Amigos próximos e seguidores relatam as últimas lembranças ao lado do artista
Mick Jagger
Ele tinha estilo – aquela atitude de hipster de Nova York. Ele era bem grosseiro em entrevistas, mas, pessoalmente, na verdade era simpático – só não era efusivo demais. Ele não era de abraçar, e isso era bom. Todo mundo fala do punk, mas, para mim, ele foi o Johnny Cash do rock de Nova York; sempre foi o homem de preto. Eu costumava recebê-lo de vez em quando em Nova York, e ultimamente ele costumava me visitar em Mustique [no Caribe], que não é o lugar mais óbvio para Lou Reed passar as férias – cheio de ingleses aristocratas. Mas, quando eu o via lá, ele ainda mantinha o estilo.
A surpresa para mim foi “Walk on the Wild Side”. Era melódica, boa mesmo, muito original, com o vocal de fundo e o baixo acústico – uma maneira original de apresentá-lo. Mas “I’m Waiting for the Man” foi minha primeira grande canção de Lou Reed. Gostei dela por ser tão minimalista, no arranjo e nos acordes – e o som de guitarra era grunge antes de o grunge existir, lá em 1967.
Sam Shepard
Nos anos 60, eu fazia parte de uma banda chamada Holy Modal Rounders, e nós abrimos para o Velvet Underground em Boston. Nico estava lá. Eles tinham aquele som incrível com [John] Cale fodendo tudo com a viola por cima. Lembra aquele primeiro álbum, com o vidro quebrado em “European Son”? Parece uma vidraça quebrando. O Rolling Stones não fez nada assim! Aquela era uma banda dos infernos. A droga de que a minha banda gostava era crystal meth, mas o Velvet falava de heroína!
Lou foi um letrista extraordinário. As letras dele eram uma combinação incrível de imagens e hieróglifos. “The people all call her Alaska/ Between worlds because the people ask her/ ’Cause it’s all in her mind” (as pessoas a chamam de Alasca/ entre mundos porque as pessoas lhe perguntam/ porque está tudo na cabeça dela) – um dos melhores versos. Ou aquele de “Sweet Jane”: “Everyone who ever had a heart/ Oh, they wouldn’t turn around and break it/ And anyone who ever played a part/ Oh, they wouldn’t turn around and hate it” (todo mundo que já teve um coração/ ah, não ia dar as costas e parti-lo/ e qualquer pessoa que já teve um papel/ ah, não ia dar as costas e odiá-lo). Uau! Ele estava escrevendo o presente, a partir de suas próprias experiências, mais ou menos como David Foster Wallace, o tipo de escritor que vem de um ângulo em que ninguém tinha pensado.
Dion DiMucci
Eu estava almoçando com Lou um dia, e ele soltou: “O único medo que eu tenho é de morar no subúrbio”. Achei tão engraçado. Já disseram que Lou era um cara difícil, mas ele era tão humilde comigo, e tão doce. Eu detesto não ser cool a esse respeito, mas existia muito amor ali.
Albert Hammond Jr.
Eu me lembro de escutar Loaded com Julian Casablancas no nosso apartamento na 18th Street, seguidas vezes. Foi a fagulha que deu início ao Strokes. Nós queríamos conseguir aquele som quente, aquele clima. Lou falava sobre a realidade de um jeito que fazia todos nós pensarmos que também éramos capazes. Ele falava sobre sexo e drogas e vida real; isso teve um efeito enorme sobre as letras de Julian.
Quando começamos, vivíamos esbarrando com Lou. Uma vez, ele estava autografando um livro na Barnes & Noble, e Julian e eu fomos lá. Ficamos discutindo sobre quem ia lá falar com ele; finalmente, Julian perguntou: “Pode assinar isto para mim?” Lou olhou ao redor, e não tinha caneta, e ele disse: “Está pensando o que, que vou escrever com o meu sangue?” – foi condescendente, mas foi tão maravilhoso.
Mais tarde, ouvimos dizer que Lou gostava da nossa música; fizemos “Walk on the Wild Side” com ele na festa da edição 1.000 da Rolling Stone, em 2006. Quando saímos do palco, ele estava emotivo; ficou muito comovido com aquilo. Foi uma sensação tão boa. Só de falar nisso agora, fico arrepiado.
Michael Stipe
Musicalmente, Lou Reed foi profundamente importante, mas havia outro elemento no personagem público dele que não pode ser ignorado: ele foi o primeiro ícone gay do século 21, 30 anos antes deste século começar.
Já no final da década de 1960, Lou proclamou com uma sinceridade lindamente confusa uma enorme compreensão do século 21 a respeito de uma sexualidade fluida, móvel. Ele viu além – e viveu do lado de fora – de uma sociedade trancada em uma divisão simplista de heterossexual/ gay. Por meio de seu personagem público, da arte e da música dele, recusou rótulos com ousadia, misturando as coisas de maneira muito pública e fornecendo uma verdadeira avenida de exploração sexual e exame de identidade. Ele era indefinível, era outro, estava fora da sociedade. Ele liderou um novo cool, e não se importava se você “sacava” ou não. Muita gente sacou: Bowie, Iggy, o New York Dolls, Freddie Mercury e o Queen, Elton John, Marc Bolan, Brian Eno e o Roxy Music; e depois no punk rock, com Patti Smith, Television, The Damned, The Stranglers, Sex Pistols; ao mesmo tempo, Bee Gees, Village People, Grace Jones; e até Joy Division, B-52s, Madonna, Prince, Culture Club, Depeche Mode, Beastie Boys, The Smiths, R.E.M., The Replacements, Jane’s Addiction, Pixies, Nirvana, Björk, Antony and the Johnsons, Peaches, Scissor Sisters, Lady Gaga... a cada segundo, a lista cresce exponencialmente. Toda criança do século 21 que não é careta deve a ele um momento de reflexão e um agradecimento.
Julian Schnabel
Acho que Lou nunca se sentiu muito satisfeito. Ele se sentiu vingado pelo revival ao vivo de Berlin em 2006, mas, poucos dias antes de morrer, nós estávamos assistindo ao filme que fizemos desse show, e ele perguntou: “Alguém sabe?” Ele nunca sentiu que as pessoas realmente entendiam. De certo modo, ele sempre se sentiu pouco apreciado, o que é uma loucura. Ele escreveu letras e falou sobre coisas que eram simplesmente tão específicas, e de um mundo de emoções que na verdade não tinha sido incluído nas canções de rock and roll.
Alguém disse que o Velvet Underground só teve alguns milhares de fãs, mas todos montaram bandas. Quando você ouve a voz de Lou realmente e pensa no punk e pensa no que aconteceu... ele abriu as comportas, a porta onde a realidade nua e crua podia ser exibida.