As alegrias e as tristezas de um período que, além de Copa e eleições, teve disco novo do U2, uma série de “desacontecimentos” e a consolidação da palavra gourmet
Até as surpresas dos últimos 12 meses tiveram gosto de reprise
Nós já sabíamos o que impressionaria em 2014 antes mesmo de o ano começar: eleições presidenciais e Copa do Mundo. Por isso, tudo o que não era política ou futebol foi uma morosa continuação de algo que a gente já conhecia, vide as sequências dos filmes de super-heróis pipocando nos cinemas: Capitão América: o Soldado Invernal, O Espetacular Homem-Aranha 2... Já tínhamos assistido à gênese de tudo isso em anos passados.
A hegemonia do hip-hop nacional foi um desses repetecos. O pop foi o farol da música brasileira com os discos de Racionais MC’s e Criolo, mas já havia iluminado 2013
com os álbuns de Emicida e Edi Rock.
Outra continuação está em cartaz na internet mais perto de você: Celebridades Nuas 2 – O Vazamento. A lista de vítimas em 2014 é volumosa, incluindo as cantoras
Ariana Grande, Rihanna, Selena Gomez e a atriz Jennifer Lawrence, mas a repercussão não foi grande coisa se comparada ao primeiro escândalo da série. Quando as fotos
da atriz Scarlett Johansson vazaram, a selfi e dela no espelho do banheiro virou até meme. Nada como o ineditismo!
O Disco Subiu no Telhado?
Vaivém do álbum físico voltou ao centro do debate
As transformações no mercado fonográfico são assunto desde a criação do Napster, em 1999, mas só agora é possível afirmar que não há mais um modelo para a comercialização da música. Afi nal, o U2 deu de presente um disco de inéditas para 500 milhões de pessoas via iTunes. Para surpresa da banda – e minha –, teve
gente que não gostou. Taylor Swift fez o inverso: disse que quem quer música tem mais é que pagar e retirou todas as faixas dela do Spotify. Para confundir ainda mais minha limitada cabecinha, essa atitude antipática o público apreciou, pois o novo disco dela, 1989, se tornou o primeiro e único lançamento de 2014 a vender 1 milhão de cópias na semana de estreia, entre downloads e CDs. O disco físico pode até não ter subido no telhado, mas minha capacidade de compreensão já está lá faz tempo.
Para os Deuses do Entretenimento
Shia LaBeouf foi a oferenda do ano ao olimpo multiplatinado do pop
Ano vai, ano vem, sempre tem um famoso para soltar os pinos. A explicação pode ser psiquiátrica, mas uma das maiores autoridades em antropologia pop, o
South Park, tem outra teoria: a cada 12 meses, uma celebridade deve ser sacrificada como oferenda aos deuses do entretenimento para garantir a colheita pop do ano seguinte. Faz todo sentido! Britney Spears já foi oferenda, Charlie Sheen, Tom Cruise, Justin Bieber... Em 2014, foi a vez de Shia LaBeouf. O ator apareceu no tapete
vermelho do Festival de Berlim com um saco de papel na cabeça estampando a frase “Não sou mais famoso”. E, quando nada poderia ser mais insano, LaBeouf deu uma
entrevista em que permaneceu calado por uma hora inteira com uma câmera na cabeça. Obrigado, Shia, graças a você a colheita pop em 2015 promete.
Tempos de "gourmetização"
Quer pagar caro? Sempre existe uma versão gourmet para você
Ficou pequeno para palmirinha: em 2014, até cachorro-quente virou gourmet, pois a salsicha é feita da mais tenra carne de selecionados javalis albinos das ilhas
Maurício. O preço da iguaria é tão pirotécnico quanto a receita, mas você não está comendo só um dogão, afinal de contas.
A “gourmetização” não é um fenômeno apenas culinário. Com torrents de graça por aí, não é tão fácil encontrar alguém disposto a pagar por um CD, mas, quando o produto é um disco de vinil que brilha no escuro, há fila para comprar. Pergunte ao Jack White.
O guitarrista, ou melhor, o empresário White aplicou a lógica gourmet à gravadora dele, a Third Man Records, e prosperou em plena crise da indústria fonográfi ca. Até caminhãozinho Jack tem, o Third Man Rolling Record Store, que, além de vender os discos exclusivos do selo, serve como palco para pequenas apresentações.
Na onda gourmet, o Food Truck já chegou ao Brasil, agora só falta o Music Truck.
Pequenos Detalhes
Coisas que você não pode deixar de saber sobre o ano que passou
Parafraseando o Rei Roberto Carlos, “não adianta nem tentar esquecer, durante muito tempo em sua vida, 2014 vai viver”. Por exemplo, só no ano passado o mundo
descobriu que o motivo de Bono, vocalista do U2, estar sempre de óculos escuros não é preciosismo fashion, é glaucoma. Outro pequeno grande detalhe do ano que
acabou é que o solteiro nº 1 do mundo não está mais soltinho na noite hollywoodiana – George Clooney se casou com a advogada Amal Alamuddin. E o showbiz entra em
2015 sem um seio familiar perfeito. O posto de Beyoncé e Jay Z, que adoravam posar de “família comercial de margarina”, está vago desde que a cunhada Solange Knowles acabou com a farsa dentro de um elevador, distribuindo sopapos no rapper. Agora, a família de Beyoncé é apenas normal.
Tava Ruim, Aí Parece Que Piorou”
Um meme clássico e sagaz da internet resume as eleições 2014
O ano de 2013 entrou para a história como aquele em que o “gigante acordou”. A população foi às ruas com cartazes estampando reivindicações como “Me chama de Copa e investe em mim”, “Não é só pelos R$ 0,20, é pela série B que o Fluminense tá devendo” e “Na Arábia Saudita ladrão é amputado, no Brasil é deputado”.
Por essas e outras, o ano de eleição prometia. Ficou só na promessa: não amputaram nem os mandatos dos deputados, já que apenas 38,6% da Câmara foi
renovada e as mudanças, aparentemente, a tornaram mais conservadora do que ela já era. Ou seja, o resultado da indignação do gigante pode ser sintetizado por um clássico da internet, o profético “já tava bom, mas ia mudar pra melhor, porque não tava muito bom, tava meio ruim também; é, tava ruim e agora parece que piorou”.
Goleada infinita
A Copa acabou e com ela foi embora o orgulho da seleção
Após 64 anos, gol da Alemanha, nós orgulhosamente voltamos a sediar uma, gol da Alemanha, Copa do Mundo. Não olhe agora, mas embaixo da sua cama tem
um... gol da Alemanha.
O ônibus da nossa seleção de futebol estampou o slogan “Preparem-se, o hexa está chegando!”, inspirado no bordão “Brace yourselves, the winter is coming!”,
da série Game of Thrones. Na época, eu atribuí a escolha da frase ao único ponto em comum entre a série gringa de TV e nosso país: sexo gratuito.
Foi otimismo: agora eu vejo que o slogan era o prenúncio do massacre alemão, pois a Copa foi um verdadeiro “Red Wedding” brasileiro. Spoiler: “Red Wedding”
é o nome de um episódio de Game of Thronesem que uma família praticamente inteira morre assassinada, como morreu a “família Felipão” em pleno Estádio
Mineirão.
Por isso eu afirmo, sem ironia, que o melhor da Copa foi a música “País do Futebol”, do MC Guimê. E gol da Alemanha!
O Que Não Aconteceu
Também nos lembraremos do ano por quem não foi lembrado
Não se faz uma retrospectiva apenas com fatos. O que não aconteceu também é fundamental – e 2014 foi um ano cheio de “desacontecimentos”. O primeiro deles é a Lady Gaga. Chegaram a dizer que era a nova Madonna, mas, em 2014, puf, sumiu. Reapareceu com um disco ao lado de Tony Bennett (que pode até estar na lista de melhores desta revista, mas não se compara ao fenômeno “Gaga” de tempos passados, convenhamos). Psy é outro. O coreano era a última fronteira do pop. Era. Se o vídeo de “Gangnam Style” “quebrou a internet”, o clipe lançado por Psy em junho deste ano, da faixa “Hangover”, mal passou das 165 milhões de visualizações, marca que o último vídeo da Taylor Swift, lançado em novembro, já bateu. Mas, para não dizerem que eu sou espírito de porco e gostei dos sumiços de 2014, uma coisa desapareceu a meu contragosto: a água.
Doces Promessas
As expectativas para 2015 não repousam sobre grandes novidades
O ano de 2014 não deixa os calendários para entrar nos livros de história, mas lança promessas que o seu sucessor terá de se virar para cumprir. A lista de discos esperados em 2015 vai de Bob Dylan a Fergie, passando por Björk, Faith No More e Black Sabbath. O Guns N’Roses também prometeu, mas esperar disco novo do Axl é tão ingrato quanto esperar o ônibus: se não demora, passa lotado – ou, no caso do Guns, passa chutado. O cinema promete mais um fi lme da série Os Vingadores, um novo Jurassic Park, Cinderela, e, em dezembro, Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força, o primeiro da saga depois de George Lucas tê-la vendido para a Disney. Aí, quando você perceber, já será 2016, uma celebridade terá sido sacrifi cada e os deuses do entretenimento retribuirão a oferenda com a nova temporada de Twin Peaks.