Por que o mundo ama Kim Kardashian? Um dia na vida real da celebridade que melhor resume os tempos modernos
Em uma manhã fria e cinzenta de maio, em Los Angeles, Kim Kardashian acorda às 6h da manhã e, uma hora depois, vai para sua “sala glam”. É como ela chama seu imenso provador, onde mesmo tão cedo um maquiador profissional e um cabeleireiro já estão a postos, esperando com centenas de pincéis, blushes e escovas. Ela relaxa na cadeira enquanto é aplicada camada sobre camada – ama a sensação de se maquiar, de estar em sintonia com o delineador – e ao mesmo tempo fica de olho no monitor de bebês caso North, sua filha de 2 anos com Kanye West, acorde. West também tem um monitor e o mantém por perto para ajudar com a criança se a esposa estiver indisposta. Às 9h, Kim está a caminho de uma reunião em Santa Monica. Odeia se atrasar.
Parece fútil? Sim, mas foi isso que Kim Kardashian transformou em ouro, passando de uma linda (mas comum) garota de Los Angeles para um dos principais ícones pop e megamarcas do mundo. Ela está em todo lugar na mídia: de Keeping Up with the Kardashians, o reality show no canal E! que já está na décima temporada (e é transmitido em 160 países), a um jogo para celulares com 33 milhões de downloads. Sem falar nas revistas de moda, que aceitaram, a princípio relutantemente, que a filha mais bonita, perfeita e pontual desse extraordinariamente poderoso clã matriarcal é uma força a ser reconhecida
Chegando à reunião, Kim, de 34 anos, senta-se elegantemente à mesa, dizendo: “Essa é minha equipe, que está montando nossa nova experiência de website – não sei se quero chamar de website, seria um desrespeito”. A Whalerock Industries desenvolve mídia online centrada em assinaturas. O portal tem transmissões da sala glam de Kim e chats em tempo real com fãs, com ela dando tutoriais sobre maquiagem e mostrando suas roupas preferidas. É um universo Kardashian construído digitalmente, sobre o resto do mundo real, que ela já fez se curvar à sua vontade. O narcisismo em si não é o negócio dela – mas sim o solipsismo, ou um modo de viver no qual o mundo fora de si não existe, materialmente. Essa é a chave aqui. No passado, ela explicou da seguinte maneira: sua vida é “como existir no Show de Truman”.
Agora, Kim olha para uma série de “Kim-ojis” enviada por um designer gráfico. “Quis fazer emojis realmente divertidos e diferentes que você não vê no telefone”, afirma, para então perguntar ao grupo: “Esse designer é aprovado pelo Kanye?”
Segurando uma caneta, ela avalia uma longa lista de possíveis emojis, riscando os que não aprova. “Uma sunga não significa nada para mim, o mesmo serve para os brincos de globo espelhado”, diz. Faz uma pausa nos emojis das outras Kardashian, levantando a caneta antes de riscar novamente: “Não quero minha família nisso”, afirma. “Todos vão querer um pedaço.” Ela continua: “Mas amo o modelador de cintura e o lábio da Kylie. Um biquíni de pele é bonitinho e o vestido rosa também. Ah, uma barriga de grávida. Não acredito que não pensei nisso”.
Kim Kardashian pode não aparentar ser intelectual, mas é extremamente sagaz e tem uma alta inteligência emocional, o que são coisas muito mais valiosas nos tempos atuais. A Kim da
TV e a da vida real são “basicamente iguais”, ela afirma, quando peço que defina a diferença. “Quando estou gravando, quando estou mais à vontade, na minha casa, com a minha família – não dá para ficar mais confortável do que isso... mas sou muito mais do que aquilo e acredito que sou muito mais inteligente do que me retratam.”
Quem poderia ter previsto que, em 2015, a família Kardashian seria a coisa mais interessante nos Estados Unidos? Às vezes parece que Kim Kardashian é capaz de hipnotizar toda uma nação. Ela é a fi lha de imigrante que se deu bem, a mais famosa armênia-americana do mundo. É uma pioneira inter-racial, uma mulher caucasiana casada com um rapper negro que amplia os limites da discussão sobre racismo não apenas na música, mas também exigindo uma entrada no clube da moda e do design, conhecido por ser predominantemente europeu.
É, ao mesmo tempo, uma musa sexual que acende a criatividade do marido e uma mãe que trabalha. É impressionantemente feminina em uma era de instabilidade de papéis sexuais e
de uma Miley Cyrus sem definição de gênero, além de ser enteada de Caitlyn (nascida Bruce) Jenner, a mulher transgênero mais famosa do mundo (no entanto, quando compartilho essas opiniões com Kim, ela diz: “Não olho para mim assim, mas acho que meu marido olharia”).
Kim também é extraordinariamente humana – você não quer ouvir sobre como ela se maquia? – e mestre no que o crítico Jerry Saltz chamou de “o novo incomum”, ou a arte que bagunça a fronteira entre humano e um robô fingindo ser humano.
O que mais a torna tão estranhamente atraente? Em um momento, começo dizendo a ela que acho que, em um país de famílias disfuncionais, o fato de que a dela consegue se comunicar também é impressionante, mas tudo o que consigo falar é “outro negócio que é atraente em você...”, antes que Kim me interrompa, dizendo: “Certo, acho ótimo o programa ser uma inspiração. Comecei em um apartamento pequeno e agora estou nesta casa imensa”. O fato de alguém não considerar a família Kardashian inspiradora simplesmente é algo que não passa pela cabeça de Kim. Ela não tem conflitos sobre seu objetivo da vida: é ser feliz e ganhar dinheiro, sendo que está fazendo ambos. E é uma boa pessoa – não há como passar um tempo com ela e não ir embora com essa impressão.
Hoje, em santa monica, não há seguidores no encalço de Kim Kardashian, nem os paparazzi. “Amo esses dias em que ninguém me segue”, afirma, entrando em uma SUV preta rumo ao almoço no restaurante Hillstone. Conversar com ela pode ser divertido – quando nos conhecemos, passamos 20 minutos falando sobre como não somos fãs de cachorros e de que tipo de cão não gostamos. “Não sou nem um pouco o tipo de garota que leva o cachorro na bolsa”, explica. Em outras vezes, porém, ela é como um político, respondendo às perguntas que quer ouvir e não às que foram feitas.
Em uma cabine de couro laranja nos fundos do restaurante, ela pede uma refeição de tamanho normal: alcachofra grelhada com molho remoulade, batata frita e hambúrguer vegetariano no prato. O peso dela é um assunto delicado; ela come metade do que é servido, com modos impecáveis à mesa. Por um tempo, Kim fala sobre sua infância – como passou a infância com o pai, Robert, um homem disciplinador, e a mãe, Kris, uma californiana que conheceu Robert em uma pista de corrida usando uma roupa estilosa e um colar com os dizeres “oh shit” (oh merda). Ela conta que Kris era como uma deusa-mãe que gostava de se divertir e fazia de tudo para proteger seus deuses-bebês: Khloe, uma Atena esquentada, com um arsenal de piadas; Kourtney, uma Héstia carrancuda e caseira; Rob, um Apolo alegre; e Kim, uma estável e doce Afrodite. A família de Robert Kardashian emigrou da Armênia
para a Califórnia no início do século 20 e correu atrás do sonho americano ganhando uma fortuna na indústria de carnes. Robert saiu dos negócios da família e atingiu o sucesso,
fundando a influente publicação da indústria musical Radio & Records e, depois, vendendo músicas e vídeos para que cinemas exibissem antes dos filmes.
“A música sempre foi uma parte imensa de nossa vida”, conta Kim. “Na infância, íamos a shows como os de Michael Jackson todo final de semana. O meu primeiro foi do Earth, Wind & Fire. Era tão novinha – estávamos andando até nossos lugares, as luzes apagaram e fiquei apavorada.” Ela descreve o empresário superastro Irving Azo como sendo “próximo como um tio”. Irving diz que a jovem Kim era “uma luz brilhante destinada para coisas grandes” e “sempre uma ótima executiva”. “Era treinador do time de futebol dela e, uma vez, ela me disse: ‘Não quero ser goleira, mas por US$ 100 posso ser’ e realmente me convenceu a dar o dinheiro.”
Ela namorou TJ Jackson, sobrinho de Michael Jackson, por vários anos. “Meu pai me explicou que tinha muitos amigos nessa situação e que uma relação inter-racial podia não ser fácil. Ele me disse para me preparar, porque as pessoas falariam coisas... Na adolescência, pegava revistas, via casais inter-raciais e pensava: ‘São tão lindos’. Sempre fui atraída por um certo visual.” Sobre a família Jackson, diz: “Era a família mais gentil que conheci... Michael definitivamente nunca foi essa pessoa horrorosa [que dizem].”
Quando ela tinha 10 anos, seus pais se divorciaram e logo a mãe dela se casou com Bruce Jenner. As crianças dividiam o tempo entre as casas dos pais, mas Kim estava morando com Robert quando O.J. Simpson foi acusado de assassinato, em 1994. O pai dela foi amigo e advogado do ex-jogador, e Simpson se mudou por pouco tempo para a casa deles, dormindo no quarto de Khloe. “Foi surreal, com Johnnie Cochran e Robert Shapiro e todos aqueles advogados fazendo reuniões na casa do meu pai”, conta. Kris era amiga de Nicole Brown Simpson e acreditava que O.J. era culpado, criando uma tensão enorme na família. “Defi nitivamente tomei o lado do meu pai”, relembra Kim. “Sempre o achamos a pessoa mais inteligente do mundo e ele realmente acreditava no amigo.” E no que ela acredita agora? “É esquisito. Tento não pensar nisso.”
Kim não bebe nem usa drogas, exceto “cinco doses de vodca em Las Vegas a cada três anos”, alega. Vendo um futuro como dona de butique, fez aulas na faculdade local, mas não se formou, e sua rebelião contra a família, se houve alguma, foi ter se casado secretamente com o produtor musical Damon Thomas aos 20 anos. “Ela era uma adolescente e adolescentes
fazem muitas loucuras”, pondera Kris Jenner. Kim explica da seguinte forma: “Eu estava muito feliz, aprendendo a cozinhar, limpar e cuidar da casa. Sabia que queria terminar assim”.
Em 2003, Robert Kardashian morreu repentinamente de câncer; o casamento de Kim acabou no ano seguinte. Logo, ela passou a andar com Paris Hilton e o grupo grupo
de “celebutantes”. “Íamos a qualquer lugar só para sermos vistas”, relembra de maneira franca. “Sabíamos exatamente aonde ir, onde ser vistas, como ter algo escrito sobre nós. Tudo o que tínhamos de fazer era ir a tal restaurante ou tal festa, falar sobre qualquer coisa, e apareceríamos nos jornais no dia seguinte.” E quanto à fase em que algumas integrantes da panelinha, mais notavelmente Lindsay Lohan e Paris Hilton, foram flagradas por fotógrafos saindo do carro sem calcinha? “Raramente uso lingerie, mas isso nunca me aconteceu. Nunca bebia... Acho que isso me salvou de muitas situações.”
Em 2007, ela ultrapassou Paris em termos de popularidade ao enfrentar um escândalo infame com uma fita em que aparecia fazendo sexo. Ouviu boatos em Los Angeles de que
o vídeo que havia gravado com o ex-namorado Ray J, irmão caçula da cantora Brandy estava passando de mão e mão, mas nunca achou “que [os rumores] eram verdade”. “Então,
estava em uma viagem para Nova York, aterrissei e alguém me ligou – minha irmã, talvez? Não tinha um Blackberry na época... acho que fui direto para a casa da minha mãe, ela ficou do meu lado o tempo inteiro. Ela não me ligou berrando nem chorando, simplesmente estava ali. Dizia: ‘Não sei o que você quer que eu faça’, e simplesmente passamos por isso.” Como Kim conseguiu manter a sanidade? “Houve um período em que só fiquei em casa. A Khloe dizia: ‘Nunca conheci alguém que voltou a morar com a mãe tantas vezes quanto você’.”
No almoço, enquanto ela termina de comer (dizendo “Tenho que tirar essa comida da minha frente”), faço a pergunta que ela precisa ouvir depois que Lena Dunham, uma feminista proeminente, posou, sem ironia, com uma cópia de Selfish, o livro de selfies lançado por Kim: “Você é feminista?”, disparo.
“Nunca fui muito fã de rótulos e não gosto de impor minhas opiniões”, ela responde, dobrando o guardanapo. “Se sinto algo, é como me sinto. Nunca digo: ‘Sinto isso, então você deve sentir também’. Não que haja algo de errado com isso, mas sou quem sou.” Sorri. “Acho que sim. Acho que posso ser chamada de feminista.” Kim não estudou extensamente o conhecimento que é oferecido nas escolas – atrai dinheiro e poder pela força da intuição. No reality Keeping Up..., Kim e as irmãs têm uma linguagem própria sobre questões mais complexas do que salas glam: elas não sabem as coisas, mas as sentem; não querem algo, merecem. Ao mesmo tempo que defenderam um produto para afinar a cintura,
muito semelhante a um corpete vitoriano, também exibem uma atitude com relação ao corpo que só pode ser chamada de revolucionária. Há muito tempo as mulheres pedem uma representação justa da vagina na mídia, para que ela não apenas seja objeto sexual mas também sangre, tenha cheiro e faça nascer bebês, e no programa a vagina das Kardashian faz tudo isso e mais, o que é muito diferente das outras da cultura pop.
E, se você duvida da influência delas, pense no que diz Kris: “Entre nós, temos 300 milhões de seguidores nas mídias sociais”. Eis como Kim descreve algumas de suas selfies:
“Faço fotos nua, e não quero dizer toda garota, mas todas as minhas amigas me mandam selfies sexy de si mesmas”, conta. “Coisas do tipo: ‘Ai, meu Deus, estou malhando há duas semanas – olha como estou em boa forma’. As meninas enviam isso umas às outras. Não quero dizer que seja normal, mas estou acostumada com isso... E acho que faz parte do fenômeno das selfies.” Então, não se trata da admiração masculina? “Acho que não”, diz, sem aparentar certeza. “Você não mandaria a foto se não gostasse dela.”
Em seguida, pergunto: “Quando você olha para fotos sexy suas, é sexualmente excitante?” Ela balança a cabeça firmemente em negação, mudando rapidamente de assunto. Então, digo: “Daqui a 20 anos, você quer ser lembrada como símbolo sexual, mulher de negócios ou o quê?” Kim responde: “As duas coisas. Acho que dá para ser ambas. Você pode ter tudo”.
Começamos a falar sobre Kanye. Ela é a musa dele ou ele é o consorte dela? “Acho que definitivamente somos opostos. Eu o acalmo e ele me estimula”, descreve. Quando estão em casa, ele fica falando e reclamando enquanto ela secretamente reza para que cale a boca? “Não”, diz, endurecendo um pouco. “Em casa, Kanye ama ver filmes. Assiste a
qualquer coisa em animação com a North.”
O que mais se deveria saber sobre Kim Kardashian? Ela é prolífica em enviar cartões de agradecimento escritos à mão e espectadora devota do Dateline e de programas forenses na TV. Não é alérgica a nada e normalmente não toma café, porque não gosta do sabor. Não come nada com mostarda – ou sardinhas, escargot, “nada assim. Kanye consegue ser mais gourmet”. Está aprendendo a tocar piano – é difícil? “Ahn, você precisa dedicar um tempo a isso.” Gosta de carros: “Carros não significam nada para o Kanye – ele não compra um novo há sete anos. Tenho uma relação pessoal com os meus. Amo, amo, amo um Rolls-Royce. Sei que isso pode parecer coisa de garota mimada, mas assumo: é o melhor se você tem fi lhos, em termos de espaço”.
Estamos de volta à suv, que começa a entrar no setor de carga de uma loja de móveis, onde Kim encontrará Kris e Kylie para filmar uma parte do reality familiar. Se o programa fosse
uma mentira completa, nunca funcionaria, mas também dá para imaginar que não seja completamente real. “Ah, bom, o painel de iluminação está aqui”, diz Kim, espiando um membro da equipe cujo trabalho exclusivo é segurar um painel especial para que a família pareça perfeita o tempo todo.
A história hoje é que Kylie precisa mobiliar a casa nova. Kim fica apenas 20 minutos e sai para ver a filha na mansão da família – North estava um pouco doente ontem e ela preparou mamadeiras especiais de chá com mel. Kanye está no estúdio de gravação caseiro e pergunta se ela passaria ali, já que não se viram muito no dia anterior. “Ele ama quando todos os rapazes estão lá e conversam sobre as coisas, eventos da cultura pop”, conta. “Eles têm essas sessões de reflexão em que todo mundo se senta e fala e fica junto, conversando sobre teorias e muitas coisas diferentes. Culturalmente, aprendi muita coisa.” Kim dormirá cedo e no dia seguinte fará tudo de novo – a maquiagem, os tuítes, a filmagem, tudo que compõe sua vida pessoal e profissional, seu eu digital e humano, o falso e o verdadeiro, irreal e real, tão entrelaçados e uniformes. Nós ainda não estamos
cansados de assistir.