Desde o início, o guia de discos da Rolling Stone foi o lar de um crucial diálogo sobre o rock and roll. A seção ajudou a lançar carreiras – de críticos e dos artistas que eles apadrinhavam
Em uma noite do segundo trimestre de 2001, Jann S. Wenner visitou Bob Dylan em um camarim. Os dois se conhecem desde o fim da década de 1960, mas, mesmo assim, o cumprimento de Dylan foi um tanto íntimo demais – ele começou a revistar Wenner, em busca de alguma coisa na jaqueta dele. “‘O que você está fazendo, Bob?’, perguntei”, recorda o fundador da Rolling Stone. “Ele disse: ‘Estou procurando aquela estrela extra. Em qual bolso você guardou?’”
A resenha publicada na Rolling Stone deu quatro estrelas (de cinco) ao disco Time Out of Mind, lançado por Dylan em 1997. O álbum que o bardo lançou mais tarde naquele ano de 2001, Love and Theft, ganhou cinco estrelas – e até mesmo Dylan deve ter concordado com as diferentes pontuações, já que depois de Time Out of Mind ele passou a produzir os próprios álbuns a fim de alcançar com mais exatidão o som que buscava. Mas mais do que isso, o fato de um dos maiores compositores do mundo brincar com o editor e publisher da Rolling Stone sobre a revista “segurar” uma estrela era um sinal de que a seção estava cumprindo o papel que Wenner esperava. Ele entendia as resenhas da Rolling Stone como “parte de um ciclo de feedback – aquele grande círculo que faz parte da criação de música: artistas, público e crítica”.
Quando a Rolling Stone nasceu, em 1967, Wenner queria que as resenhas da revista fossem sérias e focadas. Uma de suas primeiras decisões foi contratar Jon Landau como crítico-chefe. Landau – que hoje é o empresário de Bruce Springsteen – era ele próprio um guitarrista, e mostrava conhecimento e precisão nos textos que publicou em uma das primeiras revistas de rock, a Crawdaddy. Enquanto se preparava para lançar a Rolling Stone, Wenner ofereceu uma coluna a ele. “Recebi uma cópia do modelo da revista”, relembra o ex-resenhista. “Era realmente impressionante. E Wenner comentou que pagaria pelo trabalho, o que era novidade.”
Os textos de Landau estabeleceram a autoridade da Rolling Stone e tiveram um impacto palpável. Uma crítica de um show do Cream na edição 10, de 11 de maio de 1968, descreveu Eric Clapton como um “mestre dos clichês do blues”. Ao ler a matéria, Clapton ficou chocado. “O peso da verdade me derrubou”, Clapton disse em uma entrevista à revista em 1985. “Estava num restaurante e desmaiei. E depois que acordei imediatamente decidi que aquele seria o fim da banda.”
No entanto, a coluna de Landau era somente uma página no começo da revista. A seção Guia Discos, no final de cada edição, continuaria sem um editor exclusivo até o número 38, de 26 de julho de 1969. Greil Marcus – cujos trabalhos na Rolling Stone fariam muito para afirmar o potencial intelectual e literário da crítica de música – era um mestrando na Universidade de Berkeley e já havia contribuído com resenhas para a Rolling Stone quando foi apresentado ao editor-chefe da revista, Charles Perry. Marcus reclamou que a seção Guia Discos não tinha ideia do que cobrir. “Todo mundo só escreve a respeito das letras. É como se fossem críticas de música folk”, argumentou para Perry. Um ou dois dias depois, Wenner ofereceu US$ 35 por semana para Marcus resolver o problema.
As páginas desabrocharam com novas vozes e percepções. Marcus acreditava que “o rock and roll estava escrevendo sua própria história naquele momento”. A curadoria era feita de forma meticulosa. Às vezes, a seção era focada em relançamentos das origens do rock and roll; outras, em vozes femininas, desde coisas como o grupo vocal feminino dos anos 1950 The Chantels até o mais recente clássico de Dusty Springfield, Dusty in Memphis. “O passado e o futuro estavam misturados, como se não houvesse nada que pudesse ser taxado de ‘das antigas’”, diz Marcus.
O escritor se arriscava com álbuns e autores experimentais: a primeira seção que editou trazia uma divagação de Lester Bangs sobre Trout Mask Replica, do Captain Beefheart. Mas o próprio Marcus foi responsável pela ficção mais famosa da história da crítica de rock: uma resenha de The Masked Marauders, um disco que era para ser apenas uma piada e acabou se tornando realidade. Marcus estava decepcionado com discos superficiais dos chamados “supergrupos”, como Super Session, uma coletânea de músicas improvisadas de Mike Bloomfield, Al Kooper e Stephen Stills. Ele imaginava como seria uma superjam de verdade. “É claro que teria que ter Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones”, afirma. Assim, Marcus escreveu uma resenha-paródia juntando essas lendas no fictício The Masked Marauders.
No texto, ele afirmava que Mick Jagger cantava “I Can’t Get No Nookie” e Dylan e George Harrison tocavam “Kick Out the Jams”, do MC5, ao violão. Marcus ajudou a esboçar a arte de capa do álbum falso, e o texto foi publicado na edição 44, de 18 de outubro de 1969. Fãs desesperados (e também distribuidores) ligaram para o escritório da Rolling Stone perguntando onde poderiam achar uma cópia do disco. Até mesmo o agente de Dylan, Albert Grossman, sem conseguir falar previamente com seu cliente, ligou para saber se o artigo era verdade. E foi aí que aconteceu: Marcus e seu colega Langdon Winner gravaram uma versão de “I Can’t Get No Nookie”, e depois que ela tocou em uma rádio a Warner Bros. se apressou para gravar um disco completo (o grupo Cleanliness and Godliness Skiffle Band, de Berkeley, foi responsável pelas canções). Dentro de alguns meses, The Masked Marauders deixou de ser brincadeira e se tornou realidade.
Ao longo dos anos seguintes, a Rolling Stone se tornaria a voz definitiva de um estilo de escrita que mudava rapidamente, enquanto utilizava ferramentas da crítica literária, teoria cinematográfica e sociologia para criar um documento vivo de uma contracultura que passava a dominar o mainstream, disco a disco. Landau se tornou editor da seção no começo da década de 1970, inaugurando um equilíbrio precisamente afinado entre paixão e profissionalismo que a transformou no local em que inúmeros críticos de renome começaram sua carreira (entre eles Stephen Holden, do The New York Times). Foi uma tradição que continuou com Paul Nelson, que trouxe Kurt Loder e David Fricke. Nascido em Minnesota, Nelson conheceu Dylan na faculdade e mostrou a ele gravações importantes de Woody Guthrie, entre outros clássicos. Como recrutador da Mercury Records, ele contratou o The New York Dolls, e na Rolling Stone foi um dos primeiros a apoiar cantores e compositores como Jackson Browne e Warren Zevon – artistas cuja carreira foi apadrinhada pela revista –, assim como The Clash e Sex Pistols.
“Lia seus artigos na revista como se fossem palavras divinas”, relembra Fricke sobre Nelson. “Ele sabia que tudo mudava ao seu redor, mas se recusava a afrouxar seus critérios.” Uma das mudanças foi a introdução, em 1981, das estrelas como medida das resenhas, que Wenner queria adotar desde os anos 1970. “Os editores achavam a medida reducionista. Eles se opuseram”, conta Wenner. As estrelas iam contra a visão de Nelson, de discos como objetos de arte; mas conforme o gosto dos críticos e a música popular divergiam, Wenner entendeu que precisava servir aos leitores.
O Guia Discos serviu como espaço crucial de exposição para álbuns de novos astros, desde Dirty Mind, de Prince (“O disco sobre sexo mais liberal já composto por um homem”, escreveu Ken Tucker em 1981), até Illmatic, de Nas (“Como uma rosa se alongando por entre as rachaduras de uma calçada, chamando atenção para sua beleza, e para a falta de beleza em todos os outros lugares”, escreveu Touré em 1994). A resenha de abertura também servia para expor ilustrações, incluindo uma caricatura de Dylan usando uma touca de banho feita por Robert Grossman, para ilustrar a resenha do disco Hard Rain (1976), e um belo retrato de Springsteen por Roberto Parada, no estilo de Thomas Hart Benton, para The Rising (2002).
Durante a década de 1970, a Rolling Stone contratou os melhores escritores de rock de revistas menores – Dave Marsh, da Creem, Timothy White, da Crawdaddy – e deu a eles um espaço ampliado. No começo da década de 1990, Anthony DeCurtis abriu a seção para muitos escritores que se tornariam vozes definidoras da crítica de hip-hop, entre eles Danyel Smith, Cheo Coker, Scott Poulson-Bryant e Kevin Powell. Rob Sheffield começou a escrever para a revista em 1997; Jon Dolan chegou em 2009.
Sheffield se lembra de ler as críticas da Rolling Stone ainda adolescente, e de sair correndo para comprar LPs, como Wild Gift (1981), do X. “Concordar ou não com o crítico não era o ponto”, afirma. “O que transparecia é que existia importância naquilo.” E ainda existe. Foi Sheffield que escreveu a crítica de cinco estrelas de Love and Theft. “Lembro que me falaram que o agente de Dylan leu a resenha para ele pelo telefone, e que ele pediu para ouvi-la de novo”, conta Sheffield. “A piada no escritório era: ‘Bem, acho que o nosso trabalho por aqui está completo’.” Mas a música continua, e o trabalho nunca acaba.