O livro Marcados, de Claudia Andujar, registra toda a expressividade dos rostos da tribo ianomâmi
Tudo na vida de Claudia Andujar é fora do comum. Nascida na Suíça em 1931, a garota europeia de ascendência judaica mais tarde virou sinônimo das causas indígenas brasileiras. Mudou-se para a Hungria ainda criança e viu o pai e outros familiares morrerem no campo de concentração de Auschwitz. Fugiu com a mãe para os Estados Unidos e em Nova York envolveu-se com artes. Na metade dos anos 50, veio para o Brasil e aqui ficou. Claudia deixou de lado a pintura abstrata e dedicou-se à fotografia. O trabalho fotojornalístico que realizou para revistas nacionais e estrangeiras a colocou de frente com diversas facetas do Brasil, nem sempre boas. Depois de estabelecer amizade com o antropólogo Darcy Ribeiro, ela fotografou uma aldeia da etnia carajá, no rio Xingu, em 1958. Seu trabalho junto a tribos indígenas a aproximou dos ianomâmis, que habitam o estado de Roraima. Ela se envolveu a fundo nas questões indígenas e morou um tempo com os índios, antes de retornar ao sul. Também tornou-se coordenadora da Comissão pela Criação do Parque Ianomâmi. No começo dos anos 80, voltou à floresta com os médicos Rubens Brando e Francisco Pascalichio, da Comissão pela criação do Parque Ianomâmi e fotografou os índios da tribo para registros de vacinação. Os ianomâmis estavam sucumbindo e necessitavam muito de auxílio médico. No começo dos anos 70, o território dos ianomâmis foi invadido e várias estradas abertas na região. O local ficou infestado por garimpeiros. Os índios não resistiram bem ao contato humano. Como a tribo não dava nomes às pessoas, cada indivíduo teve que segurar um número para sua identificação, como nos passaportes ou nas fichas criminais da polícia. Assim, uma nova identidade era criada para crianças, adolescentes, adultos e velhos ianomâmis.
Em Marcados (Editora Cosac Naify) estão reunidos esses retratos extraordinários feitos de 1981 a 83. É impossível ficar indiferente à expressividade dos nativos. Inquietude, impaciência e curiosidade estampam os rostos de cada um. À primeira vista, o retrato dos índios ostentando as plaquinhas com o número pode parecer um pouco chocante. Afinal, esse foi um método clássico usado para os dominadores e conquistadores marcarem os povos subjugados. Mas no caso dramático dos ianomâmis isso foi necessário para salvar a vida deles. Como a fotógrafa mesmo definiu, "eles estavam sendo marcados para viver, não para morrer".