Família de Michael Jackson terá de lidar com dívidas altas, herança indefinida e a guarda dos três filhos pequenos do astro
Por Paulo Terron, com reportagem de Fred Goodman, Steve Knopper e Chris Willman Publicado em 30/09/2009, às 17h18
"Homem de 50 anos - não está respirando". Foi assim, de forma completamente anônima, que começou o atendimento a Michael Jackson, às 12h21 do dia 25 de junho de 2009. Um raro momento no qual a maior estrela da música pop mundial passou incógnito. O texto veio da central de emergência de Luiz Angeles e foi despachado para os paramédicos dos bombeiros, que atenderam o cantor e o transportaram até o Ronald Reagan UCLA Medical Center, onde o cantor deu entrada às 13h14. Um time de especialistas, incluindo médicos da emergência e cardiologistas, tentou ressuscitar Jackson por mais de uma hora, sem sucesso. Ele foi declarado morto às 14h26. "Acredita-se que ele tenha sofrido uma parada cardíaca", explicou o irmão Jermaine - e ex-Jackson 5 - em um breve pronunciamento. "Mas a causa da morte só será conhecida quando os resultados da necropsia forem conhecidos." A dúvida da família, no caso, foi explicitada pelo advogado Brian Oxman, que já foi representante legal dos Jackson (o atual é Londell Mcmillan, e "ninguém mais pode falar em nome d a família", disse ele em um comunicado). "Eu avisei sobre o uso de drogas de distribuição limitada e a respeito de pessoas que permitiram acesso a esses remédios", disse à rede de T V norte-americana CBS. "Não sei o quanto ele tomou, não sei qual foi a situação dele nas últimas semanas. Nos últimos anos eu disse a integrantes da família Jackson que ele era medicado excessivamente."
Oxman ainda deu a entender que a rotina de exercícios pela qual Jackson passava - em preparação para os 50 shows da turnê This Is It, que começaria em julho, na Inglaterra - podem ter aumentado o consumo de substâncias que aliviassem as dores físicas. A última vez em que o músico se apresentou com regularidade foi na turnê History, entre 1996 e 1997. O artista estava acompanhado de seu médico particular, Conrad Robert Murray, no momento da parada cardíaca (ele teria demorado 30 minutos para chamar o socorro). A gravação telefônica do pedido de socorro dá a entender que os dois estavam sozinhos no momento do incidente, e que o profissional tentou aplicar procedimentos de primeiros-socorros, sem sucesso. Murray desapareceu após a divulgação da morte, mas reapareceu para conversar com a polícia e negou ter aplicado injeções no músico antes da morte dele. O médico era contratado - a pedido de Michael Jackson, com quem morava - da em presa que estava promovendo a s novas apresentações, a AEG Live. Em depoimento à polícia de Los Angeles, Murray contou que encontrou o intérprete de "Thriller" desmaiado na cama, ainda com pulso (apesar de fraco).
O site TMZ, o primeiro a noticiar tanto a internação de Jackson quanto a morte dele, afirma que o músico ensaiou - cantando e dançando - no Staples Center, em L os Angeles, na noite do dia 24. Dias antes ele gravou, no mesmo lugar, um vídeo que seria exibido durante os novos shows. Em fotografias da ocasião, Jackson aparece sorridente, dançando em cima de uma mesa. A alegria era justificada: as entradas para todas as 50 apresentações, que seriam realizadas na O2 Arena, em Londres, esgotaram-se em três dias. Estima-se que o lucro bruto dos mais de 750 mil ingressos seria de pelo menos US$ 70 milhões. E essa série de shows poderia se desdobrar em uma turnê mundial em 2010, com passagens por outros países da Europa e p elos Estados Unidos. No fim de maio, veio o primeiro sinal de que algo poderia estar errado - os quatro primeiros shows foram adiados. Segundo Randy Phillips, presidente e CEO da AEG L ive (a empresa responsável pela This Is It), o atraso seria devido ao perfeccionismo do astro (que fez, por exemplo, um casting de coral infantil com crianças que soubessem a linguagem dos sinais e que tivessem diversidade racial "exatamente igual"). Os ensaios foram coordenados por Kenny Ortega (da série de filmes High School Musical, e que já havia coreografado turnês de Jackson nos anos 90), que havia selecionado dançarinos - oito homens e duas mulheres, entre cerca de 700 inscritos para as vagas. No anúncio oficial das datas - feito em março - o Rei do Pop foi cuidadoso ao dizer que aqueles seriam os últimos shows dele na Grã-Bretanha, dando margem a boatos de que a turnê poderia passar por outras partes do mundo.
Mas nem todo mundo estava empolgado em lidar com o rei do pop. John Landis, diretor de "Thriller", declarou que o músico não havia repassado corretamente os direitos autorais relativos a esse clipe. Em maio, Raymone Bain, ex-porta-voz e administradora geral da empresa de Michael Jackson o acusou de não ter pagado milhões de dólares em salários. No mês seguinte, a empresa Allgood Entertainment entrou com uma ação na justiça, alegando que o cantor quebrou contrato em um show de reunião da família Jackson. Isso sem contar o acerto financeiro extrajudicial que encerrou a acusação de abuso sofrida pelo cantor em 1993 (e que diminuiu a fortuna dele em US$ 25 milhões) e a perda do rancho Neverland (que passou a ser da empresa Colony Capital, depois que as dívidas do imóvel chegaram a milhões).
Os problemas financeiros e legais de Michael Jackson foram tão intensos que a AEG Live teve de fazer um adiantamento de US$ 5 milhões, gastos com o acerto de uma dívida com o xeque Abdulla Bin Hamad Al Khalifa, filho do rei do Bahrein, que alega que o cantor não entregou diversos projetos que prometeu a ele, incluindo um disco e uma peça de teatro. Ainda assim, o CEO Phillips dizia acreditar nas intenções do artista - com quem ele fechou o acordo em novembro - em relação aos shows de Londres. "Foi uma longa reunião, mas ficou claro que ele queria mesmo recomeçar sua carreira", explica. Segundo Phillips, o evento estava segurado e agora a empresa aguarda o resultado da necropsia para poder dar entrada no processo.
O primeiro exame no corpo do artista, feito já no dia 26 de junho, não foi conclusivo. O exame toxicológico - que identificará se ele tinha consumido remédios e/ou drogas, e em qual quantidade - só deve ser concluído no fim de julho, sendo que um segundo exame foi pedido pela família e já realizado no dia seguinte. "Tenho muitas preocupações... Não gosto do que aconteceu", explicou Joe Jackson, pai da vítima, à CNN, antes de tentar aproveitar a oportunidade para divulgar a nova gravadora que ele fundou.
De certa forma, a morte de Michael Jackson atingiu o que ele procurava em 2009: foi o fator que o ajudou a recomeçar a vida artística. Logo depois do anúncio, as músicas e álbuns do cantor começaram a subir nas paradas de lojas virtuais norte-americanas e CDs, DVDs e livros simplesmente desapareceram das prateleiras. Na do iTunes, no dia seguinte à morte, sete dos 10 discos mais vendidos eram de Jackson - com The Essential Michael Jackson, Thriller e Off the Wall no topo. Já a Amazon chegou a ter 15 trabalhos do músico entre os 50 mais vendidos. O Google teve dificuldades para administrar a quantidade de buscas relacionadas a Jackson - e alguns sites de notícia chegaram a sair do ar nos momentos de pico de acessos. O site da Rolling Stone, no Brasil, teve o dobro de visitações no dia seguinte à morte. As lojas da Livraria Cultura de todo o país ficaram sem CDs do artista já na tarde da sexta (26), aguardando uma reposição de estoque por parte da Sony Music - que prometeu uma nova tiragem dos álbuns solo de Michael Jackson para a segunda quinzena de julho. O título mais procurado era a edição especial de 25 anos de Thriller. A Universal, detentora dos direitos da Motown, reeditou no Brasil os primeiros álbuns solo de Jackson: Ben, Got to Be There e Music & Me. Outras formas menos oficiais de comércio também aproveitaram o momento: no centro de São Paulo, camelôs tocavam faixas como "Beat It" e "Bad", tentando atrair compradores para CDs piratas e compilações não-oficiais do tipo "todas as músicas do astro em MP3".
Também já há grande expectativa quanto ao lançamento de material inédito: os músicos Akon e Will.i.am já disseram que participaram da produção de faixas inéditas do Rei do Pop, mas o primeiro fez questão de reforçar que eram apenas rascunhos de ideias. Nos Estados Unidos, a mobilização física dos fãs foi grande, e logo depois do anúncio da morte multidões se formaram em diversos pontos do país: em frente ao hospital para onde ele foi levado, na casa da família Jackson, no Apollo Theater em Nova York (onde o reverendo Al Sharpton fez um pronunciamento), no museu da gravadora Motown em Detroit e na casa de infância dele em Gary (Indiana). Em Los Angeles os admiradores se reuniram na estrela dedicada a Michael Jackson na Calçada da Fama - mas de um homônimo do intérprete de "Black or White", um radialista britânico. A homenagem verdadeira estava coberta devido a um evento relacionado à estreia do filme Brüno (que, coincidentemente, tem participação de LaToya, irmã mais velha de Michael). Alguns fãs, quando informados a respeito do equívoco, simplesmente se negavam a aceitar que estavam no local errado. "Disseram que a estrela verdadeira fica na frente do [Teatro] Chinês, mas vim até aqui para tirar uma foto para a minha família mesmo assim", conta Miakka Russell, moradora da Geórgia, que disputava espaço com as redes de TV para registrar imagens das velas e flores com seu telefone celular. "Acho que eu deveria ficar com a guarda do Bubbles. Eu seria boa com ele...", brincou, referindo-se ao macaco de estimação que Jackson deixou famoso nos anos 80. Perto dali, na loja de discos Amoeba, os fãs se movimentavam em hordas, naquele que é um dos últimos pontos de venda físicos de discos - mas ao chegar lá davam de cara com um aviso dizendo que todo o estoque havia acabado. O funcionário Chris Dealist comparou a invasão a um ataque de monstros. "A seção foi aniquilada. É como se o Godzilla tivesse passado por lá. Sabe quando uma formiga encontra comida e as outras todas atacam junto? Tudo acabou antes do fim da tarde: discos de 45 polegadas, pôsteres, DVDs, biografias não-autorizadas."
Em frente ao UCLA Medical Center, uma alma caridosa comprou uma caixa de luvas brancas baratas e as distribuiu aos fãs - só uma por pessoa, claro. Já um rapaz com maior tino comercial tentava vender camisetas com a frase "In Loving Memory" ("com amor à memória"), que ele mandou fazer às 16h daquele mesmo dia, por, segundo ele, US$ 5 mil. "Camisetas!", ele gritava, sem receber muita atenção, "Vinte dólares ou duas por trinta! O Rei do Pop nunca morrerá, baby!" O clima era mais festivo do que de lamentação - como se as pessoas ali estivessem esperando pelo começo de um show. Não havia muita justificativa para isso. "A hora de chorar acabou", disse Ochuwa Oghie, um jovem imigrante nigeriano que havia passado a tarde no telefone, confirmando a morte do astro para parentes africanos. "E nem é de verdade. Vou acordar amanhã e vai ser tipo 'relaxa, era um sonho'." A família Jackson, por outro lado, acorda com dois pesadelos à frente: resolver as situações financeira e judicial complicadíssimas deixadas por Michael e decidir o futuro dos três filhos dele, Michael Joseph Jackson Junior (apelidado de Prince, 12 anos), Paris Michael Katherine Jackson (11) e Prince Michael Jackson II (7). As duas crianças mais velhas são filhas de Deborah Rowe, a ex-enfermeira que se casou com o músico em 1996. Quando eles se divorciaram, três anos depois, a guarda dos filhos ficou com o pai. O menino mais novo, apelidado de Blanket, teria nascido de uma mãe de aluguel. Tablóides norte-americanos e britânicos especulam que Deborah pode entrar na justiça pedindo a guarda, já que isso garantiria a ela uma pensão vinda do espólio - e a própria já negou essa intenção, mas acrescentou, em entrevista ao News of the World , que as crianças não são filhas biológicas de Jackson e que esperma de um doador teria sido usado na inseminação artificial. Por enquanto a avó Katherine - que entrou com um pedido oficial e já ganhou a guarda provisória - está cuidando dos três e já disse que tem interesse em ficar com a guarda definitiva.
Outro foco de atenção é a porcentagem da Sony/ATV Music Publishing que pertencia ao astro. A empresa administra os direitos de mais de 200 músicas dos Beatles, Bob Dylan e até Lady Gaga e estaria avaliada em por volta de US$ 1 bilhão. O cantor comprou a ATV em 1985, por US$ 45,5 milhões e fez uma fusão com a Sony nos anos 90. Com esse acordo, ele manteve 50% de propriedade. O problema é que, segundo o New York Times, as dívidas que ele deixou podem chegar a US$ 500 milhões. John Branca, ex-advogado do cantor (e responsável pela compra da ATV), disse ter um testamento assinado por ele, mas a confusão legal pode durar anos.
Mesmo depois de morto, Michael Jackson continuou sendo Michael Jackson: tocou fãs, mobilizou a imprensa e foi o protagonista de uma sequência infinita de grandes polêmicas e mistérios insolúveis.