Eterno parceiro da nata da MPB, Marcelo Jeneci grava voo solo enquanto saboreia o sucesso
Quando tinha 8 anos, Marcelo Jeneci tocava todo ano na festa do sorvete na creche em que sua mãe trabalhava, ali na Cohab Juscelino, sub-bairro de Guaianases (SP). Com um tecladinho, subia no palco e fazia um número - geralmente "Linha do Horizonte", do Azymuth, algum hit de Alceu Valença ou Jean Michel Jarre. Era natural: seu pai, autodidata em eletrônica, consertava eletrodomésticos, sanfonas e teclados que ficavam pela casa, e o pequeno Jeneci já adorava ficar solando enquanto o pai tocava canções de Roberto Carlos no violão.
Ali, Jeneci já mostrava os dois lados da transição por que passaria 15 anos depois: de instrumentista com um monte de gente legal para artista com A maiúsculo, intérprete de canções em parceria com um monte de gente legal. Na última década, foi somando convites para chegar junto com seu piano ou sanfona: Chico César, Vanessa da Mata, Arnaldo Antunes, Zélia Duncan. "Foi quando comecei a conhecer mais da música brasileira, na convivência com músicos legais", lembra.
Enquanto tocava, gravava, viajava, Jeneci foi entendendo mais música, aprendendo a perder preconceitos, se interessando pelo universo pop. E um dia conheceu a jovem Laura Lavieri, então com 14, 15 anos, quando preparava um show em homenagem a Chet Baker com Rodrigo Rodrigues, o pai dela. Rodrigues morreu pouco depois, mas Jeneci fortaleceu os laços com Laura até ver o diamante lapidado que era sua voz. Passo determinante para encontrar a sua própria, ao se ver compondo e imaginando as canções na interpretação de Laura: "Onde eu me esforçava pra sem palavras tocar as coisas que eu pensava, de repente encontrei alguém cantando desse jeito, como se fosse meu alvo".
Com um punhado de músicas com os melhores parceiros e a doçura da voz cristalina e afinada de Laura, faltava só uma banda. Entraram Curumin na bateria, Régis Damasceno no baixo, Gustavo Ruiz na guitarra. E, de 2007 para cá, fez shows sem parar, ganhando intimidade com as canções e se espalhando por YouTube, MySpace e afins. Isso enquanto tocava e gravava com os nomes mais interessantes da nova cena paulista, Cidadão Instigado, Andreia Dias, Bruno Morais. E enquanto acumulava hits nas vozes dos coautores Zélia Duncan, Arnaldo Antunes, Vanessa da Mata - dela, "Amado", hit da novela A Favorita.
Aliás, depois de sucesso na novela, parcerias, reconhecimento como músico e compositor, pelo que mais nutrir expectativa? "Sucesso é o que acontece, não o que acontece antes de acontecer", ele diz. "Me identifico com essa coisa do compositor dos anos 60 e 70, como o Erasmo, que teve as primeiras músicas gravadas por outros artistas. Gosto desse tipo de sucesso do cara que vê o negócio indo, mas não é famoso."
Chega janeiro de 2010, hora de ir: Jeneci está pronto para entrar em estúdio. Com produção de Kassin e patrocínio do projeto Natura Musical, Feito pra Acabar será o disco - registrado com o capricho de quem burilou cada canção nos palcos e tem cacife para levar ao estúdio antigos microfones, gravadores de rolo e arranjos de orquestra. Alternando acordeão e piano, violão e guitarra, ele cruza referências brasileiras com um senso de pop perfeito à Beatles e Beach Boys, que, somado a um "hippismo" saudável e excesso de beleza, dá uma cor especial à sua música.
Mesmo que Jeneci não mire o sucesso (ou que entenda sua relatividade), o sucesso parece mirar Jeneci. Com sua tranquilidade, contemporiza: "Se tivesse planejado, acho que teria feito assim como fiz. É tão bom não pensar e ver as coisas acontecendo que fico não me preparando pra nada - gosto de deixar nem o sucesso nem o fracasso subir à cabeça." No fim, Jeneci só quer ver sua música chegando ao pessoal do seu bairro - só que, agora, seu bairro é o mundo.