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O Ser Livre

Gustavo Silva Publicado em 06/05/2017, às 11h25 - Atualizado às 11h31

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<b>Monica Iozzi</b> - Sergio Baia/Divulgação
<b>Monica Iozzi</b> - Sergio Baia/Divulgação

A história vem da infância, mas dá pistas sobre a figura adulta. “Ninguém enchia muito o meu saco, não. Se inventavam um apelido pra mim, eu inventava um muito pior em dez segundos”, relembra Mônica Iozzi sobre os tempos de escola. Rapidamente, as mãos da atriz ganham movimentos efusivos: “Lembra que tinha aquela coisa na escola quando alguém falava alguma coisa para o outro e todo mundo fazia ‘NÓÓÓÓ!’? Ou falava alguma coisa idiota e todo mundo ‘EEEEEER!’? Eu era a rainha de falar as coisas e todo mundo fazer ‘NÓÓÓÓÓ’ [risos]. Eu era esse serzinho na escola”.

O pensamento rápido e espontâneo hoje repousa tranquilo na cabeça de uma mulher de 35 anos que tem diante de si um bolo de cenoura com cobertura, um cappuccino (“com chantili”, faz questão de ressaltar baixinho no pedido ao garçom) e uma água, e que esbanja uma simpatia pincelada por sorrisos e risadas constantes – comportamento que poucas pessoas teriam motivos para demonstrar após saírem de consultas médicas motivadas por uma sinusite, como foi o caso naquela tarde.

Mas essa calma é a realidade enquanto conversamos em um café em Perdizes, bairro de São Paulo onde Mônica mora – pelo menos quando se encontra na cidade. Diante das câmeras, ela dá vazão a uma versão mais exagerada de si: do serzinho já adulto que, com sacadas espertas aliadas a uma certa dose de desfaçatez, conquistou o grande público como repórter em Brasília no extinto CQC à comentarista do Big Brother Brasil, passando pela espontaneidade gritante, sincera e espalhafatosa em meses à frente do Vídeo Show, o autorreferente programa da Globo.

Além da presença na TV aberta, reduzida desde que deixou a atração vespertina global no começo de 2016, Mônica também faz muito barulho no universo digital. Entre Facebook, Twitter e Instagram, a soma de suas contas totaliza mais de 6 milhões de seguidores. Em 2016, com suas mensagens de 140 caracteres, ela conquistou uma honraria particular, mas não muito surpreendente entre os que a acompanham: foi considerada a terceira maior influenciadora política do Brasil no Twitter, de acordo com levantamento feito pela consultoria Stilingue.

Juntos, as redes sociais e os trabalhos de Mônica revelam vários traços da menina que deixou Ribeirão Preto (SP) rumo a Campinas, onde ela se graduou em artes cênicas na Unicamp, e que assumiu, desde o dia 20 de abril, o papel de protagonista na série Vade Retro, trama de Fernanda Young e Alexandre Machado com direção artística de Mauro Mendonça Filho. Mais interessante: todas essas facetas se acomodam graciosamente em tempos que julgamentos apressados as considerariam contraditórias, antagônicas ou sem sentido – como ter ideias progressistas ligadas à esquerda política e não ser petista? Como ser engajada politicamente e ser artista global, parte de uma classe tão pouco dada a manifestações do tipo? Como ser uma das maiores personalidades públicas da atualidade e manter uma aura de gente como a gente?

"Nunca gostei de matemática, nunca gostei de química, mas é muito estranho, porque eu amava física – como alguém gosta de física, mas não gosta de matemática?”, questiona Mônica Iozzi, novamente lembrando da escola e refletindo sobre uma das aparentes contradições em seus anos formativos. Filha mais nova de uma mãe dona de casa e de um pai eletricista, teve sua epifania artística aos 11 anos, naquele que chama de “o dia mais feliz da minha vida”: subiu a um palco pela primeira vez, para apresentar, entre dezenas de crianças, uma montagem de Oliver Twist, clássico de Charles Dickens, no Teatro Municipal de Ribeirão Preto. “Nem tinha uma fala só minha, fiz vários papéis, mas foi uma felicidade surreal escutar as palmas. Chorei de emoção.”

Até prestou vestibular para cursos diversos, como letras, filosofia e biologia (“a maioria das coisas foi para deixar minha mãe tranquila”), mas estava obstinada a seguir a carreira artística. Em seu segundo ano de vestibulares, Mônica passou em artes cênicas na Unicamp, curso que ingressou com as ressalvas que muitas mães ainda fazem para quem busca uma carreira artística. “Ela disse ‘mamãe te apoia’, mas fez uma piadinha: ‘Tô preocupada com a minha velhice. Tenho uma filha que é professora primária e a outra vai ser atriz de teatro. Vocês não vão ter dinheiro para me sustentar, vou ter que viver num asilo público, fodeu”, lembra Mônica.

A universidade tinha tudo para fazer parte de mais alguns anos da vida da então recém-graduada, que vivia em São Paulo e já tinha experiência com peças na companhia de teatro Os Satyros e como vendedora na Livraria Cultura. Mônica tinha planos de iniciar um projeto de mestrado na USP sobre teatro grego contemporâneo. Mas, então, veio o concurso do CQC, que convocava mulheres a tentar uma vaga no programa. “Eu estava desempregada, e sempre gostei muito de política e gostava muito do ambiente anárquico do programa”, conta Mônica sobre o caminho que a levou direto à televisão e a Brasília.

De 2009 a 2013, a atriz entrou de cabeça na capital da política brasileira – e não gostou do que viu. “É muito mais pesado do que as pessoas imaginam, a coisa é mais feia e mais suja do que chega à mídia”, revela, com um grau de indignação na voz ausente em suas tomadas no CQC. “O Congresso é um balcão de negócios – tirando pouquíssimas pessoas que estão lá que eu admiro e que são grandes heróis, porque eles são uma minoria e que lutam por projetos que realmente são bons para a população e não vão passar. Você admira, torce, mas fala: ‘Eu não teria essa força’. É um balcão de negócios.”

De lá para cá, a vida sofreu uma série de reviravoltas – ou, como ela gosta de frisar, “minha vida é muito louca”. Cansada do ambiente implacável de Brasília (“eu não aguentava mais fazer política”) e disposta a voltar a atuar, Mônica deixou o CQC e, pouco depois, recebeu um convite de Jorge Fernando para integrar o elenco de uma nova novela na Globo, Alto Astral. Porém, antes do começo das gravações, foi convocada por Boninho, o todo-poderoso da emissora no entretenimento, para ser uma espécie de “ombudsman irônica” do Big Brother Brasil.

O fato de ganhar liberdade para ser espontânea diante das câmeras – um dos motivos que fizeram com que, ao lado de Otaviano Costa, desse novo fôlego e um ar divertido a um combalido Vídeo Show – lhe trouxe reconhecimento direto. Ela foi a atriz na Globo que mais recebeu cartas de fãs em 2015. Se a fama veio com aspectos inconvenientes, como a necessidade de (recusar a) lidar com questões de sua vida privada com a mídia, por outro lado ser uma figura pública ampliou a voz de Mônica. “Gosto da ideia de que muitas pessoas vejam o meu trabalho”, ela reflete, depois de pensar alguns segundos. “Gosto da ideia de saber que estou me comunicando com muita gente, pessoas de áreas e classes sociais totalmente diferentes.”

A comunicação de Mônica por suas redes sociais é livre de censuras, amarras e – com exceção de um único caso, que julga ter exagerado quando escreveu no Twitter “para que uma bala perdida encontre o Eduardo Cunha” – de arrependimentos. Em certa circunstância, por um post no Instagram, no qual discordava da decisão de Gilmar Mendes em conceder habeas corpus ao médico Roger Abdelmassih, foi processada e condenada a pagar R$ 30 mil ao ministro do Supremo Tribunal Federal, que alegou que a atriz “extrapolou os limites de seu direito de expressão”.

Nem mesmo a Globo escapou de suas palavras. “Meu Deus! Que momento triste vivemos. Como estamos equivocados, cegos. Somos um povo que se informa apenas por manchetes do JN...”, escreveu em seu Twitter em março do ano passado em meio às manifestações populares. Como então conciliar visões pessoais contrárias àquelas implícitas na cobertura da empresa da qual se faz parte? Ideologia e carreira seguem caminhos paralelos e conflitantes?

“Direta ou indiretamente, todos nós trabalhamos para grandes empresas. No final das contas, oito caras são os donos do mundo”, ela reflete, em tom sereno. “Independentemente do lugar em que eu trabalhe, sempre vou dar minha opinião, contrária ou não. Eu nunca recebi nenhum tipo de retaliação por nada. Eu sou livre lá dentro para fazer o que eu quiser, para falar o que quiser.”

A análise da questão segue, e ultrapassa as barreiras globais. “É delicado, sabe? Querendo ou não, este é o sistema em que a gente vive. Na época da faculdade, eu achava que ia ter meu grupo de circo, um galpão para ensaiar teatro e me apresentar na frente da fábrica da Volkswagen. Eu posso fazer isso. Mas, quando você vai para um lado muito extremado, você acaba se isolando do resto do mundo. Conheço muita gente assim – é um trabalho lindo e necessário. Mas eu particularmente queria falar com mais gente. Não é porque vivemos neste sistema que não podemos questioná-lo. Mas você simplesmente escolher ficar fora dele, e viver em um ambiente que você considera ideal... é uma escolha e tudo bem! Eu prefiro estar dentro dele e questionar, porque é onde a maioria esmagadora de nós vive.”

Ainda que, como ela própria define, esteja “mais comedida de dois anos para cá” nos comentários, Mônica segue emitindo opiniões fortes sobre questões sociais e contrárias aos projetos do atual governo – basta entrar em suas redes sociais para saber o que se passa na cabeça dela. Ela é assim, e assim é sua profissão. “A arte tem um poder político muito forte. Seja na televisão, seja no teatro, querendo ou não, mesmo que você não se manifeste diretamente, os atores são seres políticos – porque tudo é político, e o que a gente expõe é isso.”

Arte e política se misturam particularmente bem na televisão. Ainda não sabemos como será o equilíbrio dos elementos em Vade Retro, o próximo trabalho de Mônica Iozzi no meio. Mas ela, que é do tipo que devora temporadas inteiras de séries em poucos dias, consegue traçar paralelos entre a ficção e a realidade. “Paralelos?! É House of Cards!”, diz sem titubear sobre nossa política e a série na qual Kevin Spacey dá vida a um inescrupuloso presidente dos Estados Unidos. “Não sei quem se inspirou em quem: se ele [Spacey] no Temer ou o Temer nele.” Ela arremata a análise com uma lembrança da ficção: “Tem um momento na série que ele se vira para a câmera e diz: ‘Eu acabo de chegar à presidência sem ter recebido nenhum voto’”. A vida imita a arte.

Tá no Ar

Como serão os próximos meses de trabalho de Mônica Iozzi

Enquanto você assiste a Vade Retro, Mônica Iozzi estará trabalhando – algo que será uma constante ao longo do ano. Em abril, a atriz começa a preparação de um novo filme, Mulheres Alteradas baseado nas tirinhas da argentina Maitena. “É uma coisa meio [Pedro] Almodóvar, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. Tem muita ironia, é inteligente e tem um quê feminista”, ela explica sobre a produção, que ainda não tem diretor definido e conta histórias paralelas de quatro mulheres. Por volta de setembro, outro filme, Divina Comédia, gravado há dois anos (“a pós-produção dele é muito complicada”, diz Mônica), deve chegar aos cinemas. Ao lado de um amigo roteirista, a artista ainda começa a desenvolver o argumento de um longa, cuja ideia surgiu depois de ver Eu, Daniel Blake. “Mas esse é um projeto para daqui a quatro, cinco anos”, avisa. Tem mais: ela ainda está envolvida em dois espetáculos de teatro e, dependendo da resposta do público a Vade Retro, a Globo, com quem ainda tem mais dois anos de contrato, pode convocá-la para gravar uma segunda temporada da série. Fora isso, sobram as participações em eventos corporativos. Mas, nesse caso, tudo depende de quem convida. “Me chamaram pra apresentar um evento da Odebrecht”, ela conta, emendando com uma expressão zombeteira: “Eu não fui...”