Dee Snider, líder do Twisted Sister, fala sobre outras facetas da carreira e da luta pela liberdade de expressão
Em abril, o Twisted Sister retorna ao Brasil. Nesta terceira passagem pelo país, o quinteto será a principal atração do Festival Live ‘N’ Louder, em São Paulo (no dia 14). À frente do grupo de Long Island (Nova York) está o vocalista Dee Snider, 58 anos, ainda hoje um dos rostos mais reconhecíveis do metal dos anos 80. Mas Snider não é celebrado apenas pelo papel à frente da banda responsável por hits como “We’re Not Gonna Take It”, “S.M.F.” e “I Wanna Rock”. Em 1985, ele tornou-se o rosto público contra a censura nos Estados Unidos, quando deu um depoimento corajoso no Senado norte-americano: Snider foi um dos convocados pelo Parents Music Resource Center (PMRC), comitê focado em controlar com mão de ferro o acesso à música que supostamente incitasse à violência ou fosse sexualmente sugestiva. A atuação incisiva de Snider evitou que medidas mais drásticas fossem tomadas (veja box).
O Twisted Sister se separou em 1987 e retornou às atividades em 2001. Atualmente, a banda é penas uma das ocupações de Snider. Ele também atua como ator, apresentador de rádio, roteirista, narrador e dublador – a voz dele já apareceu em comerciais, desenhos animados e videogames. Na conversa a seguir, o vocalista relembra a fase mais combativa de sua carreira e opina sobre a censura e o estado atual do rock.
No ano passado, o Twisted Sister comemorou 30 anos de existência. Como é estar em atividade por tanto tempo?
Ah, o segredo da nossa longevidade? Ficar separados uns 15 anos! É sério, acho que toda banda precisa de um tempo longe. Nós retornamos há pouco mais de dez anos, sem cobranças. Quando você fica mais velho, tem sua própria família, suas coisas. Isso precisa ser respeitado. Ninguém precisa ficar o tempo inteiro grudado um no outro. Também estipulamos que faríamos no máximo cerca de 20 shows por ano, sem turnês exaustivas. Hoje, o Twisted Sister é um hobby levado a sério.
A banda voltou, mas nunca mais lançou material inédito.
O retorno, como falei, foi por mera diversão. Do público e nossa, também. Nada me irrita mais do que quando vou a um show de uma banda veterana e eles anunciam: “Agora, vamos tocar uma do disco novo”. Sério, quem presta atenção? Nessa hora, eu pergunto: você vai ao banheiro ou sai para comprar cerveja? Então, nossa ideia é concentrar nos clássicos e dar o máximo no palco, sem dispersão. Não há como uma banda antiga lançar nada novo que se compare aos tempos de glória. E em termos financeiros não existe mercado para discos novos.
O Twisted Sister ficou marcado pela maquiagem, mas de anos para cá a banda já não usa mais esse recurso. O que aconteceu?
Eu gosto de maquiagem e roupas estranhas. Com ela, você vira um personagem e entra em outro mundo. Mas aconteceu assim: estávamos escalados para um grande festival na Holanda, com Whitesnake, Kiss, Motörhead, todo mundo. Mas nosso voo atrasou terrivelmente e chegamos em cima da hora. Se ainda fôssemos nos maquiar, daríamos uma canseira no público. Tocamos sem nada na cara, somente de jeans. Foi incrível! Modéstia à parte, acabamos com as outras bandas. E não foi só opinião nossa, recebemos algumas das melhores críticas de nossa carreira. Na primeira vez em que tocamos no Brasil, viemos com a maquiagem. Agora não precisamos usar nada, já somos muito assustadores ao natural!
Você ocasionalmente grava material solo, como o exótico Dee Does Broadway (2012). Como foi essa incursão ao mundo do teatro musical?
Eu trabalhei na peça Rock of Ages na Broadway e comecei a me conectar novamente com esse tipo de canção. Quando tive a ideia de fazer o disco, algumas pessoas me falaram: “Mas quem vai comprar isso?” Eu não me importo, o que me motiva são desafios. Já participei de projetos cantando músicas de Natal e do Frank Sinatra ao estilo metal. E no álbum da Broadway, foi mesmo um desafio. Imagine cantar com gente como Cyndi Lauper, Patti Lupone e Bebe Neuwirth. Eu trouxe o poder do metal para um estilo que as pessoas não associam a ele. Mas é só o começo: já recebi a proposta para criar um espetáculo totalmente novo para a Broadway.
Você tem acompanhado a cena do metal dos Estados Unidos?
Sim, eu ouço algumas novidades. Meu filhos mais novos me apresentam. Mas é claro que muita coisa mudou desde a época em que o Twisted Sister fez sucesso. Os músicos da minha geração pensavam em três coisas: ter sucesso, ganhar o máximo de dinheiro e fazer música. Com o tempo, muita gente só pensava nas duas primeiras coisas. Muito se perdeu. Mas eu vejo hoje que a garotada tem outra postura. Muitas bandas não querem ganhar dinheiro. Querem apenas tocar. Vejo muita raiva no som deles e isso é bom. Resgatam aquela atitude “fuck you” que a gente tinha no começo.
Você tem dois livros creditados a seu nome – Teenage Survival Guide (1987) e a autobiografia Shut Up and Give Me the Mic (2012). Como foi escrevê-los?
No primeiro livro, eu tinha um ghost writer. Eu relatava para ele meus “conselhos” para os jovens. O livro se esgotou e vale uma grana; seria divertido se relançassem. Mas não era uma biografia. Eu recebi um convite para escrever a história de minha vida, mas impus uma condição: o livro teria de ser 100% escrito por mim. Os editores não acreditaram, falaram: “Ou você é cantor ou escritor”. Chegamos a um acordo. Eu mandei os três primeiros capítulos e eles acharam incrível, me pediram que eu seguisse em frente. Mas não é um relato típico da vida de um cara do rock and roll. Não tem nada de sexo louco, álcool ou drogas. Mas eu descrevo todos os problemas que tive, que não foram poucos. Na década de 90, literalmente perdi tudo que tinha. Não é vergonha falar publicamente de todas as cagadas que você fez na vida. Vergonha é fazer as cagadas e ficar sentado culpando os outros, sem fazer nada para recomeçar do zero.
Uma vez você comentou sobre os anos 80: “Eu era um cara sóbrio, um observador em uma década de decadência...”
Sim, eu era um alien. Eu já era casado, tinha meus códigos morais e pensava: ‘O que esses caras estão fazendo?’ Nunca vi nenhuma graça em ver alguém enterrado com a cara no vômito ou morto de overdose. Não quero ser moralista, mas é nojento e triste. Não existe glória ou glamour em destruir o próprio corpo.
Você tem um currículo imenso na área de locução e de vez em quando também ataca de ator. Como é esse outro lado artístico?
Ah, sou um cara que fala muito, então isso é a coisa mais fácil e natural para mim. E dá um bom dinheiro. Rádio é uma paixão, na verdade estou falando agora de um estúdio. Atuar também é legal, já me interessava desde a época dos clipes do Twisted Sister. Tenho vontade de fazer uma sequência para Mórbido Silêncio (1998), que estrelei e escrevi. E estou no elenco da série Holliston, em que faço uma paródia de mim mesmo, um roqueiro cuja cabeça e visual ainda estão na década de 80.
O seu depoimento no Senado é considerado um momento marcante na história do rock. Depois de todo esse tempo, como você vê sua participação nesse tipo de discussão?
Ao contrário de alguns contemporâneos, ainda defendo o que eu digo. Hoje, temos um monte de roqueiros direitistas republicanos. Eu mantenho aquilo e ainda vivo por estes princípios. A liberdade de expressão é o que alavanca o meu país. A primeira emenda é nossa base. Claro, não podemos cruzar certas linhas, o bom senso tem de prevalecer. Mas tentaram calar nossa boca. Eu fiz o que eu tinha de fazer. Agora, quase 30 anos depois, isso tudo é história, ensinam na escola. As pessoas me agradecem. Eu não coloquei terno e gravata, fui lá vestido com minhas roupas normais. Mostrei que um roqueiro não é um idiota sem opinião. Minha mensagem era: “Não me apontem o dedo. Não falem como eu sou ou do que devo gostar”. Como lição, também aprendi que não devemos julgar ninguém. Veja, estou com minha mulher há 37 anos, tenho quatro filhos e dois netos. O senador Al Gore e a mulher dele, Tipper, que estavam por trás do PMRC, se divorciaram. E o filho deles se envolveu com drogas...