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O Melhor Amigo de Django

Austríaco Christoph Waltz rouba a cena em Django Livre, segundo filme consecutivo como coadjuvante de luxo de Quentin Tarantino

Pablo Miyazawa Publicado em 10/01/2013, às 15h26 - Atualizado às 16h26

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Christoph Waltz - Divulgação
Christoph Waltz - Divulgação

Vestido impecavelmente com terno e camisa, Christoph Waltz quer beber um chá. Naquela manhã de outubro, o ator austríaco está pronto para falar sobre seu papel em Django Livre, que estrearia três meses depois. “Eu também não assisti a muito mais do que isso”, ele se desculpa, quando comento que a distribuidora liberou apenas dez minutos de cenas para a imprensa. Naquele exato instante, Quentin Tarantino trabalhava fervorosamente na finalização de seu faroeste à italiana, enquanto o elenco se encarregava de conversar com a imprensa mundial em um hotel de luxo em Beverly Hills. E assim como ocorreu em 2009, com Bastardos Inglórios, Tarantino novamente jogou nas costas de Waltz a responsabilidade de ser o alívio cômico em meio à violência desenfreada na tela.

Em Django Livre, que chega aos cinemas brasileiros em 18 de janeiro, Waltz é o dentista King Schultz, que ganha a vida como um mercenário que caça facínoras em troca de recompensas no auge da escravidão nos Estados Unidos. A presença carismática e a capacidade de destilar longos textos com fina ironia lhe renderam mais uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante (em 2010, ele venceu o mesmo prêmio por Bastardos Inglórios). Na entrevista a seguir, ele comentou sobre a bem-sucedida parceria com Tarantino, explicou a química com Jamie Foxx (que faz o papel-título) e relembrou a paixão por histórias do Velho Oeste.

Entrevista: chegando à casa dos 50, Quentin Tarantino comemora a boa forma de sempre com seu filme mais ambicioso, Django Livre.

Em Bastardos Inglórios, você é o pior vilão possível, o oficial nazista cruel. Mas em Django Livre, você é o herói, o mocinho da história.

Essa é mesmo uma boa maneira de se pensar: o mocinho é o herói só porque ele é bom? E o cara mau é o vilão só porque o consideramos ruim? Eu não acho que funciona desse jeito com o Quentin. Acho que é bem mais complexo. Assim como é na realidade, no mundo real. Há várias pessoas realmente boas que no final das contas não fazem nenhuma diferença para a humanidade. E há muitas pessoas ruins que viram as coisas de ponta-cabeça, o que acaba significando um progresso fabuloso. Julgar essas coisas sob um só ponto de vista é sempre complexo. Em retrospecto, dá para dizer que sim. Mas, acho que muita ruindade vem de pessoas boas, e muitas coisas boas podem surgir de gente ruim.

Mas, pessoalmente, você se sente melhor interpretando um personagem que é motivado por boas ações?

Motivado pelo bem? Bem... sim. Mas sempre temos que saber diferenciar uma opinião particular de um ator e o personagem que ele faz, sabe? Pessoalmente, não acho que as duas coisas deveriam se misturar. Eu não posso impor minha opinião em um personagem que foi escrito por outra pessoa. Eu posso tentar fazer funcionar, para a história funcionar. Mas não posso julgar pelo meu ponto de vista. Porque isso não ajuda em nada. Você consegue se julgar moralmente através de uma perspectiva exterior quando voa até Los Angeles para fazer entrevistas? Não, você o faz porque está convencido de que é isso que faz da vida, que isso está de acordo com suas características, talentos, habilidades, inteligência, educação... Tudo o que você tem diante de si. E você não vai hesitar: “Será que sou o cara legal aqui, estou fazendo as escolhas morais corretas? E se não forem, vou condená-las?” Você apenas faz o que precisa fazer. Então, interpretar um personagem é mais ou menos a mesma coisa: você não o julga. Porque isso não lhe ajuda em nada.

O interessante sobre Hans Landa, seu vilão em Bastardos Inglórios, é que o público foi com a cara dele, mesmo sendo o cara ruim. E não parece que você precisou se esforçar muito para criar um personagem adorável. Mas agora, seu novo personagem é ainda mais adorável – Dr. King Schultz. Ele conversa sorrindo, daí atira na cabeça do bandido, e o público continua torcendo por ele...

[Risos] Você falou no ritmo certo: “Você vê esse cara, ele é tão legal, ele fala, sorri, atira na cabeça do sujeito...” Bom, é o Quentin quem cria essas coisas. Eu só as realizo. Eu adoro isso, esse aspecto. Porque alivia você dessa moralidade. É mais “moralístico”, na verdade. E isso alivia essa coisa de ter de ser obrigatoriamente opinativo, o que é um fardo. E Quentin escreve essas coisas maravilhosas, que são um pouco maiores do que a vida, acima da realidade, mas que ainda assim, são parte de uma realidade. E é exatamente isso que a arte deveria fazer. Ela não deveria se esconder por trás da realidade, mas flutuar sobre ela. Flutuar talvez seja demais, mas... ir além. É por isso que considero Quentin um artista.

Qual sua base em filmes de faroeste? Por ser um ator de origem europeia, esse gênero fez parte de sua formação?

Sim, claro. Eu me lembro quando o Django original foi lançado, que foi um grande sucesso na Europa. Só que eu era muito novo para assisti-lo, tinha 10 anos de idade quando saiu [em 1966]. Fez um enorme barulho, era violento, e tornou o Franco Nero uma grande estrela. Especialmente após a Segunda Guerra, os faroestes ficaram muito populares na Europa. Em se tratando de literatura alemã, não sei se você já ouviu falar de um autor chamado Karl May, que escreveu 73 livros, dos quais 50 são sobre o Velho Oeste. Ele as escreveu dentro de uma cadeia em Dresden, na Alemanha – não todos, mas os mais famosos. Um dos principais dele é sobre um chefe Apache, cheio de índios, conflitos... E ele nem deve ter visto fotos dessas coisas! Bem, ele deve ter visto fotos, mas nunca saiu da Alemanha durante a vida toda. E ele escreveu tudo quando estava preso em Dresden. Todo menino que cresceu falando alemão lê esses livros. E é claro que eles fizeram filmes baseados nessas histórias – eu os assisti quando criança. Havia faroestes na televisão o tempo todo. E nós brincávamos de caubóis e índios. Os caubóis eram sempre os mocinhos, e os índios, os bandidos. Sabe como é, para nós isso era algo que estava a milhares de quilômetros de distância [risos].


Qual a diferença de trabalhar com Quentin Tarantino hoje, se comparado há quatro anos? Ele mudou o jeito dele dirigir? Amoleceu com a idade?

Não, não. Ele nem mudou o estilo, nem amoleceu. Mas há exigências diferentes, já que as circunstâncias e os parâmetros são diferentes. Toda a situação, o ponto de partida, a história, tudo foi diferente. Então, não é uma repetição. Eu estava bastante consciente do perigo que a repetição pode trazer. Talvez eu até tenha me preocupado demais em não repetir nada. Mas eu tive um período maravilhoso durante as filmagens de Bastardos Inglórios, e o perigo é que o ser humano sempre tenta repetir as experiências boas. Mas fazer isso não teria servido ao propósito desse novo filme.

Mas você sente que há semelhanças entre seus personagens, mesmo que pequenas coisas? E entre os dois filmes?

Não. Você sempre pode traçar paralelos, sabe? Não nos levaria mais de três minutos para traçar paralelos entre eu e você. É possível construir qualquer coisa, assim como é possível desconstruir qualquer coisa. Eu pessoalmente já não sei se a desconstrução é o método adequado de se encarar as coisas...

Isso é algo que jornalistas costumam fazer bem, certo?

Sim, mas isso é algo positivo. Você sempre pode fazer isso, e é difícil decidir o limite quando algo não faz o menor sentido porque se tornou arbitrário, ou um mero exercício intelectual para mostrar ao mundo que você é capaz de fazer isso. É a mesma coisa quando se traçam paralelos: se você tiver um pouco de agilidade mental, é algo fácil de se fazer. Mas pensando na narrativa, de um ponto de vista arquétipo, não [há semelhanças entre os personagens]. De maneira alguma.

Em Django Livre, você atua a maior parte do filme ao lado de um único ator, Jamie Foxx. A química entre vocês parece bem forte. Quando as filmagens começaram, vocês tentaram se dar bem nos bastidores, para ajudar a construir essa relação?

Um pouco, mas não como fazem você acreditar que é necessário na escola de teatro. Imagine que aqueles exercícios de dinâmica de grupo são divertidos quando se tem 19 anos, mas não quando você já sabe o que está fazendo... O que fizemos foi criar uma amizade: a gente se entendeu e nem precisamos fazer muito mais do que isso. Nós apenas contamos e confiamos um no outro: “Você faz o que tem de fazer e eu aceito, e vice-versa”. Aliás, foi bem parecido com o jeito como os personagens funcionaram no filme.

Na Áustria, seu país de origem, você já sente como se fosse considerado “o cara que deu certo em Hollywood”? Ou as pessoas por lá não costumam ligar muito para isso?

Sim, bastante. Porque não é uma coisa muito comum. No fim das contas, eu não sei lhe dizer. Eu não acompanho muito isso, não tenho detetives particulares para verificar como anda o clima [risos]. Eu não sei. Acho que sim, mas por outro lado, depois que eles viram aonde cheguei, já não ligam mais para essas coisas.

Você desenvolveu uma amizade com Tarantino ao longo dos anos. Quais outros interesses vocês dividem fora do mundo do cinema?

Na verdade, a gente evita esse tema quando nos encontramos. Falamos um pouco sobre cinema, mas normalmente sobre filmes antigos. Daí, deixamos o assunto para lá. É até estranho, porque você iria esperar que Quentin não fala sobre outra coisa. Mas quando falamos, é muito porque eu quero saber mais – eu não sei tanto assim sobre cinema, e ninguém entende mais do que ele. E eu nunca quero perder a oportunidade de aprender alguma coisa nova. Mas acabamos sempre conversando sobre tudo.