Regionalismos, batuques e Gilberto Gil dão os tons da edição 2008 do Festival de Jazz de Montreux
Ano após ano, uma onda de festivais de música, cinema e artes cênicas varre o continente europeu durante o verão. Na Suíça, não é diferente. Nas estações de trem e ruas das principais cidades, folhetos, flyers e cartazes concorrem pela atenção de nativos e viajantes, que vagam entre o frenesi da oferta e a angústia de não poder ver tudo, ainda que tivessem dinheiro pra pagar. Em Zurique, acontece a Street-Parade, que por três dias embala milhares ao som da música techno. É comparada à Love Parade de Berlim, provavelmente no que esta tem de melhor. Locarno promove um festival internacional de cinema e um de funk, cujo nome é um refrão: I Feel Good. Em Lucerna, hordas acorrem ao Musikfestwochen, maratona de ópera e música clássica inaugurada em 1938. Lausanne tem o Festival de la Cité, que vai do rock ao afrobeat, da música celta à lírica, sem falar nos balés, peças de teatro, workshops, oficinas e belas mulheres.
Mas nada desafia a projeção conquistada pelo Festival de Jazz de Montreux, este ano na 42ª edição. Por ali passou quase todo mundo, das fileiras mais ortodoxas do gênero, como Dizzie Gillespie, Ella Fitzgerald, Count Basie, Oscar Peterson, Art Blakey, Miles Davis, Herbie Hancock, Wynton Marsalis e Courtney Pine, aos progressistas na linha Stanley Clarke, Weather Report, Spyro Gyra e Yellowjackets. Mais ainda, em quatro décadas de história, o evento contribuiu para que o termo jazz ganhasse novo significado, dando vez ao blues, ao rock, ao soul, ao reggae e outras vertentes. Já tocaram por lá João Gilberto, Jethro Tull, Peter Tosh, Iggy Pop and The Stooges, Astor Piazzola, David Bowie, Youssou N'Dour, Black Eyed Peas, BB King, Massive Attack, para ficar numa lista breve e diversa.
O criador do Festival de Montreux, Claude Nobs, 72 anos, traz no corolário a glória de ser citado na letra de "Smoke on the Water", do Deep Purple: "They burned down the gamblin' house,/It died with an awful sound/and Funky Claude was running in and out/Pulling kids out the ground". Ele estava no Casino de Montreux em 1971, na tarde em que, durante um show de Frank Zappa e os Mothers of Invention, um babaca disparou um sinalizador dentro do teatro, provocando o incêndio que inspiraria a letra do clássico. Claude arriscou a vida tirando crianças que permaneciam dentro do prédio enquanto, sem saber, entrava para a história do rock. Mas ele já tinha fogo no rabo. Sua vocação para o mundo do entretenimento dera liga quatro anos antes, quando dirigia o escritório de turismo da cidade e resolveu organizar o primeiro desses festivais, com Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Charles Lloyd e outros bambas. É muito por gosto de "Funky Claude" que, desde 1978, as noites de música brasileira compõem esse queijo suíço, prestigiando alguns de nossos gêneros como o samba, o forró, o frevo, o Hermeto Pascoal e o Jorge Ben Jor.
Este ano, no xadrez da programação de 15 dias (de 4 a 19 de julho), com mais de 100 espetáculos, estavam Gnarls Barkley, Paul Simon, Joan Baez, Leonard Cohen, Lenny Kravitz, Sheryl Crown, Erykah Badu, M.I.A., Buddy Guy, John Mayall e as bandas Nazareth e Deep Purple. O Brasil pontuou vários dias e noites com Gilberto Gil, Elba Ramalho, Mart'nalia, João Bosco, Milton Nascimento e o Jobim Trio. Aconteceu também um encontro só de forró, um dream team formado pelos acordeonistas Flávio José, Pinto do Acordeon e Aleijadinho do Pombal, o Trio Tamanduá e três convidados - Chico César, o bandolinista Hamilton de Holanda e o francês Richard Galliano, conhecido como "o Hendrix do acordeon". No palco externo, rolou uma apresentação do Spok Frevo Orquestra, de Pernambuco, e do obscuro Bruno Nunes, da Bahia, ao lado da muito menos famosa Preserve Amazônia Band. Em duas oportunidades, um certo "Brazilian Boat" singrou as águas do lago ao cair da tarde, proporcionando baticum de gosto duvidoso regado a drinques incluídos no pacote. Teve ainda as apresentações do DJ Marky e do Cansei de Ser Sexy - embora esses, de tão internacionais, nem entrem na lista de brasileiros.
Você lê esta matéria na íntegra na edição 24 da Rolling Stone Brasil, setembro/2008