Elis Regina & Tom Jobim
© Antonio Carlos Jobim
''É pau, é pedra, é o fim do caminho"... O começo de "Águas de Março" já está impresso no fundo do subconsciente do povo brasileiro. Pouca gente sabe, mas a canção foi lançada primeiramente por Jobim, no compacto Disco de Bolso, o Tom de Jobim e o Tal de João Bosco, encartado no jornal O Pasquim. Depois ela foi incluída em seu disco Matita Perê, lançado em 1972. No mesmo ano, Elis Regina a gravou no álbum Elis. Mas a versão que muitos consideram definitiva foi registrada por Elis e Tom no disco de mesmo nome, lançado em 1974, com arranjos de Cesar Camargo Mariano. Em comemoração aos 30 anos do lançamento, em 2004, apareceu uma versão em CD remasterizada e também uma versão em DVD áudio. Elis e Jobim cantam juntos de forma descontraída, e o registro inclui as risadas de Elis, mostrando satisfação pelo resultado do improviso final. Mas sabe-se que inicialmente não foi assim: Tom não queria o piano elétrico de Cesar na gravação, o que causou um certo constrangimento, mas logo superado, a partir do resultado dos arranjos, de algumas horas de estúdio e do perfeito entrosamento entre Elis e Tom. "Águas de Março" já foi considerada, em outras oportunidades, como a mais importante canção de todo o cancioneiro popular brasileiro. Revela uma faceta de Jobim, que é a de letrista, e reafirma as suas preocupações com a ecologia. Chico Buarque chegou a dizer que "Águas de Março" é o samba mais bonito do mundo. Tom gravou-a também numa versão em inglês feita por ele mesmo ("Waters of March"). A versão na língua britânica foi gravada por Art Garfunkel, Jane Monheit, Basia, Al Jarreau e muitos outros. O crítico Leonard Feather chegou a declarar uma vez: "É uma das dez músicas mais bonitas do século". "Águas de Março" descreve um momento típico da estação das chuvas no Brasil, o mês de março, que marca o fim desse período no verão, de chuvas torrenciais e ventania. Passa a ideia de que tudo está molhado e relata o cotidiano, usando elementos da flora, da fauna, do folclore e de brasilidade, reforçados pela presença de palavras como toco, pau, pedra, pesca, regato, fonte, chuva, céu, sol, garrafa de cana, festa da cumieira, lama, mormaço, sapo, rã, passarinho, peixe, anzol, estrada, estrepe, prego, peroba, o Matita Pereira. O elemento água é metáfora de um renascimento, promessa de vida. Interessante é notar que toda a letra é afirmativa, com o uso recorrente de o verso ser conjugado sempre na terceira pessoa. A melodia vai em um lento e malemolente crescimento em sintonia com a letra, como uma enxurrada e também como se fosse chuva aumentando de intensidade para no final prometer o início de uma vida renovada, sol e céu aberto, com o fim do ciclo das águas. Como aconteceu com boa parte da obra de Tom Jobim.