Em 1987, o Mötley Crüe se encontrava mergulhado em todas as tentações que o estrelato do rock podia oferecer
Qualquer idiota é capaz de fazer o percurso de carro de Tucson a Phoenix em menos de duas horas. Mas o pessoal do Mötley Crüe não é um bando de idiotas. Eles são astros do rock com o álbum que no momento ocupa a segunda posição da parada e acabaram de comprar um Lear Jet customizado novinho em folha, e querem viajar entre esses dois primeiros shows da turnê Girls, Girls, Girls de avião. Além do mais, como explica o guitarrista abrutalhado Mick Mars, ir de avião é menos difícil do que de carro quando se está de ressaca - um estado que a maior parte dos integrantes da banda se gaba de conhecer muito bem. Infelizmente, o jatinho não está pronto: o CD player fez com que toda a instalação elétrica entrasse em curto-circuito, o estofamento de couro preto não foi instalado e o nariz ainda precisa ser tatuado com o novo logo do Mötley - uma stripper loira com cinta-liga em pose sensual.
Então, depois de uma hora de viagem (na direção oposta) até o aeroporto de Tucson, os membros do grupo - o vocalista Vince Neil, 26 anos, o baixista Nikki Sixx, 28, o baterista Tommy Lee, 24, e Mars, supostamente 31 - cambaleiam da limusine para um aviãozinho charter de cinco lugares, apertado e quente de sufocar. Ele passa 20 minutos na pista de decolagem antes do voo de 20 minutos. Assim, a banda economiza o total fantástico de 20 minutos.
Quando está no ar, a banda engole alguns sanduíches de bacon, alface e tomate e o magricela Lee, cada vez mais animado, usa a parte de trás do isqueiro para abrir algumas garrafas de cerveja Corona. Durante a viagem, o Mötley Crüe admira as diversas piscinas que salpicam a paisagem lá embaixo. Sixx, o principal compositor e "cérebro" do grupo, anuncia: "Eu quero uma piscina em forma de xota".
Um som alto de apito do cockpit lembra o Crüe de peripécias aéreas dos últimos seis anos - como a vez em que Neil assumiu o controle no lugar do piloto e quase bateu em outro avião, ou a vez em que a aeronave da banda ficou sem energia e o trem de aterrissagem teve que ser baixado à mão. "Nós pensamos: 'Ah, meu Deus, porra, a nossa carreira acabou'", conta Sixx.
Mas o Mötley Crüe não morre fácil. Os quatro rapazes que largaram a escola continuaram a se refestelar em todos os vícios imagináveis do rock and roll. Apesar do vício em heroína de Sixx, do casamento de Lee com Heather Locklear, estrela da série Dinastia, suas diversas aventuras sexuais e problemas com a polícia, incluindo a condenação de Neil por matar uma pessoa quando dirigia bêbado, a carreira deles nunca pareceu tão saudável.
No verão de 1987, milhões de garotos estão se esbaldando com a quarta coleção de exaltações à vida louca, Girls, Girls, Girls. Os três primeiros álbuns do Crüe (Too Fast for Love, de 1982, Shout at the Devil, de 1983, e Theatre of Pain, de 1985) venderam milhões puxados pelas apresentações ao vivo, extravagantes e explosivas. Quando o primeiro álbum (um lançamento independente gravado em três dias por menos de US$ 20 mil) foi remixado e lançado pela Elektra, apenas sete estações de rádio nos Estados Unidos aceitaram tocá-lo. Theatre of Pain rendeu sucessos como a balada "Home Sweet Home" e o cover de "Smokin' in the Boy's Room.
Hoje, o Crüe e seus colegas rudes e barulhentos do heavy metal invadiram a MTV, o rádio e as paradas. "Nós nunca fomos aceitos pelos nossos colegas. Eles não conseguiam enxergar além das fantasias. A garotada não compra Whitney Houston. Na era de ouro do rock, era só a garotada tocando para a garotada. Agora voltou a ser assim", diz Sixx.
Em 1981, Frank Carlton Serafino Ferranno, que tinha começado a se chamar de Nikki Sixx, saiu da banda London, de Los Angeles, para iniciar uma nova, chamada Christmas. Ele recrutou o baterista Tommy Lee (Bass) da Suite 19, outra banda da área. Pouco depois, eles depararam com o anúncio de um guitarrista que se declarava "barulhento, grosso, agressivo e disponível". Assim, encontraram um tal Bob Deal. Todos ficaram amigos ao descobrir que usavam a mesma tintura de cabelo preta-azulada chamada Nice N'Easy. "Nós nem precisamos escutá-lo tocar", diz Lee na biografia da banda. "Nós falamos: 'Este é o cara - ele é nojento'." Deal mudou o nome para Mick Mars e batizou o Crüe. Depois de mandarem embora o primeiro vocalista, eles fizeram Vince Neil (Wharton) sair de um grupo de cover do Cheap Trick chamado Rock Candy. Não importava o fato de Neil não ter a melhor voz do mundo - ele se mexia do jeito certo.
Vince Neil, depois de ter recebido permissão para terminar a turnê de Theatre of Pain, passou 20 dias na cadeia. Ele foi condenado por homicídio culposo. Em dezembro de 1984, Neil se encontrava embriagado e causou um acidente que matou Nicholas Dingey, o baterista do grupo Hanoi Rocks, e feriu gravemente mais duas pessoas. O cantor pagou US$ 2,6 milhões em indenizações para as partes prejudicadas, fez shows beneficentes e completou 200 horas de serviço comunitário.
Sobre o novo álbum, Neil diz: "Nós não escrevemos músicas para trazer mensagens. Nunca me interessei por letras. Se eu gosto da melodia, gosto da música". Sixx completa: "Eu não entendo a música do U2. É séria demais. Acho que a música é uma fuga. Eu não sou pai. Eu não quero dizer à garotada o que fazer. Eles nos assistem e colocam para fora toda a ansiedade e a agressividade reprimida. Aquela hora e meia é deles. Ninguém pode tirar isso deles. Nenhum pai pode mandar abaixar o som", diz o baixista.
Para apreciar na totalidade o que acontece naqueles 90 minutos catárticos, basta ficar ao lado de Paul Dexter, com sua cabeleira loira e seus olhos embaçados, no fundo da pista durante um show do Mötley Crüe. A perna dele mexe com o ritmo e ele dá ordens através de um microfone preso à cabeça enquanto ele e dois assistentes manuseiam controles computadorizados de 1.600 luzes montadas em grades móveis. Fumaça, fogo e faíscas são elementos constantes durante a apresentação de 16 músicas. As canções nunca variam - a produção de U$ 1,5 milhão é complexa demais do ponto de vista técnico para permitir improvisações. Tudo é planejado. No começo da carreira do Crüe em Los Angeles, em clubes como o Starwood, eles colocavam fogo nas próprias calças e serravam a cabeça de manequins. Mas Sixx, assim como seu público, tem capacidade de atenção influenciada pela televisão; na última turnê, depois de ler algo em algum lugar a respeito de commedia dell'arte, ele criou um cenário de palco que se parecia com um teatro e a banda passou a usar maquiagem pesada e sedas brilhantes. Desta vez, a maquiagem se foi e o conceito geral é o de um clube de striptease.
O show Girls começa com uma música antiga de striptease. Cortinas vermelhas caem do teto como roupas, revelando um palco vermelho enfumaçado. Elevadores pneumáticos erguem primeiro um, depois dois, depois três níveis de amplificadores. Lee dá início a suas batidas arrasadoras enquanto sua bateria surge do piso em uma jaula erguida por uma empilhadeira. O plano original era que o resto da banda saísse do meio das pernas de uma mulher gigante. Em vez disso, eles chegam correndo. Neil pega seu microfone sem fio, com o pedestal e tudo, e gira berrando: "All in the Name of...", música do Crüe que, como quase todas as outras, tem um riff pegajoso e um refrão que se repete várias vezes. A maior parte das letras do Mötley Crüe trata da banda, seu meio, seus desejos e suas façanhas.
Durante cada música do show, a estrutura estonteante de luzes gira e se agita como os efeitos especiais mais grandiosos de Steven Spielberg; flashes espocam em sincronia com a música e as gostosas e loiras Emi Canyn e Donna McDaniel (as Nasty Habits) se erguem do piso para se sacudir e fazer backing vocal.
Mas o auge da produção, que realmente é chocante, acontece quando a jaula da bateria de Lee se ergue bem acima do palco. No meio de um solo, ele para e anuncia: "Eu tive um sonho. Eu queria tocar a porra da bateria de cabeça para baixo". Então, enquanto ele toca, a jaula pende 45o para a esquerda, depois para a direita, então chega a 90o e finalmente o deixa de ponta-cabeça em dois círculos completos. "Estão vendo?", Lee, amarrado e sem camisa, berra quando finalmente retorna à posição normal. "Sonhos se tornam realidade."
"Nós tentamos exagerar no show ao vivo", diz Vince Neil enquanto se bronzeia ao lado da piscina do hotel Sheraton El Conquistador, perto de Tucson, "para que a garotada tenha o retorno do que pagou. Eu ficaria muito decepcionado se fosse a um show e a banda só ficasse lá tocando. Essa não é a minha ideia de show business". Só para ter certeza de que a voz não vai falhar, Neil toma uma injeção de esteroides antes das apresentações. Um quarto mexicano, ele nasceu em Hollywood, na Califórnia, e faltava às aulas na escola em Covina para ir surfar. Ele ainda chama todo mundo de "cara" e anda de skate no backstage.Entre todos os integrantes do Crüe, ele é o que se deixa mais levar pela imagem do astro de rock.
Neil, que diz estar namorando uma "gostosa de praia", se divorciou da mulher mais ou menos na época em que foi para a cadeia no ano passado. O casamento nunca tinha sido reconhecido publicamente para não comprometer a imagem da banda. O cantor tem enfrentado problemas desde que seu Ford Pantera entrou com tudo em um Volkswagen a caminho de casa depois de uma cervejada. "Depois do acidente, eu nem saía mais de casa. Eu tinha medo." O cantor passou um mês fazendo terapia. Os termos de sua liberdade condicional incluíam falar a grupos comunitários e ficar longe da bebida. Neil faz o que pode. Pede Evian quando seus companheiros entornam garrafas de Jack Daniel's. Mas é muito difícil, principalmente porque em todo show ele leva consigo uma garrafa de Jack para Sixx poder dar um gole. Neil continua bebendo cerveja e margaritas sem muita pressão dos camaradas. Um conselheiro vai estar presente em várias etapas da turnê.
"Eu fodi com tudo", Neil diz a respeito do acidente. "Eu sempre queria sair para me divertir, adorava carros velozes, adorava ficar bêbado. Então, desde então, eu tento dizer: 'Aprenda com o meu erro. Não cometa o mesmo erro'. Eu costumava ficar mal, mas não fico mais. Não dá para ficar remoendo as coisas o resto da vida." Se o Mötley Crüe não tivesse acontecido, Neil diz, "eu ia ser um daqueles caras no Havaí que cuidam do seu jet ski".
É meio-dia no calor escaldante do Arizona. Mick Mars, o menos sociável do Crüe, parece o compositor Paul Williams usando uma peruca da Família Adams. Nascido em Indiana, filho de um capataz de fábrica, Mick se mudou para a Califórnia quando tinha 8 anos. Divorciado duas vezes, ele diz que é "muito seletivo" em relação às mulheres. "Tem muita doença rodando por aí." Mars é propenso a berrar de maneira inesperada ou falar a respeito de xoxotas e ereções. Ele chama Jack Daniel's de "enxaguatório bucal". Mas reconhece que bebe para ganhar confiança. Seus passatempos são "fazer porra nenhuma" a bordo do Corvette e brincar em seu estúdio caseiro de oito canais. Apesar de ser capaz de fazer citações extensas do Fórum da revista Penthouse, ele admite que "não sou de ler muito". Será que ele se imagina no Mötley Crüe daqui a dez anos? "Me imagino sim, pelo menos lançando álbuns, nos juntando, fazendo besteira, nem que seja só... como é mesmo a palavra?... Por nostalgia."
Tommy "T-Bone" Lee é o membro do Crüe mais novo, mais maluco e mais fácil de se gostar. Nascido em Atenas, na Grécia (sua mãe é grega e o pai era das forças armadas), ele logo se mudou para a Califórnia, onde foi para a mesma escola de ensino médio de Neil, mas só freqüentava três aulas: música, voleibol e artes gráficas, em que ele fazia camisetas do Aerosmith. Como o pai e a mãe trabalhavam, ele ia para casa e batucava sua bateria até as 3 da tarde, daí saía antes de a mãe chegar e voltava como se tivesse acabado de sair da aula. Ele só tinha 17 anos quando a banda se formou.
Lee é o que tem mais tatuagens na banda - feito nada desprezível -, incluindo uma fênix no braço direito inteiro e uma rosa com o nome HEATHER no antebraço esquerdo. Ele conheceu Heather Locklear, estrela de Dinastia, em um show da REO Speedwagon. Ele pegou a mão dela e disse: "Oi, eu sou o Tommy, prazer em pegar em você". Eles se casaram no dia 10 de maio de 1986. O casamento é "ótimo, muito bacana", diz o homem que reconhece que costumava "trepar com qualquer coisa que tivesse pulso". "Se eu não estivesse casado, provavelmente estaria morto, com tanta festa e tudo o mais."
Ninguém no Mötley Crüe está usando cueca, então, antes de entrar na calça de couro de palco para uma foto, Nikki Sixx limpa o traseiro com uma toalha que depois joga em cima dos colegas, que fogem para todos os lados. "Estamos em turnê mais uma vez!", Vince Neil exclama.
Sixx, o integrante mais pensativo da banda, nasceu em San Jose, na Califórnia. A mãe dele abandonou seu pai, um siciliano, por um integrante da banda de Frank Sinatra, com quem ela fazia backing vocal. O pequeno Sixx foi criado pelos avós, em Idaho, no Novo México e em Seattle. Um menino solitário que lia livros de aventura e sonhava em ser atirador, ele roubava rádios de carro e escutava Deep Purple e T.Rex. Ele conseguiu sua primeira guitarra ao levar um estojo vazio até uma loja de instrumentos, pedir uma ficha de emprego para preencher e enfiar uma guitarra lá dentro quando o gerente virou as costas.
A morte da avó no último mês de julho inspirou o trecho orquestrado de 90 segundos em Girls, Girls, Girls que se chama "Nona". A tragédia também ajudou a fazer com que ele saísse de um vício sério em heroína que começou depois da turnê de Theatre of Pain (que terminou em março de 1986). "Eu fiquei viciado por mais de um ano", diz baixinho. "Tinha acabado de comprar uma casa nova, e ela se transformou no quartel general do rock and roll de Hollywood. Era, tipo: 'Aqui está, pode cheirar. Toma, pode injetar. Pronto, pode beber. Ei, trepe com ela'. Eu provavelmente estava tentando ver o quão perto eu ia conseguir chegar. 'Será que Nikki Sixx é humano? Será que eu posso morrer?'"
Sixx passou sete dias em uma clínica de desintoxicação e, no final, largou a droga. "A heroína é a droga mais perigosa. É como estar no céu, sabe? As pessoas não usariam se não desse esse barato. E largar é doloroso. Mas eu optei pela dor e por ter sucesso como compositor - alcançar esses objetivos em vez de ser um astro do rock drogado. Metade da garotada de Los Angeles usa alguma porcaria. Está tão na moda, isso me deixa apavorado", filosofa.
"Não estou amolecendo", continua Sixx. "Só aprendi com a experiência." Amolecer acabaria com a imagem do Mötley Crüe, mas por quanto tempo pode continuar? O músico hoje vive em uma casa imaculada rodeado de antiguidades. Seu casamento iminente com Vanity parece ter desativado seu fusível de autodestruição. "Nós meio que domamos um ao outro", diz a cantora e atriz voluptuosa no backstage do show de Tucson. "Em casa, Nikki é muito caipira! Ele nunca bebe Jack em casa. Só um pouco de vinho. Ninguém precisa de bebida e droga quando está apaixonado." Nikki não está preocupado que o casamento vá acabar com seu sex appeal: "Eu tenho mais a oferecer do que ser solteiro. Eu sou compositor." Ele sonha em dirigir vídeos, escrever roteiros e publicar um livro com poesias de letras de rock.
São 5 da tarde no dia anterior ao show de Phoenix, e Sixx está à beira da piscina, bebendo um Bloody Mary e comendo uma travessa de camarão. Uma mãe orgulhosa leva o filho de 4 anos, Tommy, para conhecê-lo. "Ele conhece todas as suas músicas", ela diz.
"Oi, Tommy", Nikki diz e aperta a mãozinha dele. "O que você quer ser quando crescer?" Tommy, acometido pela mudez, dá de ombros. "Astro do rock?" Ele concorda.
Sixx está em êxtase. "Você não quer ser bombeiro nem presidente?" Tommy sacode a cabeça, não. "Por quê? Para ficar com todas as meninas?" Tommy sorri.
"Você pode fazer o que quiser", diz Sixx, claramente feliz por estar pregando sua principal mensagem para alguém tão disposto a se converter. "Vá pular na piscina de roupa!"
Tommy hesita e faz um pouco de careta. Ele olha para a piscina, depois para a mãe, depois para Sixx. "Vá logo!", Sixx incentiva.
O sorriso da mãe de Tommy se contrai. "É muito funda para você", ela diz, pega-o pelo braço e se afasta.
"Eu adoro crianças", Sixx diz, todo orgulhoso, ao observá-los se afastando.