Abaixo, você confere as perguntas e respostas de Madonna que ficaram de fora da edição impressa da Rolling Stone Brasil
Sua energia no palco é incrível. Eu particularmente gostei de "Get Into the Groove", que você cantou enquanto pulava corda na turnê Sticky & Sweet. Como você se mantém em tão boa forma?
Tenho duas séries diferentes de malhação. Tenho uma série "show-day" de exercícios, que, na verdade, apenas deixa meu corpo aquecido e preparado, e tenho a "off-day", de malhação, que envolve tudo. O tipo de treinamento que faço incorpora tudo, de balé e pilates a corridas, pular corda, pular em trampolins, ginásticas... Usando todos os grupos musculares que uso para fazer o show. Manter minha resistência cardiovascular é o mais importante. No começo da última turnê, eu estava patinando. Aí eu terminei abandonando os patins, porque eu continuava a escapulir da pista e colidir com as barreiras.
Você chora com frequência no palco?
[Na turnê Sticky & Sweet] tem um momento antes de eu cantar "You Must Love Me", que é uma música bem triste, quando não estou conectada ao vídeo pré-programado, quando tenho um momento para falar com a plateia. Nessa parte da turnê, chorei ao dar um discurso sobre dois homens que trabalhavam para a companhia que construía meu palco em Marselha [eles morreram num acidente de trabalho]. Chorei quando descobri que Michael Jackson tinha morrido.
Você e Michael nasceram no mesmo mês, agosto de 1958. Como foi testemunhar uma criança da sua idade fazer o que ele fez?
Eu estava loucamente apaixonada por ele, completamente tomada. Ele era perturbadoramente talentoso. As canções que cantava não eram nada infantis.
Quando você o encontrou pela primeira vez?
Conheci-o no começo dos anos 80, quando comecei a trabalhar com meu empresário, Freddy DeMann, que na época estava agenciando Michael Jackson. Vi-o tocar no Madison Square Garden, e fiquei arrebatada. Ele era impecável. Teve uma festa no hotel Helmsley Palace. Ele era muito tímido, mas foi emocionante para mim.
VEJA as capas de Madonna para a Rolling Stone.
Você tinha inveja dele?
Num bom sentido. Desejava ter escrito "Billie Jean" e "Wanna Be Startin' Somethin'". Que canção eu não amava?
Dez anos depois, teve uma conversa sobre vocês dois gravando juntos, e você foi ao Oscar com ele.
Teve um tempo em que a gente andava junto. Ele queria trabalhar comigo, acho que ele queria me conhecer, e eu queria fazer o mesmo. Quando você escreve com alguém, é uma experiência esquisita, você se sente vulnerável e tímido. Quando trabalhei com Justin Timberlake eu me senti assim. Compor músicas junto é uma experiência muito íntima, como ser atirada a um fanático. Você tem que superar estes obstáculos, que são, "quero impressionar esta pessoa, mas será que eles vão achar que minhas estúpidas? E se as ideias deles forem estúpidas? Posso ser honesta com eles? Ficarão ofendidos?". Você acaba falando e tagarelando e socializando e você precisa fazer isso a fim de alcançar o próximo nível, ser criativo. Então é isto que estávamos fazendo: assistindo a filmes, jantando, andando juntos, indo ao Oscar, sendo bobos, vendo se podíamos trabalhar. Ele relaxou. Tirou os óculos escuros, bebeu uma taça de vinho. Consegui fazê-lo rir.
Você é a única artista no mundo que pode ser reconhecida como alguém que conseguiu resistir a esse nível de controle. Por que destruiu Michael?
Tudo o que tenho são as minhas opiniões, não era muito próxima dele. É bom ter uma boa infância e uma consciência de si no mundo antes que as pessoas digam quem elas acham que você é. Quando você pode cometer erros e ter uma sensação de inocência. Te dá uma sensação de confiança. Não acho que ele tenha começado assim. Ele tinha qualquer percepção de si fora do mundo de adorações e fama? É difícil sobreviver dessa forma. Acho que ele se sentia inseguro quanto à atenção que recebia, e tinha uma relação de amor e ódio com seu trabalho. Não parecia ter quaisquer amigos próximos. E, na última década, todo mundo o abandonou, ou o descreveu como louco. As pessoas têm dito tantas coisas sobre mim que não são verdade, e eu jamais pensei duas vezes que as acusações contra ele pudessem ser verdade. Mas ele não parecia ter jeito para lidar com isso, pública ou privadamente. E isso pode te destruir. Quando ele morreu, todos estavam falando sobre o gênio que era, mas é importante apreciar as coisas antes de as perder. É uma grande tragédia.
RELEMBRE o texto "O EVANGELHO DE MADONNA", capa da Rolling Stone Brasil em novembro de 2008.
Britney Spears apareceu num clipe de "Human Nature" no show da Sticky & Sweet. Ela está presa num elevador e começa a enlouquecer. É assim que você faz a comparação sobre o que aconteceu com a carreira dela?
Sim. Aquilo não explicou o que eu pensava? "Não sou sua vadia, não jogue sua merda em mim." Apenas penso que as pessoas deviam cuidar da própria vida e deixar Britney crescer. Acho que todo mundo atinge o fundo do poço mais cedo ou mais tarde, e ela, como Michael Jackson, não teve uma infância de verdade, então há alguns problemas inerentes a esse cenário. Tenho muita compaixão por ela, e espero que ela consiga encontrar o equilíbrio em sua vida. Não sei o quão ruim foi a crise dela. Não se pode acreditar em tudo que se lê.
Você falou sobre música como maneira de transcender a miséria. Quando percebeu pela primeira vez que a música tinha poder de cura?
Bom, todo mundo sabe que a música pode te animar e te levar para outro lugar e salvá-lo. Mesmo que você não tiver consciência disso, acontece. Não conheço qualquer pessoa que não tenha dito, "Esta canção salvou a minha vida, "Esta canção me fez resistir num verão", "Esta canção me ajudou a superar uma separação".
No começo, você era descrita como "artista de um só sucesso". Em que ponto você conseguiu usar essas opiniões ridículas como motivação? Pensei que o momento da virada ocorreu quando fotos nuas suas apareceram na Playboy e na Penthouse, e você notoriamente disse, "Não estou envergonhada".
Foi algo que eu fiz que foi totalmente tirado do contexto, já que as fotos foram tiradas quando eu estava servindo de modelo para uma classe de fotografia. Parecia tão injusto. Alguém estava obviamente tirando vantagem do fato de eu ter me tornado famosa e vendeu as fotos. Foi assim que eu ganhei a vida quando vim para Nova York pela primeira vez. Eu posava para turmas de arte: pintura, fotografia, desenho. Eu era uma dançarina, então conseguia segurar poses por bastante tempo e você podia ver os músculos no meu corpo. É um trabalho perfeitamente respeitável. Todo mundo tentou me fazer sentir vergonha, e apenas parecia execrável. Não vou dizer que, a partir daí, nada do que as pessoas me disseram me aborreceu, mas fui capaz de usar [a opinião] como trampolim para, como você diz, me motivar. Teve o efeito contrário. Se você diz que eu não consigo, vou fazer. É igual a tudo na vida. Quanto mais resistência encontramos, quanto mais pesado é, nossos músculos ficam maiores. Possivelmente, é razão de eu ainda ter uma carreira. Durante toda a minha carreira eu tenho encontrado resistência.
RELEMBRE AS FOTOS dos shows da turnê Sticky & Sweet em São Paulo.
Você acha que algumas de suas declarações, ou coisas provocativas que fez, interferiram na qualidade de sua música?
Possivelmente, mas tudo aconteceu como devia ter acontecido. Sou a soma de tudo o que disse e fiz. Lembro de quando estava fazendo meu documentário, I Am Because We Are, e entrei direto na competição de Sundance. Uma mulher disse para mim, "Você tem que decidir se quer ser artista ou ativista". Respondi, "Por que não posso ser os dois?". Foi assim que sempre me senti.
Em 1989, ninguém mencionou que você podia não querer dançar e cantar em frente de crucifixos em chamas como no seu vídeo "Like A Prayer"?
Na verdade, não foram muitas as pessoas contra isso. Elas foram contrárias depois, obviamente, mas eu não liguei. Algumas vezes eu simplesmente peitei. Acho que a fragmentação religiosa ou intolerantes que clamam fazer coisas em nome de Deus mas na verdade trazem dor à vida das pessoas são coisas que precisamos peitar. Senti que isso era parte de algo que eu estava fazendo. E, quando toquei "Live to Tell" numa cruz [na turnê Confessions], estava apoiando Jesus, prestando homenagem à mensagem dele, que é sobre amar o próximo como a si mesmo, tratar pessoas com dignidade. Os cristãos não gostaram muito disso.
Quem você considera um gênio da música? Como você define genialidade?
Gênio pode significar tantas coisas diferentes. Pode ser sobre poesia, ou melodia, ou o timbre da voz quando se atinge uma certa nota. Seja Cole Porter, Elvis Costello, Joe Henry, Stevie Wonder, Cat Stevens, David Bowie, Lou Reed, Chrissie Hynde, Joni Mitchell, Iggy Pop, Elton John, John Lennon ou Chris Martin.
Você cantou "Imagine" na turnê Re-invention. Onde você estava quando John Lennon foi assassinado?
Eu estava no [bairro] Upper East Side. Eu lembro de sair do trem do metrô na 72nd Street algumas horas depois, e havia multidões e carros de polícia, era uma loucura. Todo mundo estava arrasado. A violência do que aconteceu foi particularmente perturbadora, pode deixar você paranóico. O acidente de carro com a princesa Diana, e a tragédia que aconteceu com Michael Jackson, faz você parar. Toda vez que eu cantei "Imagine" eu conseguia ver que as pessoas nas primeiras fileiras sempre choravam. É edificante. John Lennon conseguia despertar isso.
Você consegue ligar certas inspirações a determinados discos que você gravou?
Existem tantas pessoas inspiradoras, artistas e filósofos. Eu me inspiro em pessoas dão a cara a tapa, como Martin Luther King, Al Gore e Ghandi. Eu tenho heróis mais sombrios como Frida Kahlo, Martha Graham e Eleanor Roosevelt. Para o [disco] American Life, diria que Michael Moore e Che Guevara [foram inspiração]. Eu sempre me inspirei em pessoas que não têm medo de expressar sua opinião, e falam sobre sexo, política e provocação e sobre o que é certo e o que é errado, o que é correto e o que não é correto no comportamento de um homem ou de uma mulher, jogando com esses limites. É óbvio para mim que se eu tivesse nascido homem e feito muitas das coisas que fiz, ninguém teria prestado muita atenção. Essa realidade não me escapou.
Algumas de suas melhores músicas - "Live to Tell", "Like a Prayer", "Cherish" - são colaborações com o compositor/produtor Patrick Leonard. Por que esta relação foi tão bem-sucedida?
Nós dois somos do centro-oeste [dos Estados Unidos] e, no fundo, nós dois somos nerds. Ele é melancólico, e é um músico com formação clássica com um incrível senso de melodia. Nós nos demos bem desde o início. Sempre saímos com algo interessante. Nós normalmente não escrevemos músicas frívolas, apesar de já termos feito isso também. Há algo mágico na nossa escrita.
Do ponto de vista da letras, quais são seus versos favoritos, escritos por você ao longo dos anos?
Eu gosto das palavras de músicas que não foram muito populares. "Miles Away" e "Devil Wouldn't Recognize You". Elas são mais pessoais e menos acessíveis. Eu amo a letra de "Like it or Not". [Canta] "Eu serei o jardim, você será a cobra, toda minha fruta é sua, melhor o diabo que você conhece, seu amor com certeza irá crescer." E eu amo "Paradise (Not For Me)". [Canta] "Eu não consigo me lembrar de quando era jovem, eu não consigo explicar se foi errado."
O quão importantes para você são os hits?
Bem... São importantes, não vou mentir. Eu quero que minha música seja acessível e alcance pessoas ao redor de todo o mundo.
Quem te anima na música?
Eu ouço música o tempo todo. Eu tenho um monte de amigos que são DJs, eu pego coisas dos caçadores de talentos das gravadoras, dos meus empresários. Ou vou a um clube noturno ou ouço rádio. Pessoas sempre trazem músicas aos ensaios, e eu olho o iTunes toda terça. Um dos meus motoristas em Nova York é DJ, e outro tem um gosto musical incrível. Eles estão sempre mostrando coisas para mim. Eu não vivo minha vida em uma bolha.
A sua filha mais velha, Lourdes, te mostra músicas novas?
Ela me mostrou o Ting Tings. Tem uma banda que ela ama que se chama Disco Bitch. Ela gosta de My Chemical Romance, e já passou da fase Jonas Brothers. Ela ama Lady Gaga, Ciara, Rihanna, T.I. e Justin. Ela vive com o iPod nos ouvidos.
Ela te critica?
Oh, sim. Meus shows, minha música, definitivamente. Ela é brutalmente honesta, não apenas comigo, mas com todo mundo, sobre como você está se vestindo, com quem você está saindo, a música que você ouve, toda escolha que você faz. Ela veste o mesmo número que eu agora, então ela rouba minhas roupas, meus sapatos, ela está constantemente nos meus closets. E ela está trabalhando nos shows. Agora, nos sentimos mais como amigas, e brigamos. Um relacionamento normal entre mãe e filha, passando pela puberdade.
É incomum para você ser confrontada com opiniões tão honestas? Eu acredito que um monte de gente pisa em ovos na sua presença.
Eu acho que sou bem boa em saber quem está puxando meu saco. Eu gostaria de pensar que tenho amigos que me contam a verdade, e pessoas com quem trabalho que me dizem coisas que eu não quero ouvir. Eu tenho essas pessoas na minha vida, e me sinto sortuda por tê-las.
Qual o papel de Louders na sua turnê?
Ela veste os dançarinos no backstage. Ela gosta muito de cabelo e maquiagem, então experimenta muito. Ela tem muito talento. Com certeza ela conseguiria desenhar sua própria linha de roupas, ela tem um ótimo estilo. Todo mundo pergunta para ela o que ela acha da roupa que estão usando. A ela, não a mim.
O que você considera bens imateriais?
Eu tenho toneladas de cadernos em que escrevi e desenhei ao longo das décadas. As outras coisas são mais "de mãe": o primeiro par de sapatos que minha filha usou, o primeiro tufo de cabelo dela.
É um sentimento amargo se separar da [gravadora] Warner depois de ter passado sua carreira inteira lá?
Eu não sei. O negócio da música como o conhecíamos já não existe mais. A forma como as pessoas fazem, divulgam e vendem música é tão diferente agora. É apenas uma evolução natural. Em vários pontos, é melhor, porque os jovens têm agora a chance de se lançar sem intermediários e toda aquela bobagem administrativa e da burocracia com a qual você tem de lidar. Por outro lado, não há ninguém acompanhando esses jovens. Eu não sei qual é a solução. Parece que é hora de seguir em frente. E para mim tudo bem.
No Hall da Fama do Rock'n'Roll, você resumiu seu discurso dizendo "Tudo se resume à música". Você pensa sobre o seu legado, ou como você será lembrada daqui a cem anos?
Não necessariamente. Mas quando faço meus shows e vejo o quanto a música transporta as pessoas, algo que me dou conta ainda mais quando vejo gente chorando, ou extática, é como a música afeta as pessoas, e o poder que ela tem, acima de qualquer outra forma de arte. Eu me emociono tanto com músicas de outras pessoas - eu sou um ser humano como todo mundo. Nós precisamos todos dividir essa conexão, então eu sou privilegiada e abençoada por ser um canal para a música. No final do dia, será que eles estarão pensando sobre como eu me vesti no VMA ou que eu estava nua nos jornais, ou ele irão lembrar de "Live to Tell"? Eu acho que no final do dia, as pessoas lembrarão da autenticidade. Elas lembrarão do que é verdadeiro. Elas lembrarão do que veio do coração.