Cinema brasileiro começa a investir em produções 3D, mas sem as mesmas pretensões de Hollywood
Quando um diretor brasileiro avisa que vai comandar um filme de terror, qual seu primeiro pensamento? "Ops, lá vem tosqueira das grossas", provavelmente. E qual sua reação quando anunciam um filme nacional de ação? Fuga em massa, certamente, tendo em vista o desempenho de Segurança Nacional e Federal nas bilheterias. Mas o sucesso de Tropa de Elite 2, o único filme de gênero no Brasil a quebrar o preconceito do público - mesmo usurpando os paradigmas do próprio gênero -, pode servir para o que pode ser a jogada mais ambiciosa de nossa indústria: a entrada no mercado do cinema em 3D.
Diversas produtoras estão começando a montar projetos para um segmento que aumentou em cerca de 30% os lucros das salas de exibição, mas vamos com muita calma antes de colocar os grandes e incômodos óculos. "Não somos Avatar", posiciona Mariana Caltabiana, diretora de Brasil Animado, o primeiro longa-metragem brasileiro rodado e exibido em 3D, previsto para estrear em 21 de janeiro. "Não queremos nos comparar ao filme de James Cameron, que custou US$ 300 milhões, enquanto o nosso tem um orçamento de US$ 3 milhões. Mas conseguimos efeitos em 3D bonitos e acho que vamos quebrar esse preconceito."
Tudo bem que Brasil Animado não pode ser comparado à produção de maior bilheteria da história. No entanto, o impacto do filme de Cameron foi essencial para a criação do primeiro longa em 3D brasileiro. "Quando conheci Mariana, o projeto ainda era em 2D", conta Marcelo Siqueira, diretor técnico da obra e um dos maiores especialistas nessa tecnologia no Brasil. "Mas aí veio Avatar e mudou tudo. O filme precisou ser reescrito para se adaptar à nova situação." A história mistura animação tradicional e sequências capturadas em live-action por todo o Brasil - foram cerca de 20 cidades filmadas em 40 dias com duas câmeras Sony-EX3 modificadas com rigs alemães espelhados, acessórios que capturam e passam a sensação de profundidade.
A aventura do cinema brasileiro pelo 3D só tem um grande impasse: o dinheiro. "Quando você decide fazer um filme com essa tecnologia, precisa entender que tudo dobra de tamanho, da equipe de animadores ao espaço que precisamos no disco para a renderização [a transformação final do longa para a exibição]", afirma Mariana, que trabalha com uma equipe que pode chegar a até 30 pessoas. Apesar disso, a possibilidade do lucro maior - os ingressos das sessões em 3D custam quase o dobro do normal - está atraindo investidores e produtoras para o segmento, principalmente o infantil. É o caso da animação em computação gráfica BugiGangue no Espaço, do diretor Ale McHaddo, preparado desde 2007 (e previsto para 2012) com um orçamento em torno de R$ 5 milhões. "Sempre pensei no filme em 3D, por isso produzimos um curta [BugiGangue - Controle Remoto] para testar a técnica."
Ironicamente, os primeiros passos do 3D no Brasil serão tomados por desenhos animados - que estão longe de ser a maior tradição do cinema nacional. "É um bom momento para o gênero", admite McHaddo. "Além dos exibidores preferirem o 3D por causa do aumento do público, filmar em live-action ainda tem uma logística mais complicada." Mesmo tendo capturado cenas "de verdade" em Brasil Animado, como uma estrelada pela ginasta Daiane dos Santos, Mariana Caltabiana concorda. "Animação é muito mais fácil", diz a cineasta, que conseguiu ter a participação do diretor Fernando Meirelles (em versão animada) e já prepara um novo desenho, Jujubalândia, baseado no seu livro homônimo, para 2012. "O controle que temos da animação é maior, podemos colocar o efeito que quisermos.
Os obstáculos para o primeiro longametragem brasileiro com atores de verdade não devem tardar a cair. Marcelo Siqueira, que também é diretor técnico da Casablanca/Teleimage, o maior grupo de pós-produção de imagem da América do Sul, acredita que um projeto live-action, inteiramente idealizado, filmado e exibido em 3D, estreará nas salas de todo o Brasil no máximo em dois anos. "Nós temos a tecnologia e a qualidade de nossos efeitos será igual. O que falta é recurso", conta Siqueira. "O Brasil tem a tecnologia para fazer bons filmes em 3D, mas acho que ainda falta muito para alcançarmos o mesmo nível em termos de computação gráfica", concorda Mariana, lembrando como ainda estamos longe de produzir os elementos de uma "captura de performance" tão vitais para Avatar e Alice no País das Maravilhas, dois dos maiores sucessos do formato. Mesmo assim, dois projetos ambiciosos da produtora Moonshot pretendem derrubar esse tabu. A Oitava Princesa, de Michael Ruman, é uma aventura juvenil no estilo de 300, de Zack Snyder, com atores reais e cenários virtuais, e será capturado e exibido em 3D - a previsão de estreia é julho de 2012. Já Príncipe de Astúrias é uma coprodução Brasil-Espanha orçada em 4 milhões de euros e reconstitui misterioso naufrágio "do orgulho da marinha mercante espanhola" no litoral brasileiro. "Ainda estamos analisando a possibilidade de captar em 3D", conta o produtor Roberto D'Ávila, um dos sócios da Moonshot. "Precisamos avaliar a relação dos custos."
O primeiro musical brasileiro em 3D será protagonizado pelo grupo Palavra Cantada. "Será um projeto interativo para cinema, bem divertido", conta Siqueira, que assume a direção geral do filme. Alguns outros longas, como Quem Tem Medo de Fantasma? , de Cris D'Amato, chegaram a ser cogitados para o formato, mas a produtora Lereby nega que exista algum projeto nessa área em desenvolvimento. A lentidão pode ter suas vantagens. As salas em 3D no Brasil não chegam a 10% do total de cinemas e não seria inteligente competir de igual para igual com Hollywood pelo espaço, ainda mais com a conhecida desconfiança do público. "Ainda é um começo", anima-se Mariana. "Mas tivemos reações fantásticas nos testes com o público."