A Terra é tão pequena para Alessandra Ambrósio, a mulher mais sexy do mundo, que agora ela tem uma meta: chegar à Lua
Quando Alessandra surgiu no saguão do hotel, bronzeadíssima, recém-desperta, deslocando seu complexo instrumento de trabalho com passos displicentes, calçando chinelos brancos e tomando um Toddynho, minha primeira impressão foi de que ela não era tão alta. Tem 1,76 m, embora nas fotos pareça medir 10 centímetros a mais - uma magia que combina as proporções de seu corpo com saltos gigantes, poses e macetes de câmera.
A segunda foi seu sotaque. Apesar de nascida e criada em Erechim, no noroeste do Rio Grande do Sul, a 360 quilômetros de Porto Alegre, e de ser gremista e fã de churrasco (seus olhos brilham ao citar sua preferência, costelinha de porco com salada de batatas), Ale tem nítido sotaque catarinense. Ela não concorda.
- Sotaque catarinense, eu? - foi sua reação. A proximidade da fronteira é uma hipótese, mas a explicação mais provável é sua atração pelas belas praias de Florianópolis. Ela tinha acabado de passar uma semana na ilha, o que explicava o bronzeado. Vai para lá sempre que pode para descansar e surfar. O surfe, aliás, é uma de suas paixões. Subiu numa prancha pela primeira vez em Los Angeles e jura que ficou em pé na segunda tentativa. Também pratica mergulho. "Já mergulhou?", me pergunta. "Precisa fazer isso um dia. Existem montanhas no fundo do mar, é outro mundo."
Conversei com Alessandra no estúdio, mas por que não imaginar, em um exercício semificcional, que estávamos em seu lugar favorito no mundo? Então faz de conta que viajamos para Bali, na Indonésia, mais especificamente numa praia chamada Kuta, no litoral sul da ilha. O mar está liso e o sol começa a escorregar. Digamos que ela está lá de férias e acaba de sair do mar, ainda respingando água salgada depois de pegar umas ondas.
- Vamos caminhar? - ela propõe, deixando a prancha sobre a areia. A simetria perfeita de seu rosto seria perturbadora em outras mulheres, mas nela, por algum motivo, funciona. Seus traços são finos, mas não delicados. A mão que a desenhou riscava rápido. Sem errar. É uma dessas mulheres que levam escritores a cometer crimes de estilo, comparando lábios a frutas ou usando adjetivos como "transcendente".
- Para onde?
- Até aquelas pedras. É o segundo melhor lugar para ver o sol se pôr aqui.
- Qual o melhor?
- De dentro do mar.
- Você fala do oceano como um lugar do qual tem saudade.
Andamos um pouco em silêncio. Hoje, aos 26 anos, Alessandra é uma das cinco modelos que mais faturam no mundo, de acordo com a revista Forbes. Sua posição na lista deve subir agora que passou a aparecer como modelo principal da marca de lingerie Victoria's Secret, posto que já pertenceu a Gisele Bündchen.
- Você viaja o tempo todo. Não se sente meio à deriva, sem lugar fixo?
- Não é bem assim. Tenho meus lugares. Erechim, Florianópolis, Nova York, onde moro com minha irmã e tenho muitos amigos. Faço isso sem perder meus vínculos. Desde pequena, sonhava em conhecer o mundo. Sabia que uma cidade do interior não era lugar para mim. Era aficionada pela Lua. Sou até hoje. Pensava em ser astronauta, sentia um desejo íntimo de ir para longe. Aos 13 anos, já dirigia, dava carona pros amigos. Usava roupas chamativas, mostrando as pernas e a barriga. Meus colegas diziam que eu tinha algo de Xuxa. Foi meu apelido por um tempo - ri.
Aos 14, Alessandra começou a fazer os primeiros trabalhos como modelo. Foi a Porto Alegre concorrer no Elite Model Look e passou para a final. Em São Paulo, acabou desclassificada, segundo ela, por causa da altura. "Eu era a mais baixa, e acho que me cortaram logo por isso." Não demorou muito, porém, para fazer uma capa da Elle. Foi para São Paulo, Nova York, Paris, Tóquio. Enriqueceu emprestando sua imagem a inúmeras marcas e produtos.
- A exposição constante do corpo nunca te trouxe desconforto? Deve haver um conflito entre a imagem estampada em anúncios e vídeos e a percepção que você tem de si mesma. Você nunca pensa "Meu Deus, todo mundo deve achar que sou aquilo ali, mas sou outra pessoa"?
- Não, nada disso. É natural para mim. Ao posar, estou sempre sendo eu mesma. Me vejo nas minhas fotos...
- Mas o que os outros vêem?
- Olha, eu sei que tem gente tentada a tratar uma modelo como um objeto. Mas eu me cerco de pessoas que não cometem esse erro. É simples.
- E tem alguma coisa faltando na sua carreira?
- Não me falta nada.
- Não cansou do que faz? Não encheu o saco de lidar com seu meio?
- Minha profissão é uma maravilha. Quando a equipe é legal, o trabalho é prazeroso. E faz tempo que eu só trabalho com gente legal. Adoro ser modelo.
Eu a vi trabalhando. Seu gosto pelo que faz é evidente. A cada segundo, uma nova pose e um flash. É muito rápido. O iPod toca Red Hot Chilli Peppers, Faith no More, Led Zeppelin, e Alessandra dança sempre que a câmera lhe dá folga. Começa a tocar "Rain Song" e ela sussurra: "Adoro esta música". De acordo com o fotógrafo, J.R. Duran, ela é "o Schumacher na Ferrari". Poucos cliques são desperdiçados. Quase todos parecem definitivos.
À nossa esquerda, palmeiras. À direita, o Oceano Índico.
- Li no seu site que um dos teus filmes favoritos é Kama Sutra. Pode me dizer por quê?
- Ah, já me sacanearam com essa pergunta, uma vez, na televisão.
- Como?
- O cara citou o filme e perguntou qual era minha posição favorita do livro. Mas o filme não tem nada a ver com isso. Gosto por causa da mensagem e das imagens, que são lindas.
- Mas o que tu respondeu?
- Respondi que ainda não sabia, porque não tinha terminado de ler o livro.
Alessandra parece imune aos possíveis contratempos de uma vida de supermodelo. Cansaço, falta de tempo. Inveja. Homens tratando-a como troféu. É fácil imaginar noites solitárias em hotéis, choro no meio da madrugada, medo avassalador de envelhecer, perda de vínculos. Nada disso parece tê-la atingido. Aproveita tudo sem se deslumbrar. Quem conhece um pouco desse universo sabe que nem sempre é assim. Pergunto se não enfrentou dificuldades nem no começo. Muitas modelos iniciantes vivem em condições precárias, acabam devendo dinheiro à agência, ficam expostas aos aspectos mais nefastos da vida noturna. A opinião de Alessandra a esse respeito é firme:
- Acho que muitas começam cedo demais. Não se pode enfrentar essa profissão sem uma boa base familiar e um mínimo de experiência de mundo. Uma menina de 13 ou 14 anos com uma família problemática não pode ser jogada no mercado. Eu, a Ana Beatriz Barros e outras modelos amigas minhas somos pessoas educadas. Isso é dez por cento. Boas modelos são inteligentes.
- E os paparazzi? Não correm atrás de ti?
- Não. É muito raro. Me exponho um pouco quando vou a festas e shows, por exemplo, mas também não vou deixar de viver minha vida por medo de ser fotografada aos beijos com um namorado, por exemplo. Faz parte.
- E os homens? Você é dessas mulheres que precisam viver sempre apaixonadas?
- Haha. Sou dessas, sim. Emendo um namorado no outro. Fico solteira, vou numa festa, conheço alguém legal e pá, namorado novo.
- E o que espera dos homens?
- Paciência. Sou muito impulsiva e espontânea. Tem que ser paciente e calmo. E saber se adaptar. As viagens são minha oportunidade de convivência. Uma relação é como alongamento, tem que ficar trabalhando, não pode esfriar. Mas alguém tem que ceder. Agora meu namorado se adapta a minha vida, viaja comigo, mas no futuro vai ser diferente, vou poder me adaptar à dele.
Chegamos às pedras. há um banco a poucos metros da rebentação. A luz do poente derrama-se no oceano como champanhe, teimando em diluir-se, mas falta um pouco para o Sol tocar o horizonte. A extensa faixa de areia branca delimitada por palmeiras está tomada de minúsculas silhuetas que arrastam sombras alongadas.
A presença de Alessandra exala felicidade. Algo dessa serenidade parece vir da consciência de que seu tipo de carreira dura pouco. Daqui a alguns anos, ela vai parar. Poderá então dedicar-se a tudo que não tem tempo de realizar por ora. Não pensa em ser atriz nem em fazer faculdade, como planejam muitas modelos. Fez uma ponta no mais recente filme de James Bond, Cassino Royale (2006). Nenhum homem esquece da tenista que dá uma encarada em Daniel Craig. Mas o contato com o cinema não fez sua cabeça.
- Cheguei a cogitar seguir carreira de atriz, mas iriam acabar me dando só um tipo de papel, que não me interessa, sabe?
Quando abandonar a carreira, quer casar, ter filhos e morar sossegada na praia. A maior parte dos mortais passa a vida tentando combinar a dura realidade do sustento com lazer, descanso, família e objetivos mais prosaicos. Mas por que bater cabeça na parede tentando conciliar esse tipo de coisa com a rotina inclemente de supermodelo se com cerca de 30 anos Alessandra se aposentará, rica, ainda bela, com a maior parte da vida pela frente? Ela assimilou isso. Não tem pressa. "Me dedico a viver o momento", diz, referindo-se ao livro de auto-ajuda que está lendo agora, The Way of Peaceful Warrior, de Dan Millman. É um lugar-comum, sim, e muita gente o profere da boca para fora. Alessandra dá mesmo a impressão de vivê-lo plenamente.
- Você já deve ter visto o sol se pôr em quase todas as regiões do planeta. Como é ter conhecido quase todo o globo aos 26 anos? Você acha o mundo um lugar belo? Inexplicável? Problemático?
Ela pensa um pouco e responde olhando nos meus olhos.
- O mundo é pequeno.
- Como assim?
- Viajei por tudo. Em 24 horas, se está em qualquer ponto do planeta. Minha massagista é aqui de Bali. Entende? É pequeno demais.
Esse é o primeiro momento de nossa conversa em que noto um traço qualquer de melancolia em suas palavras. Então percebo que ela vinha deixando pistas sobre um de seus anseios. Suas freqüentes referências à Lua, ao pôr-do-sol, ao oceano e as suas montanhas submersas têm em comum o fato de que são lugares inatingíveis. A guria de Erechim queria conhecer o mundo e de fato o conheceu. Rápido. Para uma mulher assim, o planeta está à disposição. Para onde agora?
- Tu disse que sempre foi fascinada pela Lua. Talvez esse fascínio persista porque num mundo assim tão pequeno, já conhecido, ela é um lugar ainda inacessível - arrisco.
- Inacessível? Não, eles já têm na Nasa uma nave que leva as pessoas para passear na órbita.
- Sim, mas...
- Eu pretendo ir ano que vem.
- Sério?
- Sim. Viajar até a órbita. Ver a Terra lá de cima.
- Mas isso já está disponível?
- Claro. Ano que vem.
Olhando para o crepúsculo fictício de Bali, penso que não é mesmo impossível que Alessandra chegue à Lua. Depois, ainda há o Sol.