fonográfica

Após um período de tropeço nas vendas, Lulu Santos analisa o mercado

Baby Baby! é o segundo álbum gravado por Lulu Santos como intérprete nos últimos anos. Em 2013, o artista lançou Lulu Canta & Toca Roberto e Erasmo, disco que alcançou (a atualmente impressionante marca de) 70 mil cópias vendidas. Foi o disco mais bem-sucedido de Lulu do ponto de vista comercial em muito tempo. “Mas não fiz o álbum da Rita Lee por causa disso”, se apressa em ressaltar o cantor. Lulu jamais pode ser acusado de sugar obras alheias ou de dormir sobre os louros do próprio cancioneiro. Nos anos 2000, ele lançou nada menos do que cinco álbuns autorais com músicas inéditas. Programa (2002), Bugalu (2003), Letra & Música (2005), Longplay (2007) e Singular (2009) mostraram um compositor ainda com pleno domínio do ofício, mas tiveram repercussão abaixo do esperado. Lulu faz a mea culpa. “Eu produzi muito. E é possível que eu tenha produzido demais. A geração que acompanha o auge da trajetória de um artista já tem uma ideia formada a respeito desse artista. É a dinâmica do pop”, resigna-se.