Crise econômica, conservadorismo e lentidão no Congresso, o povo nas ruas: por que 2015 vai entrar para a história (pelo bem ou pelo mal)
O ano de 2015, além de ter sido o primeiro do segundo mandato de Dilma Rousseff , foi carimbado não apenas pela rejeição à presidente mas também pelo avanço de pautas conservadoras no Congresso, pela volta da recessão e pelos escândalos revelados na Operação Lava Jato. “Foi o ano da incerteza da população em relação ao Estado, que não está conseguindo garantir o mínimo para a vida do brasileiro”, resume Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp. “O cidadão não teve segurança na política econômica, na polícia do governo, nas instituições, no Bolsa Família... nada teve estabilidade. Além disso, a cada dia é descoberto mais um meandro corrupto, e não de um determinado partido, mas de quase todos.” Apesar de toda a lama, 2015 foi também um tempo de manifestações e fortalecimento das minorias – o ano em que fomos obrigados a jogar luz sobre essas novas formas de organização social. “Estamos vendo uma mobilização desvinculada de partidos políticos e que valoriza os processos internos de democracia. São ações horizontais, discutidas entre todos, sem uma liderança clara”, analisa Pablo Ortellado, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e coautor do livro Vinte Centavos: a Luta contra o Aumento. A seguir, listamos as sete principais marcas dos últimos 12 meses, sob os prismas político, social e econômico. Um balanço de um ano que, pelo bem ou pelo mal, ficará para a história.
1 O CONGRESSO DO RETROCESSO
É grande a lista de pautas conservadoras desengavetadas pela Câmara dos Deputados ao longo de 2015. Dentre as mais (im)populares estão a Redução da Maioridade Penal (PEC 171/93), já aprovada pela Casa e aguardando votação no Senado; a revogação da lei do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), por meio da PEC 3722/12, que prevê a redução de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas; o Estatuto da Família (PEC 6583/2013), no qual são considerados núcleos familiares apenas aqueles compostos de casais heterossexuais; e a PEC 215/2000, capaz de mudar a demarcação de terras indígenas.
Avançaram, também, pautas como a das terceirizações (4330/04), já aprovada e aguardando apreciação dos senadores. “Foi um ano de atraso, de retrocesso enorme para os direitos civis e para os direitos dos trabalhadores”, opina o deputado federal Ivan Valente, presidente nacional do PSOL. “O que vimos em 2015 foi uma série de medidas moralistas e pretensamente chamadas de conservadoras, mas que eu chamo de reacionárias”, define o professor Roberto Romano, da Unicamp.
A PEC mais emblemática dos últimos meses é de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O projeto de lei 5069/2013 dificulta o aborto legal, pune a venda de abortivos e complica o atendimento às vítimas de estupro. “Que autoridade moral Eduardo Cunha e a bancada evangélica têm para isso?”, questiona Romano.
O avanço desse projeto gerou reação rápida nas ruas. Nos últimos dias de outubro, mulheres protestaram em várias cidades contra a proposta e contra Cunha. “Ele não contava com essa virada. Com o aborto, Cunha ganhou uma impopularidade dentro do movimento jovem e do movimento feminista. Teve até que escrever para o jornal Folha de S.Paulo para dizer que não era o único autor”, ressalta Valente.
O artigo citado pelo presidente do PSOL foi publicado no primeiro caderno do veículo em 24 de novembro. No texto, intitulado “Fizeram de mim o inimigo nº 1 das mulheres”, Cunha afirma que a PEC não é só dele, e que foi feita em “conjunto com outros 12 deputados”. Também garante que “não há pauta conservadora. O que existe é a pauta da maioria da sociedade brasileira, que é conservadora e tem representantes que formam a maioria no Parlamento”.
2 A RECESSÃO BATE À PORTA
Queda do PIB (Produto Interno Bruto), aumento da taxa de juros, elevação dos índices de desemprego, maior endividamento das famílias: 2015 teve todos os ingredientes para ser um dos anos mais difíceis das últimas décadas. “A referência que temos é do período Collor (1990-1992), em que foram registrados índices próximos aos que estamos vendo agora”, compara Mauro Rochlin, economista e professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas. O estudioso ainda acrescenta que “dois indicadores são reveladores da crise”. “Em primeiro lugar, vamos registrar uma queda do PIB da ordem de 3%. O país vai crescer muito menos e isso tem como consequência o segundo indicador, que é o emprego. A taxa de desemprego está aumentando de forma assustadora.”
“Caímos numa recessão e o impacto econômico em 2015 foi terrível em termos de empregos perdidos, inflação e crédito dificultado”, acrescenta David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, chegou a declarar, em 24 de novembro, que prevê uma recuperação da economia no segundo semestre de 2016. Afirmou ainda que vários projetos de infraestrutura podem contribuir com uma retomada do investimento.
Para Rochlin, ainda não dá para “enxergar a retomada, porque o que a gente vê em curtíssimo prazo é uma piora acentuada dos indicadores econômicos, com mais fechamento de postos de trabalho e queda do salário real”.
3 A ELEIÇÃO QUE NÃO ACABOU
o clima de disputa a que assistimos em outubro de 2014 durante o segundo turno das eleições presidenciais permaneceu ao longo de 2015. Com 51,6% dos votos, a petista Dilma Rousseff venceu o tucano Aécio Neves, que obteve 48,3%. Mas, pelo que foi visto, a vitória dela se limitou às urnas.
Sem maioria no Congresso, Dilma teve dificuldades para aprovar projetos, viu a confiança dos investidores diminuir, o aumento da crise econômica e recebeu das ruas e dos partidos opositores – entre eles PSDB, DEM e PPS – vários pedidos de impeachment. Em 2 de dezembro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, comunicou que daria prosseguimento ao pedido de abertura de impeachment protocolado pelos advogados Miguel Reale Junior, Janaína Paschoal e Hélio Bicudo em outubro. O anúncio veio no mesmo dia em que a bancada do PT na Câmara havia afirmado que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética.
“Em 2015, Dilma teve zero governabilidade. Agora, ela não tem maioria efetiva na Câmara e tem maioria apertada no Senado”, analisa o professor David Fleischer.
Não bastasse isso, um ano após a eleição, em outubro de 2015, o Tribunal Superior Eleitoral iniciou uma ação para investigar a campanha que elegeu a presidente e seu vice, Michel Temer (PMDB). Foi a primeira vez que o TSE abriu uma Aime (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo) contra um presidente empossado.
4 OPOSIÇÃO COM TETO DE VIDRO
Eleito, em fevereiro, presidente da câmara dos Deputados, com 267 votos, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se colocou como oposição ao governo de Dilma. A gestão dele foi marcada, ao longo do ano, por projetos que beneficiavam seus aliados, os deputados da chamada Bancada BBB (da bala, da Bíblia e do boi), como são conhecidos os parlamentares ligados a empresas de armamentos, igrejas evangélicas e representantes de interesses ruralistas.
“Ele ganhou uma simpatia de parte do eleitorado, mas estava desde o começo na Operação Lava Jato”, opina o deputado federal Ivan Valente. Considerada a maior investigação da Polícia Federal sobre corrupção conduzida até hoje no país, a Lava Jato desvendou um extenso esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo políticos de diversos partidos, banqueiros e grandes empresários.
A máscara de Cunha começou a cair quando ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por uma série de crimes, como lavagem de dinheiro e corrupção. Ele negou ter contas na Suíça, mas o país europeu enviou dados à PGR que comprovam as contas bancárias secretas do deputado. Cunha então rompeu oficialmente com o governo, acusando-o de estar por trás das investigações feitas pela PGR. A pressão para que ele renuncie ao cargo só aumenta.
“Ele jogou o tempo todo com a rejeição da presidente e depois com as pautas conservadoras. Só não contava com o seguinte: a corrupção também é repudiada pela população. Cunha foi citado por seis delatores, mentiu na CPI da Petrobras e praticou, na presidência da Câmara, uma série de arbitrariedades. A situação dele já era bastante complicada no Conselho de Ética da Câmara. Agora, a prisão do senador Delcídio do Amaral criou um precedente não só para ele mas para todos os mais de 40 políticos envolvidos na Lava Jato”, observa Valente, que falou com a Rolling Stone Brasil no dia seguinte à prisão do petista.
5 A VOZ DAS RUAS
O ano de 2015 foi uma continuação de junho de 2013. É assim que os entrevistados pela reportagem definem as pressões populares que ocorreram nos últimos meses. Isso porque as eleições de 2014 e a Copa do Mundo fizeram com que as manifestações daquele ano fossem silenciadas. “Em 2013, houve um grande processo de mobilização bem-sucedido. Principalmente quando notamos a redução das passagens de ônibus para, em média, 70% da população brasileira residente das grandes cidades. Essa vitória abriu um enorme precedente e uma espécie de paradigma de mobilização de rua. Por isso, 2015 retomou essa veia de 2013, o que é extremamente saudável”, opina o professor Pablo Ortellado, da USP.
Para Marcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da USP, pesquisadora do Cebrap e associada ao Centro de Estudos da Metrópole, as manifestações tinham como objetivo manter as conquistas sociais ameaçadas pelos projetos de lei que tramitaram no Congresso. “Essa onda conservadora levou à mobilização”, afirma. Outro ponto levantado é a insatisfação com a vida cotidiana. “As pessoas estão questionando, desde 2013, os modelos de educação, de transporte e de uma série de coisas”, ilustra Marcos Florindo, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “À medida que o cidadão começa a perceber as mazelas da sua vida social, tornase intolerável, por exemplo, ficar como uma sardinha dentro do ônibus por duas horas.” Uma das características mais positivas dessas manifestações, para os entrevistados, é que elas não têm vinculação a partidos políticos. “O que estamos vendo é a sociedade tentando impor suas vontades”, acrescenta Ortellado.
6 A VEZ DAS MINORIAS EMPODERADAS
Mulheres, negros e homossexuais são considerados socialmente minorias, sob o ponto de vista político e representativo.
Isso quer dizer que apesar de tais grupos serem maioria em quantidade de cidadãos (comprovadamente no caso dos negros e das mulheres), eles têm suas vozes silenciadas e foram historicamente subjugados e explorados.
O que se viu, nos últimos meses, foi um empoderamento desses nichos, capaz de refletir em uma mobilização – na maioria das vezes articulada por meio das redes sociais –, disposta a garantir direitos já conquistados e repudiar velhos modelos e normas sociais.
“Acho que existe uma nova era: é a era de não permitir retrocessos”, diz Marcia Lima. “O movimento das mulheres levantou a pauta do feminismo e do machismo na sociedade brasileira de uma forma absolutamente impressionante, sobretudo nas redes sociais”, analisa Ortellado. Para se ter uma ideia dessa força, no mês de novembro, as mulheres postaram nas redes sociais casos de machismo com a hashtag #meuamigosecreto; com #meuprimeiroassédio, elas relataram abusos sofridos na infância e adolescência. Só no Twitter foram expostos mais de 82 mil casos. “As formas de comunicação evoluíram muito. Na internet, você consegue criar uma comoção social, constituir grandes manifestações públicas. Isso tem colocado em cheque uma velha e tradicional forma de fazer política”, analisa Marcos Florindo.
7 CADEIA PARA OS PEIXES GRANDES
novembro foi um mês histórico para o Brasil. Pela primeira vez no país, desde a Constituição de 1988, um senador no exercício do mandato foi preso. E além do petista Delcídio do Amaral (PT-MS, no detalhe), ex- -líder do governo no Senado, também acabou encarcerado o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, ambos acusados de tentar obstruir investigações da Operação Lava Jato.
Ambos os casos, segundo o professor David Fleischer, dão um recado às grandes empresas: “Talvez não valha a pena arriscar o futuro da companhia com essas manobras de corrupção”.
Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, aponta para as novas habilidades de investigação. “O Sérgio Moro [juiz que comanda o julgamento dos crimes identificados na Operação Lava Jato] é conhecido internacionalmente como estudioso da Operação Mãos Limpas, na Itália. Ele percebeu todos os erros cometidos pelos juízes italianos e procurou evitá-los. E, assim como o Moro, há uma geração nova de juízes tecnicamente mais bem preparados.”