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No Olho do Furacão

Em contagem regressiva para os grandes eventos esportivos no país, o ministro Aldo Rebelo assegura: “A Copa no Brasil reúne tudo para ser a maior de todos os tempos”

Cristiano Bastos Publicado em 06/07/2012, às 11h46 - Atualizado às 11h46

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Ilustração  - Lézio Júnior
Ilustração - Lézio Júnior

Hoje com 56 anos, o alagoano de Viçosa Aldo Rebelo iniciou a trajetória política em 1980, quando foi eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1989, já no Partido Comunista do Brasil, lançou o livro No Olho do Furacão, obra que narra a história vitoriosa de Luiza Erundina no pleito para a prefeitura de São Paulo, em que ela derrotou políticos pesos-pesados como Paulo Maluf, Ulysses Guimarães, Jânio Quadros e Orestes Quércia – e no qual, pela primeira vez, a esquerda uniu-se em uma batalha eleitoral.

Há dois anos, Rebelo teve uma controversa atuação como relator da Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro, que foi sancionado, em maio deste ano, pela presidente Dilma Rousseff. E, no final de 2011, foi nomeado ministro do Esporte, pasta assumida no lugar de Orlando Silva, também do PC do B, que pediu demissão após denúncias (que ele negou) de envolvimento em um esquema de desvio de verbas no Ministério.

Igualmente polêmica tem sido a relação do ministro com a imprensa. “Estou habituado a ter meus atos julgados diariamente, principalmente pelos jornalistas”, ele, também jornalista, escreveu no Twitter.

Embora tenha respondido à maioria das perguntas, nesta entrevista Aldo Rebelo não teve muita paciência para contrapor questões relativas às declarações do deputado federal Romário (PSB-RJ), que disse recentemente à Rolling Stone Brasil que esta seria a “Copa da mentira”. “Eu não gostaria de dar uma entrevista sobre o Romário. Eu sou o ministro do Esporte, não sou fiscal das atitudes do Romário”, rebateu.

Rebelo falou também a respeito do desafeto Jerome Walcke, secretário-geral da Fifa, do legado da Copa, do Código Florestal e até sobre o brasileiríssimo Saci-Pererê – o qual, ele acredita, poderia muito bem ter sido o mascote da Copa no Brasil. “Com uma perna só, o Saci é capaz de fazer mais coisas do que muitos ‘seres comuns’ com as duas pernas”, compara.

O que o senhor pensa a respeito das declarações no deputado federal Romário, de que a Copa no Brasil está fadada ao insucesso?

O Brasil tem a legitimidade de ser o único país a participar de todas as copas, de ser o único a ganhar cinco vezes o mundial, de ter o maior artilheiro de todas as copas e, também, de ter oferecido ao mundo do futebol a maior quantidade de astros. Dentre eles, o maior de todos, que foi o Pelé. Eu penso que a frase do Romário pode ser atribuída a uma concepção errada, pessimista, derrotista – sobre o país e o futebol brasileiro.

O senhor acredita que 2014 será a “Copa da Verdade”?

Eu acredito que será a Copa que reúne tudo para ser a maior de todos os tempos, exatamente por ser no Brasil, o país que deu a esse esporte anglo-saxônico o privilégio de tornar-se um esporte universal. De outra forma poderia ser um esporte como o críquete, o rúgbi, o futebol americano, que são populares em um país ou outro. Ele se tornou universal por causa do Brasil. É um esporte de regras simples e claras, que pode ser adotado pelos pobres, cuja prática não exige muita sofisticação. Tampouco exige espaços caros para que possa ser jogado.


Haverá, na sua opinião, um forte contraste social devido à grande quantidade de turistas endinheirados e ao grande número de brasileiros que não conseguirão assistir aos jogos?

Você imagina a Copa dos Estados Unidos, na qual, inclusive, Romário foi um dos protagonistas. Os brasileiros viram de longe: que brasileiro pobre foi aos Estados Unidos ver a Copa? Creio que nenhum. Poucos de classe média puderam ir. E, mesmo assim, aquela Copa do Mundo tornou o Romário um atleta muito querido de toda a população. As pessoas se sentiram representadas pela seleção brasileira. É evidente, portanto, que os brasileiros mais pobres, nascidos em circunstâncias muito especiais, não terão dinheiro para estar nos estádios. Mas estamos fazendo um grande esforço para que as populações indígenas e os beneficiários do [programa de transferência de renda] Bolsa Família tenham, pelo menos, uma pequena presença nos jogos. Mesmo assim, porém, os jogadores brasileiros nessa Copa não deixarão de representar a esperança e a aspiração de todos aqueles que um dia foram representados pelo Romário.

O que o senhor achou das declarações do Carlos Alberto Parreira (ex-técnico da seleção) de que “a África estava mais adiantada do que o Brasil nas obras da Copa”?

Temos uma parte dos estádios para entregar em 2013 e outra parte em 2014, e com certeza nós vamos completar essas obras e fazer a Copa do Mundo. Essa é a opinião de alguns, inclusive jornalistas, que não acreditam no país e em nossa capacidade. Mas é exatamente esse o desafio. Se o Brasil fosse ouvir os pessimistas, os “fracasso-maníacos”, não teríamos recebido aqui a caravana do [Pedro Álvares] Cabral. Desde que ele saiu lá do Tejo, já tinha gente dizendo que não ia dar certo. O Brasil vai vencendo seus desafios, apesar da distância, da desconfiança e do pessimismo de algumas pessoas. O país já fez coisas mais difíceis e mais importantes do que a Copa do Mundo. Fizemos Brasília em quatro anos e fizemos uma Copa do Mundo em 1950, em dois anos, quando a Europa estava em crise e devastada por uma guerra. Pode ter certeza de que nós não vamos nos atrapalhar. E eu não vou ficar aqui respondendo aos “fracasso-maníacos”. Eu ficarei falando é do meu país, do meu desafio, que é organizar a Copa.

Qual é a sua posição sobre a venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios?

No Brasil, adotamos uma legislação muito mais restritiva do que a europeia e a norte-americana. Nos Estados Unidos e na Europa, a venda de bebida é permitida durante todo o tempo. Aqui, nós restringimos apenas aos jogos da Copa e em condições especiais. Ou seja, nos bares e nos espaços reservados para esse comércio.

Como vai a sua relação com o Jerome Walcke [secretário-geral da Fifa, que declarou que o Brasil merecia um “chute no traseiro”, por causa dos atrasos nas obras da Copa]?

A relação não é minha com o funcionário da Fifa. A relação é do governo brasileiro com a entidade que organiza a Copa do Mundo e, por acaso, eu sou o ministro do Esporte. Meu papel é cuidar da organização da Copa, representando o governo. Não vou, portanto, valorizar destemperos verbais, depois que os responsáveis pedem desculpas e procuram se justificar de várias formas.

Em relação à mobilidade urbana, o senhor disse que “está trabalhando para melhorar as obras em São Paulo”. Como anda a questão no resto do país?

Mobilidade urbana é um item. Nós tratamos a Copa como uma grande oportunidade para o desenvolvimento do Brasil. E por essa razão, ela é disputada por todos os países, como também é no caso das Olimpíadas. Os países mais ricos querem sediar a Copa e as Olimpíadas. A Copa já gerou mais de 300 mil empregos no Brasil e vai gerar mais 300 mil durante a sua realização. E ainda vai incorporar ao Produto Interno Bruto brasileiro, anualmente, de 2014 até 2019, um crescimento permanente de 0,4%. É uma grande oportunidade para o Brasil afirmar suas capacidades, sua inteligência e, ao mesmo tempo, para superar deficiências e limitações.

Quais são as nossas deficiências e limitações e, ainda, quais são as nossas qualidades?

Nossas qualidades são empregadas na engenharia de construção civil, por exemplo. Por causa disso, nossas empresas têm obras no mundo inteiro, as quais se aperfeiçoam com um desafio como este. As nossas deficiências serão superadas. Temos deficiências nas áreas de telecomunicações, de logística de aeroportos, de segurança pública, de mobilidade urbana. Quando se tem um grande desafio, é quando se põe à prova qualidades, virtudes – mas também as deficiências.


O senhor também disse que o Brasil será muito beneficiado com o legado dos Jogos Olímpicos. Que legado seria esse e de que maneira conseguiremos fazer com que seja incorporado à vida dos brasileiros?

O primeiro desses legados é a própria oportunidade de desenvolvimento que as Olimpíadas oferecem: atração de investimentos e de recursos de patrocinadores, principalmente. As Olimpíadas no Brasil já atraíram mais patrocinadores, embora só sejam em 2016, do que as de Londres, que serão realizadas agora. As Olimpíadas também podem oferecer ao país a oportunidade da valorização e da universalização da prática do esporte: o esporte educacional, de lazer, de inclusão social, de alto rendimento. Sem falar na construção de centros de excelência para os esportes olímpicos em todo o território nacional. O Rio de Janeiro será dotado de uma moderna Vila Olímpica e, ainda, de obras de infraestrutura que permanecerão na cidade. Tudo isso valorizará o Brasil, pois tanto a Copa quanto as Olimpíadas serão vistas por mais de três bilhões de telespectadores.

O senhor disse que “não trabalha com a ideia do atraso”. Estamos em tempo hábil?

Eu tenho como referência o prazo de entrega da obra: uma parte em 2012, uma em 2013 e a outra no início de 2014. Sei que encontraremos contratempos que precisam ser superados com mais trabalho e mais intensificação das ações. Porque para Copa do Mundo e Olimpíadas, na realidade, não tem segredo. São eventos que se realizam há mais de um século, a exemplo das Olimpíadas. A Copa do Mundo existe há mais de 80 anos. Esta será a vigésima copa. Há um padrão que, adaptado às nossas condições, nós podemos realizar. É, então, muito mais trabalho. E trabalho nós estamos dispostos a fazer.

O senhor afirmou que imprensa “coloca muita coisa contra, desconfia de tudo”. Qual é a sua opinião sobre a imprensa?

Não é a imprensa... É, no fundo, uma corrente do pensamento brasileiro. Somos herdeiros de parte do pensamento lusitano, que advém do “Velhinho do Restelo”, personagem de [Luís Vaz de] Camões, que sempre reclamava das coisas e achava que nada iria dar certo. Os navegantes ouviam aquela cantilena e, dela, podiam colher alguma advertência quanto ao risco daquelas palavras. Mas, mesmo assim, eles partiam, e fizeram as grandes navegações. O Brasil herdou uma parcela desse pessimismo. Tem, porém, a ousadia de desbravar terrenos desconhecidos. Creio ser com o espírito da ousadia que devemos encarar a Copa. A imprensa cumpre o seu papel. Não tenho nenhuma queixa. Que a imprensa fiscalize e opine. Faz parte do Brasil democrático. Eu, todavia, nem sempre concordo com as opiniões dos editorialistas e dos colunistas da imprensa. Mas respeito.

E esse projeto de benefi ciar ex-campeões mundiais, que consta da Lei Geral da Copa?

Esse foi um projeto enviado ao Congresso pelo presidente Lula, a partir da constatação de que muitos dos brasileiros ex-campeões do mundo viviam em dificuldades. É uma situação que depõe contra o país, que recebeu dessas pessoas uma demonstração de sacrifício e dedicação, vê-las abandonadas e não adotar nenhuma providência a respeito. O apoio ao ex-campeões mundiais, entretanto, é somente para aqueles que necessitam dessa ajuda e que não têm condições de levar uma vida digna.

O senhor acredita que a Fifa tentou criar um Estado dentro do Estado brasileiro com algumas de suas intromissões?

Quem não tem juízo pode pensar isso... Qual o poder da Fifa para criar um Estado paralelo? Nem a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e as forças de ocupação armadas conseguem fazer isso, quanto mais a Fifa, que é uma entidade e possui mais filiados do que a ONU. A Fifa, óbvio, tem seus interesses comerciais. O Brasil, ao organizar a Copa, tem de levar em conta os interesses da Fifa e também o interesse nacional.

O que o senhor tem visto mundo afora em suas andanças?

Dia desses, recebi aqui no ministério o cartunista Ziraldo. Ele, que também viaja pelo mundo, disse uma coisa interessante: “O Brasil é uma país que se escreve com uma exclamação”. As pessoas referem-se ao Brasil, em todo o mundo, com admiração e, sobretudo, curiosidade. Ou seja, além de carinho, o Brasil desperta – por ser um país tolerante e miscigenado – o respeito do mundo. Portanto, a Copa do Mundo é um momento de afirmação de tais valores.

“Existe preconceito contra a Copa que está no papel.” O que exatamente o senhor quis dizer com essa frase?

Os jornalistas aqui adoram dizer que “a obra não saiu do papel”. É preciso entender que a obra no papel já é parte importante das obras propriamente ditas. A realização do projeto executivo da obra no papel, portanto, também é importante. A licitação, por exemplo, é no papel e é importante. O contrato é outra etapa que está no papel e, igualmente, é importante. E as notícias sobre a Copa, por sua vez, que também estão no papel, são importantes. Não é porque “está no papel” que perde a importância.


E o andamento das obras do Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT, para a Copa, está preocupante?

Temos projetos em vários estados sob responsabilidade dos governos estaduais e das prefeituras. O governo está acompanhando e trabalhando com a expectativa de que as obras do VLT sejam concluídas. As que não forem concluídas para a Copa serão concluídas após o Mundial. Serão obras importantes para a população das cidades.

À época do Código Florestal, o senhor teve uma crise com a ex-ministra Marina Silva. Como vai a relação com ela hoje?

Eu não guardo mágoas de ninguém. Possuo grande apreço pela Marina. Inclusive, ela é palmeirense como eu. Nós temos diferenças de opinião sobre o Brasil e a respeito do papel da Amazônia: ela acha que aquilo é um paraíso. Só fala que a Amazônia é um paraíso quem não conhece como aquela população vive lá. É o menor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do Brasil, o mais baixo índice de longevidade. Há deficiências de transporte, infraestrutura e educação. A Amazônia precisa de progresso. A Marina tem outra opinião, mas eu respeito. No Código Florestal, essas diferenças se apresentaram. Mas ficamos para resolver isso, não é uma queda de braço. É mais uma luta de ideias e conceitos sobre o Brasil.

Um dos projetos mais polêmicos de sua autoria foi a criação do Dia Nacional do Saci-Pererê. Dada a força dessa lenda, o senhor acredita que o Saci poderia ter sido escolhido como mascote da Copa?

Tem gente que diz que o Saci tem as duas pernas e só dá visibilidade à outra perna às crianças que não fazem coisa errada. O Saci é um mistério. Eu acredito que o Saci, com uma perna só, é capaz de fazer mais coisa do que muitos “seres comuns” com as duas pernas. Por essa razão, eu acho que ele poderia ter sido, sim, o mascote da Copa. Já é o mascote do Inter [Esporte Clube Internacional de Porto Alegre]! [risos]

Sobre o novo Código Florestal, que avaliação o senhor faz a respeito da sanção parcial feita pela presidente Dilma? Será possível conciliar anseios de ambientalistas e ruralistas?

Eu fui relator desse projeto na Câmara dos Deputados e agora, enquanto ministro, respeito a posição da presidente, que buscou o equilíbrio entre o meio ambiente e a agricultura. O caminho é buscar o equilíbrio entre o desenvolvimento e a natureza. O Brasil não pode absolutizar a natureza e condenar o desenvolvimento nem sacrificar a natureza em prol do desenvolvimento. É isso o que precisa ser buscado.