De que valeram as comemorações dos 50 anos do gênero mais importante da MPB
Foram apresentações memoráveis, cada qual por sua razão muito peculiar. Os concertos de João Gilberto, pela perfeição estética inacreditável que alcançaram. A homenagem conjunta de Caetano Veloso e Roberto Carlos à obra de Tom Jobim, por ter conseguido o improvável: mostrar o Rei dividindo seu terreno (o palco) em pé de igualdade com outro artista - e cantando um repertório não-autoral. E o encontro de João Donato com os "jovens" Adriana Calcanhotto, Bebel Gilberto, Fernanda Takai, Marcelo Camelo, Marcelo D2 e Roberta Sá, por expor, mesmo que à revelia, os desencontros entre os universos (e personalidades) dos participantes.
Com sessões em São Paulo e Rio de Janeiro, os shows - mais uma exposição sobre o tema na Oca (SP) - compuseram o pacote de comemorações do cinqüentenário da bossa nova promovido pelo projeto ItaúBrasil.
Mas, além do prazer, maior ou menor, que cada show provocou individualmente nos poucos privilegiados que os assistiram ao vivo, de que valeram essas comemorações?
"A principal contribuição foi levar à juventude o conhecimento de uma obra da melhor música popular brasileira que uma grande parte desconhecia", responde Zuza Homem de Mello, um dos curadores do projeto. "Para isso, não só os shows tiveram um papel muito importante, mas também a exposição. Era uma riqueza que estava fora da perspectiva da juventude."
Opinião parecida tem outra curadora do evento, Monique Gardenberg: "O mais importante foi chamar a atenção para um movimento artístico único que o Brasil produziu, que repercutiu planetariamente e que a gente precisava reviver de alguma maneira. E contar para as novas gerações a dimensão que essa invenção teve."
Um dos responsáveis pela exposição na Oca, o cineasta Carlos Nader conta que sua principal intenção com esse trabalho era desvincular a bossa nova da idéia de "musiquinha de elevador". Conta que, quando embarcou no projeto, ele mesmo ainda não tinha uma idéia clara em relação a todas as nuances existentes entre o que a bossa nova realmente é e o que ela parece ser. "O conceito que as pessoas guardam [da bossa nova] é justamente o oposto dela: a 'leveza', a 'ingenuidade', o 'otimismo', o 'nhenhenhém'. Quando ela é, na verdade, uma experiência ultra-radical que mudou os signos das coisas. É mais ou menos o mesmo que fez, nas artes plásticas, [o francês Marcel] Duchamp", compara. "Se por um lado essa descoberta abriu um caminho maravilhoso e libertário, por outro gerou espaço para a picaretagem - que é como muita gente vê a bossa nova até hoje. A coisa não é tão simples quanto as pessoas imaginam."
E não é mesmo. Prova disso, na prática, foram os shows dedicados a João Donato. Mal ensaiados e sem traquejo para o improviso, nenhum dos representantes da "nova geração" (em alguns casos nem tão nova assim) fez jus a obra do homenageado. Não funcionou como espetáculo, ainda que tenha servido muito bem para expor o que cada um (não) tinha de bossa nova - ou, ao menos, de "donatiano" - em seu DNA. O fato de esse desencontro ter acontecido justamente no show onde os artistas mais novos estão envolvidos quer dizer alguma coisa? "Certamente. Tem que haver uma vivência para a interpretação", opina Homem de Mello. "Alguns artistas visivelmente não tinham e, por isso, não conseguiram imprimir na interpretação aquilo que é inerente à canção original. Se você não fizer o approach correto, não chega à essência da obra." E completa: "Naquele show, o melhor exemplo disso era a Roberta Sá, que estourou na ponta. Ela realmente tem essa vivência, tem intimidade com aquela obra".
No mais, as comemorações da bossa nova devem render um Natal bem diferente para os brasileiros este ano: como os shows com Caetano foram gravados, o tradicional especial de Roberto Carlos vai ser inteiro embalado com a música de Antonio Carlos Jobim. Vai ser até divertido trocar "Emoções" por "Eu Sei que Vou te Amar" uma vez na vida.