Os 100 Maiores Momentos da Música Brasileira
Em mais de um século de história, selecionamos personagens, acontecimentos e eventos que transformaram e formataram a música feita no Brasil
Ilustrações Marcelo Fahd
Publicado em 10/12/2014, às 17h09 - Atualizado em 25/07/2016, às 11h24Como traçar a linha evolutiva de uma música que começou em salões pós-imperiais e hoje é a trilha sonora das ruas caóticas das metrópoles?
A música brasileira é tão cheia de nuances quanto as galáxias dos corpos celestes. Ao longo do tempo, várias explosões ocorreram para que o macrocosmo sonoro nacional tomasse forma. Em uma cadência de eventos interligados, cada um desses “Big Bangs” deu origem a um universo melódico distinto, gerando, década a década, os diferentes mundos musicais em que estamos inseridos – planetas ricos, férteis e deslumbrantes. De Ernesto Nazareth a Criolo, mais de um século de mudanças e inquietudes configuraram o som do Brasil. Encontros, lançamentos de discos, amizades nascidas ao acaso, manifestações populares, hits capazes de mudar uma geração: a lista que você vê nas próximas páginas é composta não apenas de momentos isolados, mas de acontecimentos definidores que de alguma maneira mudariam o que viria a seguir.
1| 1910 – Ernesto Nazareth escreve o chorinho “Odeon”
O Choro foi uma das primeiras manifestações da música popular a conquistar as emergentes metrópoles brasileiras. Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros e Ernesto Nazareth foram alguns dos pioneiros do estilo. Em 1910, Nazareth escreveu a instrumental “Odeon”, que acabou gravando só dois anos depois na Casa Edison. A canção era uma homenagem ao cinema Odeon, onde o compositor tocou piano por um tempo. Com o passar dos anos, “Odeon” foi ganhando status e se tornou um arquétipo para o gênero. A canção ganhou letra na década de 1940, obra de Hubaldo Mauricio. Na década de 1960, Vinicius de Moraes fez outra letra, dando nova vida à criação melódica de Ernesto Nazareth.
2| 1916 – É registrado o primeiro samba, “Pelo Telefone”
Em novembro de 1916, o registro de “Pelo Telefone” na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, oficializava o nascimento do ritmo que ainda identifica o Brasil no mapa-múndi musical. A autoria do primeiro samba da história é controvertida, embora ele seja creditado ao compositor Donga e ao jornalista Mauro de Almeida. O próprio Mauro, criador da letra, afirmaria mais tarde que recorreu a versos populares da época. Mas o fato é que, quase 100 anos depois, o ato pioneiro de Donga reverbera no Brasil e no mundo em gravações calcadas no ritmo originário da África, que ganhou forma no Brasil, entre o Rio e a Bahia, e abriu um mercado rentável. Dali em diante, o país nunca mais deixaria de cair no samba.
3| 1931 – Zequinha de Abreu rebatiza “Tico- -Tico no Fubá até surgir “garota de ipanema”,
“Tico-Tico no Fubá” era a canção brasileira mais gravada de todos os tempos. Ela começou despretensiosamente quando Zequinha de Abreu escreveu um tema chamado o “Tico-Tico no Farelo”, em 1917, e o apresentou em um baile em Santa Rita do Passa Quatro. Mas o que ele não sabia é que já existia uma outra canção com o mesmo nome escrita por Canhoto. A música de Zequinha ficou esquecida por vários anos. Em 1931, o autor mudou o nome para “Tico-Tico no Fubá” e ela finalmente passou a ser notada. A faixa foi gravada pela Orquestra Colbaz, e pouco depois Carmen Miranda e Ademilde Fonseca fizeram versões de sucesso. Assim, o tico-tico rebatizado se tornou patrimônio da humanidade.
4| 1932 – João Rubinato chega a São Paulo e vira Adoniran Barbosa
João Rubinato era filho de imigrantes italianos. Ele nasceu em Valinhos, em 1910, e sempre quis ser artista. Viveu em Jundiaí e Santo André antes de se estabelecer em São Paulo. Quando chegou à capital paulista, finalmente se encontrou na música ao adotar o pseudônimo Adoniran Barbosa. Assim, criador e criatura se fundiram de forma espetacular. Exímio observador dos diversos tipos que viviam nos bairros populares da cidade, particularmente nas regiões da Mooca e do Bixiga, Adoniran, que também foi ator de rádio, recriou em suas composições o linguajar dos imigrantes. As criações dele acabaram por dar uma cara ao que se chama hoje de samba paulista.
5| 1933 – Nasce a briga musical entre Noel Rosa e Wilson Baptista
Figura fácil do cabaré Apollo, situado na zona boêmia do Rio de Janeiro dos anos 1930, uma dançarina chamada Ceci acirrou a briga entre dois dos maiores compositores da época, o carioca Noel Rosa e o fluminense Wilson Baptista. Em 1935, ano em que ambos disputavam as atenções de Ceci, Wilson compôs o samba sincopado “Conversa Fiada”, resposta a um clássico de Noel e Vadico, “Feitiço da Vila”. Noel retrucou então com “Palpite Infeliz”. O embate, na verdade, começara em 1933, ano em que os compositores trocaram farpas através dos versos de sambas como “Rapaz Folgado” (de Noel) e “Mocinho da Vila” (de Wilson). Noel saiu vencedor: além de levar a melhor na disputa musical, ganhou o coração de Ceci.
6| 1936 – “Carinhoso”, instrumental de Pixinguinha, ganha letra
O choro “carinhoso” foi composto por Pixinguinha entre 1916 e 1917. Inicialmente era um tema instrumental; anos depois, graças ao acaso, ganhou letra de Braguinha, o conhecido João de Barro. Conta-se que no ano de 1936 a primeira- dama, Darcy Vargas, promoveu no Theatro Municipal do Rio de Janeiro o espetáculo Parada das Maravilhas, que teria a participação da cantora Heloísa Helena. Ela conhecia o tema de Pixinguinha e queria cantá-lo, mas como não tinha letra convocou Braguinha para a tarefa de escrever uma. Começou aí a trajetória dessa canção que já teve centenas de gravações, sendo a primeira feita por Orlando Silva, “o Cantor das Multidões”, em 1937.
7| 1939 – Carmen Miranda estreia na Broadway
Aos olhos do mundo, a música brasileira teve sua primeira tradução audiovisual nos balangandãs de uma portuguesa criada no Brasil. Descoberta por magnatas do teatro norte-americano no Cassino da Urca, em fevereiro de 1939, Carmen Miranda foi contratada para atuar no musical Streets of Paris, nos Estados Unidos. Com o Bando da Lua, a cantora fez sua estreia na Broadway em 19 de junho de 1939 e se transformou, dali em diante, na Brazilian Bombshell. Na sequência, uma série de filmes em Hollywood propagou para o mundo a imagem de baiana estilizada que se tornaria eternamente associada ao canto de Carmen, a primeira voz brasileira a extrapolar as fronteiras nacionais.
8| 1939 – Dorival Caymmi triunfa no Rio de Janeiro
Recém-chegado ao Rio, em 1938, Dorival Caymmi começou a cantar suas canções praieiras em emissoras de rádio da cidade; no ano seguinte já era um nome conhecido e suas composições tinham se tornado bastante requisitadas. A consagração veio com um samba buliçoso, “O Que É Que a Baiana Tem?”. Com livre trânsito na cena cultural da época, o cantor e compositor Almirante quis que Caymmi mostrasse o samba à voz mais influente dos anos 1930, a de Carmen Miranda, com a intenção de incluí-lo no filme Banana da Terra. O sucesso de “O Que É Que a Baiana Tem?”, gravado por Carmen com Caymmi, consolidou a carreira do compositor baiano, cuja obra reverbera até hoje.
9| 1942 – “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, ganha o mundo
Em 1942, os estados Unidos estavam empenhados em usar artistas para angariar aliados na guerra contra a Alemanha, em campanha conhecida como “política da boa vizinhança”. Coube a Walt Disney estreitar laços com o Brasil, incluindo na animação Saludos Amigos o segmento Watercolor of Brazil, em que aparece pela primeira vez o personagem Zé Carioca. “Aquarela do Brasil”, um samba-exaltação composto por Ary Barroso em 1939, foi incluído na trilha em gravação de Aloysio de Oliveira, e a partir daí passou a ser uma das canções brasileiras mais conhecidas no mundo. Por aqui, o sucesso veio antes: Araci Cortes a cantou primeiro, mas foi a versão de Francisco Alves, de 1939, que deu início à fama da canção.
10| 1945 – O surto futebolístico de Lamartine Babo
Lamartine babo, conhecido como “o rei do Carnaval”, foi autor de marchinhas bem-humoradas, como “O Teu Cabelo Não Nega” e “Cantores do Rádio”. Apaixonado por futebol e torcedor fanático do América Futebol Clube, em 1945 ele compôs o hino não oficial do Flamengo, que pegou na hora. Com o passar do tempo, escreveu para os outros 11 times participantes do campeonato carioca para apresentar no Trem da Alegria, programa de rádio que comandava. Inicialmente, compôs para times de destaque – América, Vasco da Gama, Flamengo, Fluminense, Botafogo e Bangu – e depois sonorizou a história de clubes menores – Olaria, São Cristóvão, Madureira, Bonsucesso e Canto do Rio.
11| 1947 – Lupicínio Rodrigues fica popular com “Felicidade”
O primeiro sucesso do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues foi o samba “Se Acaso Você Chegasse”, gravado em 1938 pelo cantor carioca Cyro Monteiro. Mas a sorte de Lupicínio mudou de fato em 1947, com a gravação de uma toada melancólica ironicamente intitulada “Felicidade”. A faixa consolidou definitivamente o cancioneiro desse amargo cronista das dores de cotovelo, abrindo caminho para uma série de sambas-canção lançados nos anos 1950 que são lembrados ainda em 2014, ano do centenário do nascimento do artista. Coube ao conjunto vocal Quitandinha Serenaders a primazia de lançar “Felicidade” em disco. Formado em 1946 no Rio de Janeiro, o grupo durou somente até 1952.
12| 1947 – Waldir Azevedo escreve “Brasileirinho”
Foi por sugestão de um sobrinho adolescente, que manuseava um cavaquinho de uma só corda, que o compositor e músico carioca Waldir Azevedo compôs, em 1947, o maior clássico de seu repertório. “Brasileirinho”, choro que deu status ao cavaquinho na música brasileira e ultrapassou as fronteiras nacionais, tornou-se uma das músicas mais conhecidas no mundo. O registro original foi feito pelo próprio autor, em 1949, em disco da Continental. A gravação foi realizada por Azevedo a convite de Braguinha, diretor artístico da companhia. Em 1950, a cantora potiguar Ademilde Fonseca regravou o choro, já com a letra escrita por Ruy Pereira da Costa, ajudando a eternizar a canção.
13| 1947 – Luiz Gonzaga finaliza “Asa Branca”, hino do sertão
O sertão sempre foi cheio de canções folclóricas de domínio público. Em uma região de tradição oral, era comum que as músicas também passassem de boca em boca e de ouvido em ouvido. Januário, pai de Luiz Gonzaga, era um distinto sanfoneiro e tocava algumas das músicas conhecidas na região de Pernambuco. Em 1947, quando Gonzaga já estava a um passo de ser conhecido como O Rei do Baião, pediu a seu parceiro Humberto Teixeira que desse uma “melhorada” em uma dessas canções. Assim surgiu “Asa Branca”, que se tornou o hino do sertão brasileiro e colocou o velho Lua definitivamente no cenário
nacional.
14| 1950 – Dodô e Osmar criam o primeiro Trio Elétrico
Em meados do século 20, um dos grandes impasses do Carnaval de rua de Salvador, na Bahia, era a falta de amplificação, em especial dos instrumentos de corda. Antonio Adolfo Nascimento, o Dodô, e Osmar Macedo nutriam as mesmas paixões, a música e a eletrônica, e começaram a trabalhar em um projeto para resolver esse problema. Depois de quase dez anos de pesquisa, chegaram à solução em 1950, quando saíram pelas ruas a bordo de um carro modelo Ford 1929 com instrumentos adaptados e alto-falantes. Mas a atração só ganhou o nome de “trio elétrico” quando os dois incluíram mais um integrante, Temístocles Aragão, no ano seguinte. A engenhosa invenção de Dodô e Osmar mudou para sempre o Carnaval.
15| 1952 – A morte de Francisco Alves, o “Rei da Voz”
Francisco alves, também conhecido como Chico Viola, foi em seu tempo o cantor mais influente do país. Era adepto do bel-canto, uma forma quase operística de colocar a voz. Alves gravava prolificamente e arrastava multidões a seus shows. O sucesso chegou ao fim de maneira trágica: no dia 27 de setembro de 1952, o Buick que ele dirigia foi atingido por um caminhão que vinha na contramão na estrada Rio-São Paulo, próximo à cidade de Pindamonhangaba. Alves tinha 54 anos. Em 30 de setembro de 1952, o jornal O Dia registrou: “Era impossível ter-se uma ideia exata do número de pessoas que formavam aquela fabulosa onda humana, que provocou colapso no trânsito, acompanhando os funerais de Francisco Alves”.
16| 1953 – Johnny Alf anuncia a bossa nova
O cantor e compositor Johnny Alf teve formação de piano clássico, mas se interessava mesmo era pela música popular. Grande parte da carreira dele se deu tocando em boates entre Rio e São Paulo. “Eu e a Brisa”, gravada pela cantora Márcia em 1967, foi seu grande sucesso. Tom Jobim admirava- o tanto, que o chamava de “Genialf”, e duas canções dele de 1953 podem ser consideradas como precursoras
da bossa nova: “Céu e Mar” e “Rapaz de Bem”. A modernidade de “Rapaz de Bem” para a época aparece na forma coloquial da letra, no canto sincopado e nas harmonias ousadas que seriam retomadas somente em 1958 com João Gilberto em “Chega de Saudade”. Ao lado do também pioneiro Dick Farney, Johnny Alf já antecipava muita coisa boa.
17| 1955 – Nora Ney grava “Rock Around the Clock”
Nora Ney era uma bem--sucedida cantora de sambas- canção, imortalizando o hino da fossa “Ninguém Me Ama”. Mas em outubro de 1955 a intérprete foi comissionada pela gravadora Continental a gravar uma música que tinha explodido nos Estados Unidos. Era “Rock Around the Clock”, de Bill Haley & His Comets, tema do filme Sementes da Violência. A artista deveria ter cantado em português (a faixa chegou a ser traduzida como “Ronda das Horas”), mas a versão em nossa língua não foi aprovada e Nora acabou gravando em inglês mesmo. A cantora, que na época da gravação já não era nenhuma adolescente – tinha 33 anos – nunca mais voltou ao estilo, mas entrou na história por ter inaugurado a era do rock no Brasil.
18| 1956 – Nelson Gonçalves canta a rotina da vida boêmia
Em atividade no mercado fonográfico desde 1941, o cantor gaúcho Nelson Gonçalves consolidou definitivamente sua carreira com a gravação, em 1956, de “A Volta do Boêmio”, samba-canção de letra folhetinesca. A faixa, que começava com a inesquecível frase “Boemia, aqui me tens de regresso”, logo se tornou sucesso nacional. O compacto vendeu milhões de cópias e projetou a carreira do autor da música, o compositor português (de criação carioca) Adelino Moreira. O sucesso de “A Volta do Boêmio” se estendeu por décadas, abrindo portas para o lacrimoso gênero de música romântica que, a partir dos anos 1980, acabou rotulado como “brega”. E Nelson nunca deixou de cantá-la.
19| 1956 – Cauby Peixoto estoura com “Conceição”
O êxito de “conceição”, na gravação feita em 1956 por Cauby Peixoto, exemplifica o domínio do samba- canção nas paradas da década de 1950. Estilo de música romântica de tons exacerbados, que desafiaria o culto à elitizada bossa nova ao se tornar eterno na preferência popular, o samba-canção teve no fluminense Cauby um de seus maiores expoentes. Então no auge da forma vocal, o cantor contou como ninguém a moralista história – criada pelos compositores Dunga (apelido de Valdemar de Abreu) e Jair Amorim – de Conceição, a moça do morro que “se subiu, ninguém sabe, ninguém viu” e que “tentando a subida desceu/ E agora daria um milhão/ Para ser outra vez Conceição”.
20| 1958 – Acontece o primeiro encontro de Roberto Carlos e Erasmo Carlos
O show do pioneiro do rock Bill Haley & His Comets no Rio de Janeiro foi um grande acontecimento. O agitador Carlos Imperial era o aglutinador da turma de jovens roqueiros da Tijuca e ajudou na escalação dos artistas que iriam fazer o “aquecimento” para Haley. E deu uma força ao jovem pupilo Roberto Carlos. Uma das músicas que ele deveria cantar era “Hound Dog”, sucesso de Elvis Presley. Mas Roberto não sabia a letra. Por indicação de um amigo, o futuro Rei foi à casa de outro fanático por Elvis que poderia ajudá-lo. O nome dele era Erasmo Carlos. Roberto não cantou, mas era formada aí uma das maiores parcerias da nossa música.
21| 1958 – É fundada a academia de violão de Carlos Lyra e Roberto Menescal
Na metade da década de 1950, o acordeom era moda. Mas em algum momento jovens músicos descobriram que o instrumento não era tão prático e acabaram optando pelo violão. Roberto Menescal e Carlos Lyra viram nas seis cordas uma forma de ganhar alguns trocados e fundaram uma academia onde tentavam ensinar a “batida diferente”. Funcionava na rua Sá Ferreira, em Copacabana, Rio de Janeiro. À noite, eles se reuniam em apartamentos, especialmente onde morava Nara Leão, uma das alunas. Segundo Menescal, a forma clássica de cantar bossa nova – canto sussurrado, quase falado – se deu porque os jovens não queriam fazer barulho para não incomodar os outros moradores.
22| 1958 – João Gilberto muda tudo com “Chega de Saudade”
Em 10 de julho de 1958, o cantor e violonista João Gilberto realizou no estúdio da Odeon a gravação que sacudiu a música brasileira. Lançada em agosto de 1958 em disco de 78 rotações, “Chega de Saudade” deu origem ao movimento da bossa nova e impactou futuros ícones como Caetano Veloso e Roberto Carlos. Apesar de o samba de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes ter sido lançado meses antes, no também histórico álbum Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso, foi a gravação de João o estopim para uma revolução. Canto e instrumentos se harmonizam com perfeição. O alcance foi expandido com o lançamento, em 1959, do primeiro álbum de João, homônimo da música.
23| 1959 – O filme Orfeu Negro projeta Tom e Vinicius para o mundo
Orfeu Negro, dirigido pelo cineasta francês Marcel Camus, foi a adaptação cinematográfica da peça Orfeu da Conceição, idealizada por Vinicius de Moraes e lançada no Rio de Janeiro em 1956. O filme projetou em escala mundial duas músicas que se tornariam clássicos internacionais do cancioneiro brasileiro. Por causa de Orfeu..., “A Felicidade”, samba de Vinicius e Antonio Carlos Jobim, virou standard planetário anos antes de a bossa nova conquistar os Estados Unidos. Também no embalo da exposição do longa, “Manhã de Carnaval” – parceria de Luiz Bonfá com Antonio Maria – iniciou sua escalada internacional, tendo se tornado uma das músicas que mais identificam o Brasil lá fora.
24| 1959 – Celly Campello explode com “Estúpido Cupido”
O rock feito em solo brasileiro achou em março de 1959 seu primeiro ícone quando a cantora Celly Campello, com apenas 18 anos, lançou “Estúpido Cupido”, versão de Fred Jorge para “Stupid Cupid”, hit de Neil Sedaka. Nascida em Taubaté, São Paulo, ela e o irmão Tony Campello já tinham gravado alguns discos de 78 rotações, mas “Estúpido Cupido” causou uma verdadeira ebulição no cenário musical. Não interessava que a melodia tivesse sido retirada de um disco importado: a canção transformou Celly em uma estrela. Logo ela e Tony ganharam na TV Record o programa Crush em Hi Fi, e o som feito pela juventude brasileira já não pôde mais ser ignorado.
25| 1961 – Maysa vai para o Rio de Janeiro e entra na bossa
Maysa já era uma cantora bem conhecida por suas músicas de fossa e interpretações de standards de idiomas estrangeiros, especialmente em francês. Mas, no início da década de 1960, ela sentiu que precisava sacudir o som e a imagem que mantinha. Em 1961, intrigada pelo cenário da bossa nova, Maysa foi para o Rio de Janeiro e conheceu Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal. Os parceiros supriram a necessidade da artista com suas composições e uma delas, “O Barquinho”, virou hit. A associação com a bossa fez muito bem para a carreira da musa de olhos verdes: ela foi tratada como uma estrela fora do país ao divulgar o estilo. E também mexeu com a vida pessoal, já que Maysa se casou com Bôscoli, uma união reconhecidamente tempestuosa.
26| 1962 – Vinicius de Moraes e Tom Jobim
Escrevem “Garota de Ipanema” vinicius de moraes e tom jobim frequentavam o Bar Veloso, no Rio, e dali sempre viam passar uma bela adolescente a caminho da praia e do colégio. Foi assim, com inspiração na loira Helô Pinheiro, que nasceu “Garota de Ipanema”. Mas eles não escreveram a canção na mesa do bar – Jobim e Vinicius burilaram a letra e a melodia em casa. A música foi concluída a tempo de ser apresentada no histórico espetáculo na boate Bon Gourmet, que reuniu Jobim, Vinicius, João Gilberto e Os Cariocas. Em janeiro de 1963, Pery Ribeiro e o Tamba Trio a registraram em disco. Logo “Garota de Ipanema” se tornaria a canção brasileira mais conhecida de todos os tempos.
27| 1962 – A bossa nova chega ao Carnegie Hall, em Nova York
Com apoio dos governos do Brasil e dos Estados Unidos, o ritmo brasileiro invadiu Nova York no dia 21 de novembro de 1962, no palco do Carnegie Hall. Participaram do show histórico João Gilberto, Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá, Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Tom Jobim, Milton Banana e Roberto Menescal, entre outros artistas. As opiniões foram divididas. Vários críticos escreveram que problemas técnicos e falhas no microfone prejudicaram as apresentações. Outros apontaram que era muita gente escalada para tocar, o que acabou criando certo tumulto no evento. Mas, independentemente dos contratempos, ali a bossa nova ultrapassou barreiras geográficas.
28| 1963 – Surgem os afro-sambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell
No início dos anos 1960, Vinicius de Moraes ganhou do compositor baiano Carlos Coqueijo um presente que expandiu seus horizontes musicais: a coletânea Sambas de Roda e Candomblés da Bahia (JS Discos). Encantado com o álbum, o poeta o apresentou a Baden Powell, amigo que havia acabado de conhecer. Nessa época, o violonista estudava canto gregoriano com o maestro Moacir Santos e notou semelhanças entre a técnica e os cânticos africanos do disco e dos terreiros que visitara em uma viagem à Bahia. Da predileção mútua pela vertente africana, ainda pouco explorada na MPB, nasceu “Berimbau” e, em 1966, o disco Os Afro-sambas (Forma), trabalho miscigenador de estilos e divisor de águas da música brasileira.
29| 1963 – Jorge Ben é descoberto no Rio de Janeiro
Jorge Ben era eclético: gostava de rock, samba e bossa nova. Por causa de sua afinidade com a turma da bossa, ele se apresentava em boates do Beco das Garrafas. Em uma das apresentações, teve a sorte de ter como plateia Armando Pittigliani, executivo da gravadora Philips. O cantor foi contratado e gravou o LP Samba Esquema Novo, que incluía “Mas Que Nada”, um dos carros-chefe de suas apresentações ao vivo. Puxado pela canção, o álbum vendeu como água e colocou Ben no mapa. Sérgio Mendes, amigo dele, queria que Ben ficasse nos Estados Unidos. Não deu certo, mas Mendes, junto com seu grupo Brasil 66, tornou “Mas Que Nada” um megassucesso internacional em 1966.
30| 1964 – Marcos Valle lança “Samba de Verão”
Enquanto “the girl from Ipanema” na voz de Astrud Gilberto se tornava um fenômeno, o músico Marcos Valle e seu irmão Paulo Sérgio Valle escreviam outro hino que teve um impacto similar. “Samba de Verão” falava do lado ensolarado da bossa nova. Poucos anos depois de lançada, a canção levaria as vibrações cariocas para os quatro cantos do mundo. O organista brasileiro Walter Wanderley teve um grande sucesso com ela em uma versão instrumental gravada em 1966. O letrista Norman Gimbel colocou letra em inglês e a canção, batizada então como “So Nice”, ganhou versões de gente como Johnny Mathis e Andy Williams. Virou um standard mundial e o cartão de visitas sonoro de Marcos Valle.
31| 1964 – Adoniran Barbosa tira a poeira de “Trem das Onze”
O Demônios da Garoa, criado na década de 1940, seguiu por anos com grande popularidade. Mas, em meados dos anos 1960, o grupo passava por um momento de maré baixa. Assim, os integrantes pediram a Adoniran Barbosa, o compositor favorito da banda, uma música nova. Adoniran então pegou um pedaço de papel amassado e mostrou a eles a então esquecida “Trem das Onze”. A canção foi mais do que um sucesso popular: se tornou uma espécie de emblema sonoro da cidade de São Paulo, na época em que o trem chegava ao distante bairro do Jaçanã, localizado na zona norte da cidade.
32| 1965 – Maria Bethânia desponta no espetáculo Opinião
A carreira de Maria Bethânia foi impulsionada em 13 de fevereiro de 1965, quando, a convite de Nara Leão, a intérprete baiana substituiu a cantora capixaba no elenco do espetáculo Opinião, no Teatro de Arena, no Rio de Janeiro. O estilo teatral da irmã do ainda desconhecido Caetano Veloso se ajustou perfeitamente ao show de cunho social, e a interpretação enfática de “Carcará” (João do Vale e José Cândido) fez Bethânia alçar voo meteórico ao primeiro escalão da MPB. Com personalidade forte, a artista recusou o rótulo de “cantora de protesto” e, a partir de 1967, consolidou progressivamente um estilo próprio de interpretação em shows roteirizados, com uma mistura peculiar de música e texto.
33| 1965 – Vai ao ar pela TV Record o programa Jovem Guarda
A Record tinha sofrido com a perda do direito de transmitir os jogos de futebol durante os domingos à tarde. Para preencher a lacuna, foi decidido criar um programa de música jovem. Depois que a escolhida Celly Campello disse não, os produtores chamaram o ascendente Roberto Carlos. Ele indicou Erasmo Carlos e Wanderléa para ajudá-lo na tarefa. O programa, batizado de Jovem Guarda, estreou no dia 22 de agosto de 1965 e teve um impacto cultural semelhante ao da beatlemania. O movimento musical surgido a partir do programa criou novos ídolos, lançou moda e popularizou de vez as guitarras no Brasil. E Roberto estourou com “Quero Que Vá Tudo pro Inferno”, se consagrando como o Rei da Juventude.
34| 1965 – Moacir Santos lança o álbum Coisas
Um dos lps mais caros e cobiçados gravados no Brasil, Coisas, do saxofonista, maestro e compositor Moacir Santos, passou praticamente despercebido na época em que chegou às lojas. Lançado pelo selo Forma, vendeu pouco por ter sido considerado muito vanguardista e sofisticado pelo grande público. Mas a fama do álbum, uma junção de jazz, bossa nova, motivos africanos e temas sinfônicos, cresceu com o tempo. Todas as faixas tinham o nome de “Coisa”; “Coisa nº 5”, rebatizada de “Nanã” (com letra de Mário Telles), foi um grande sucesso na voz de Wilson Simonal. Enquanto Coisas era redescoberto, Moacir Santos fazia fama nos Estados Unidos como compositor e arranjador.
35| 1965 – O encontro de Elis Regina e Jair Rodrigues gera O Fino da Bossa
O radialista walter silva, que já produzira diversos shows de bossa nova, teve a ideia de criar no Teatro Paramount um espetáculo para Elis Regina. Mas Silva queria um parceiro para ela. Na boate Cave achou Jair Rodrigues, que fizera sucesso um ano antes com “Deixa Isso pra Lá”. A dupla, acompanhada pelo Jongo Trio, lotou o Teatro Paramount nos dias 9, 10 e 11 de abril de 1965. O encontro gerou Dois na Bossa, primeiro álbum no Brasil a vender 1 milhão de cópias. Jair e “A Pimentinha” seriam os astros do programa O Fino da Bossa, que estreou no dia 19 de maio de 1965, com transmissão direta do Teatro Record. A parceria Elis e Jair gerou a denominação MPB, que era o contraponto à bossa nova pura.
36} 1966 – Ronnie Von batiza Os Mutantes
Os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista e a amiga Rita Lee eram ativos na comunidade de roqueiros adolescentes do bairro da Pompeia, em São Paulo. Eles ficaram amigos de Ronnie Von, que os convidou para serem a banda do programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von, na TV Record. Sérgio, Arnaldo e Rita já tinham tocado com diferentes configurações e usando diversos nomes, mas quando Ronnie, que estava lendo O Império dos Mutantes, de Stefan Wul, resolveu chamar o trio de Os Mutantes, finalmente tudo se encaixou. Logo a banda deixou de ser acompanhante do “Pequeno Príncipe” e partiu para uma carreira própria, se juntando ao movimento tropicalista e lançando novos preceitos para o rock feito no Brasil.
37| 1966 – O polêmico empate de “A Banda” e “Disparada”
Em decisão inédita, o júri do II Festival de Música Popular da TV Record não quis desagradar as torcidas que ficaram divididas entre “A Banda”, escrita por Chico Buarque de Hollanda e interpretada por Nara Leão, e “Disparada”, composição de Geraldo Vandré e Théo de Barros defendida por Jair Rodrigues. O produtor e crítico musical Zuza Homem de Mello era engenheiro de som do evento e acompanhou os bastidores da final, em outubro de 1966. Ele conta que o júri tinha sete votos para “A Banda” e cinco para “Disparada”. O próprio Chico Buarque considerou que “Disparada” era melhor que a música dele e disse que não aceitaria o prêmio sozinho. Diante do impasse, optou-se pelo empate.
38| 1967 – Acontece a “Passeata contra as Guitarras”
A TV Record exibia os dois programas musicais de maior sucesso da TV: o roqueiro Jovem Guarda e O Fino da Bossa, focado na música brasileira. O antagonismo entre as duas correntes teve o clímax no dia 17 de julho de 1967 na chamada “Passeata contra as Guitarras Elétricas”. Dizem que tudo não passou de um golpe promocional da Record, mas o fato é que Elis Regina, Edu Lobo, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, MPB4 e outros desfilaram pelas principais ruas de São Paulo bradando contra a “alienação estrangeira”. O bizarro é que Gilberto Gil, fã de rock e sempre de cabeça aberta, entrou de gaiato e marchou com os outros. Já Caetano Veloso teve bom senso e ficou longe da papagaiada.
39| 1967 – O III Festival da MPB da TV Record muda tudo
Esse ficou conhecido como o “festival da Virada”: o evento transformou de forma irrevogável os rumos da música brasileira e foi uma espécie de prévia do tropicalismo. As câmeras da TV Record instaladas no Teatro Paramount transmitiram no dia 21 de outubro de 1967 as históricas atuações de Caetano Veloso com Beat Boys (apresentando “Alegria Alegria”), Gilberto Gil com Mutantes (“Domingo no Parque”), Chico Buarque com MPB4 (“Roda Viva”), Roberto Carlos (“Maria, Carnaval e Cinzas”) e Edu Lobo com Marília Medalha (com “Ponteio”, a música que saiu vencedora). De quebra, Sergio Ricardo destruiu o violão em “Beto Bom de Bola” depois que a plateia o recebeu com fortes vaias e não o deixou cantar.
40| 1968 – Sai o revolucionário Tropicalia ou Panis et Circencis
Gilberto Gil tinha ficado muito impressionado com Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, e começou a incentivar os amigos a participar de um projeto que pudesse ter um impacto cultural semelhante. O resultado foi o disco manifesto Tropicalia ou Panis et Circencis, de julho de 1968, com a participação de Gil, Caetano Veloso, Nara Leão, Tom Zé, Mutantes e outros. Na revolução do tropicalismo valia tudo: misturar a vanguarda com o tradicional, o erudito com o popular, e o regional com o urbano, mas, no final, a cara tinha que ser bem brasileira. “Geleia Geral”, de Gil e Torquato Neto, definia bem a filosofia antropofagista da brigada tropicalista.
41| 1968 – Geraldo Vandré irrita os quartéis com “Caminhando”
Preferida pelo público na final da fase nacional do III Festival Internacional da Canção de 1968, “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré (também conhecida popularmente como “Caminhando”), acabou ficando em segundo lugar na disputa. “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, ficou em primeiro. Independentemente da classificação, logo após a primeira divulgação, “Caminhando” entrou no índex da ditadura da época. Foi proibida e só liberada 11 anos depois. O ano de 1968 foi marcado no Brasil por manifestações estudantis, pelo decreto do AI-5, endurecimento do regime, perseguições, prisões e mortes. Visado pelo regime, Geraldo Vandré se autoexilou no Chile e só retornou em 1973.
42| 1969 – O exílio londrino de Caetano e Gil
Com a edição do ai-5, Caetano Veloso e Gilberto Gil passaram a ser visados pelos órgãos de repressão. Um provocativo show dos dois com Os Mutantes na boate Sucata, no Rio de Janeiro, foi a gota d’água. Caetano e Gil, já em São Paulo, foram presos em 27 de dezembro de 1968, enviados ao Rio de Janeiro para interrogatório e encarcerados por dois meses. Depois, foram para a Bahia. Negociaram um show de despedida e se exilaram em Londres. Vivendo lá entre junho de 1969 e janeiro de 1972, gravaram material inédito. Em solo britânico, Caetano lançou o melancólico Caetano Veloso (1970), com a sintomática “London, London”. Gil, ao contrário, fez Gilberto Gil (1971), um álbum alegre, luminoso e bastante influenciado pelo pop inglês.
43| 1969 – Wilson Simonal rouba o show de Sérgio Mendes no Maracanãzinho
No final da década de 1960, Sérgio Mendes era um ídolo internacional, mas ironicamente sua popularidade no Brasil não era tão grande. Patrocinado pela Shell, ele agendou uma turnê pelo país, cujo ápice seria um show no dia 5 de julho de 1969, no Maracanãzinho. Além do dono da festa, apresentaram- -se Gal Costa, Marcos Valle e Wilson Simonal. Mas não teve para ninguém: Simonal, no auge, pisou no palco antes de Mendes e fez com que as 30 mil pessoas que lotavam o local cantassem com ele hits como “Zazueira”, “Sá Marina” e “Meu Limão, Meu Limoeiro”. As vozes da plateia engoliram os alto-falantes, e os jornais do dia seguinte escreveram que Simonal tinha comandado o maior coral de todos os tempos.
44| 1969 – Jorge Ben e Trio Mocotó impulsionam o samba-rock
A boate jogral ficava na rua Avanhandava, região central de São Paulo. Como toda casa noturna da época, tinha músicos fixos que acompanhavam os artistas convidados. O Trio Mocotó, formado por Fritz Escovão, João Parahyba e Nereu Gargalo, era o grupo do clube. Em 1969, um dos convidados foi Jorge Ben, e as canjas acabaram se tornando frequentes. Ben já praticava a sua batida diferente de violão, mas ainda não havia encontrado músicos que soubessem acompanhá- la. Dessa união no palco do Jogral nasceu o samba- -rock (ou suingue, balanço) e clássicos da música brasileira, como “Que Pena”, “Take It Easy My Brother Charles” e “País Tropical”. “Se o Jorge é o pai do balanço, a gente é a mãe”, diz Nereu Gargalo.
45| 1969 – Véu de Noiva inaugura o filão de trilhas sonoras
Até 1969, os sonoplastas eram responsáveis por todos os sons executados durante as novelas. Foi então que o diretor Daniel Filho, em parceria com Nelson Motta, resolveu convidar compositores e intérpretes para criar uma trilha exclusiva para a novela Véu de Noiva, de Janete Clair. Nomes como César Camargo Mariano, Roberto Menescal e Dorival Caymmi compuseram para Joyce, Wilson das Neves e Elis Regina. Chico Buarque mandou, do exílio na Itália, “Gente Humilde”, composição dele com Vinicius de Moraes para a voz de Márcia. Marcos Valle fez sucesso com a instrumental “Azimuth”. O álbum saiu pela Philips, mas logo a Globo criou a gravadora Som Livre, que, inicialmente, servia apenas para lançar trilhas sonoras de novelas.
46| 1970 – Tony Tornado e Tim Maia consagram a soul music nacional
O ano de 1970 foi decisivo para a música negra produzida no Brasil. Antonio Viana Gomes, o Tony Tornado, saiu do posto de crooner em boates do Rio de Janeiro para o de vencedor do V Festival Internacional da Canção com “BR3”, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar. Tornado foi apresentado às massas ao interpretar esse soul-funk visceral, acompanhado pelo Trio Ternura. No mesmo ano, o tijucano Tim Maia lançou seu primeiro disco, homônimo, pela gravadora Polydor. Com hits como “Azul da Cor do Mar” e “Primavera”, o álbum ficou durante 24 semanas nas paradas. Esses dois acontecimentos pavimentaram o caminho trilhado por Cassiano, Hyldon (que estrearam em disco em 1974 e 1975, respectivamente) e muitos outros.
47| 1970 – João Donato entra de cabeça no jazz-funk
o compositor e pianista João Donato tinha tudo para ser um dos grandes nomes da bossa nova, já que era parceiro de gente como Tom Jobim e João Gilberto. Mas, justamente no período do estouro do gênero, ele não vivia no Brasil. O compositor estava morando nos Estados Unidos em uma época em que a black music ganhava corpo e relevância por lá. Essa influência o fez mesclar a pré-bossa nova com o funk e o soul em A Bad Donato (1970). O piano, já tradicional no trabalho do compositor, foi colocado junto a órgãos e teclados em faixas como “The Frog (A Rã)”, que abre o disco, e “Mosquito (Fly)”. Os arranjos cheios de groove de Eumir Deodato fizeram do LP um marco do que passou a ser chamado jazz-funk.
48| 1971 – Luli indica Ney Matogrosso para o Secos & Molhados
em julho de 1971, a primeira formação do grupo Secos & Molhados se desfez após uma breve e bem- sucedida temporada no bairro do Bixiga, em São Paulo, tendo atraído pessoas ávidas por novidades. Entre elas, estava a cantora e compositora carioca Luli – parceira de João Ricardo, fundador do grupo, na composição dos sucessos “O Vira” e “Fala”. Foi ela quem indicou Ney Matogrosso, que na época estava vivendo em São Paulo, para preencher a vaga deixada pelo cantor Pitoco. Meses depois, Gérson Conrad entraria para a banda, completando a formação clássica do trio. O Secos & Molhados durou apenas três anos, mas sempre teve shows lotados, e o álbum de estreia bateu recorde de vendas.
49| 1971 – Chico Buarque dribla a censura com as composições do disco Construção
a ditadura brasileira considerava Chico Buarque de Hollanda um “subversivo em potencial” e uma pessoa a ser vigiada. Prevendo algo pior, Chico se autoexilou por 15 meses, vivendo em Roma entre 1969 e 1970. Na capital italiana, sobreviveu se apresentando em programas de TV e shows. De volta ao Brasil, continuou visado pela censura, mas conseguiu de um jeito sutil colocar no mercado material que mostrava sua insatisfação com o regime. Em 1971, Chico lançou o compacto simples “Apesar de Você”, crítica oblíqua ao governo. No mesmo período, registrou o LP mais icônico da carreira, Construção, um manifesto sobre/contra as mazelas do Brasil e o “milagre brasileiro” sob o governo militar.
50| 1971 – Gal lança Luiz Melodia e Jards Macalé no show Fa-Tal
dona da voz feminina de maior alcance na Tropicália, Gal Costa se valeu de seu registro cristalino para manter erguida a bandeira da contracultura entre 1969 e 1972, durante o forçado exílio londrino dos amigos Caetano Veloso e Gilberto Gil. O marco dessa fase de desbunde na carreira da cantora foi o espetáculo Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, sucesso de público e crítica em 1971. Nesse show memorável, Gal lançou Luiz Melodia, cantando “Pérola Negra”, e deu projeção a Jards Macalé (“Vapor Barato”), nomes ainda pouco conhecidos na cena pop brasileira. Gravado ao vivo, o show deu origem a um cultuado álbum duplo, até hoje um dos títulos mais reverenciados da discografia de Gal.
51| 1972 – Clube da Esquina junta a turma de Minas Gerais
o clube da esquina, movimento que aglutinou diversos músicos mineiros, começou nos anos 1960 quando o carioca Milton Nascimento se mudou para Três Pontas e depois para Belo Horizonte.
Com o tempo, Milton se enturmou com os irmãos Marilton e Lô Borges, além de Toninho Horta, Beto Guedes e outros. Essa turma se reunia em um cruzamento das ruas Divinópolis com Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. Assim, o Clube da Esquina era uma calçada onde amigos se encontravam para jogar conversa fora e falar de música, especialmente
Beatles. Em 1972, a amizade virou disco, em um célebre álbum duplo homônimo.
52| 1972 – Rita Lee é dispensada dos Mutantes e se lança solo
após o lançamento do quinto álbum do grupo, Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets (o último gravado com a cantora na banda, em maio de 1972), o apelo pop de Rita Lee cresceu. Já os companheiros se enveredaram pelo rock progressivo. A gravadora Polydor tirou proveito ao lançar no mesmo ano Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida, segundo trabalho solo de Rita Lee, embora todo o grupo esteja no disco. O casamento dela com Arnaldo Baptista havia fracassado, e logo depois, segundo a própria Rita, ela foi “expulsa por não ter o virtuosismo dos demais integrantes”. Foi uma queda para cima: Rita tornou-se a maior artista pop brasileira da década seguinte.
53| 1972 – “Eu Não Sou Cachorro Não” vira bordão popular
a década de 1970 marcou o surgimento e o apogeu comercial de uma geração de artistas populares, gente que cantava as agruras e os anseios do povo e fazia um contraponto à sofisticação sonora e ao engajamento político dos astros da MPB. O baiano Waldick Soriano foi um dos pontas de lança desse grupo de cantores. Bolerista desbragado, machão e folclórico, ele chamava atenção com seu chapéu e óculos escuros. Em 1972, lançou “Eu Não Sou Cachorro Não”, aparentemente um inofensivo lamento amoroso. Mas a canção tocou fundo no coração dos rejeitados. Pelos quatro cantos do país, o que mais se ouvia era gente entoando a frase: “Eu não sou cachorro não”. Até a elite entrou na onda e Waldick acabou aceito nas altas rodas da sociedade.
54| 1972 – Elisimpulsiona a chamada geração nordestina
os anos 1970 também ficaram marcados na MPB pela corrente migratória que deslocou artistas nordestinos para o eixo Rio-São Paulo. O primeiro impulso no movimento geográfico-musical foi dado em 1972 com a gravação de Elis Regina da faixa “Mucuripe”. A música era parceria dos cearenses Fagner e Belchior. Ainda em 1972, os pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo gravaram juntos um álbum que espalhou as sementes de suas obras. Em 1974, o cearense Ednardo lançou o primeiro disco solo. Uma das músicas, “Pavão Misterioso”, ajudaria o trabalho e a geração nordestina a alçarem voos altos na MPB dos anos 1970. Os paraibanos Zé Ramalho e Elba Ramalho engrossariam o coro na segunda metade da década.
55| 1973 – Raul Seixas e Paulo Coelho iniciam a célebre parceria
em 1972, a revista carioca a pomba, uma das poucas publicações alternativas que existiram na época do governo militar, publicou uma entrevista com o professor José da Silva Lemos, mentor da Sociedade Interplanetária do Rio de Janeiro. Ao ler o artigo, intitulado “Comunicação Extra Terrena”, Raul Seixas quis conhecer Paulo Coelho, o autor do texto. No ano seguinte a parceria de composição era inaugurada no álbum Krig-Ha, Bandolo!, continuando nos três álbuns subsequentes. Da amizade surgiram clássicos como “As Minas do Rei Salomão”, “Gita” e “Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás”. Juntos, os dois fundaram ainda a Sociedade Alternativa, inspirada na Lei de Thelema de Aleister Crowley.
56| 1973 – O evento Phono 73 reúne a nata da MPB
entre os dias 10 e 13 de maio de 1973 aconteceu no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, o festival Phono 73. Organizado pela Phonogram, a proposta do evento foi reunir o fabuloso elenco da gravadora em shows que trariam parcerias inusitadas. Foram 31 apresentações, de Zimbo Trio a Mutantes, passando por Wilson Simonal, Erasmo Carlos e Jorge Ben. Caetano Veloso e Odair José cantaram juntos, ainda que sob algumas vaias do público purista que não via com bons olhos a junção do tropicalista- mor e do “cantor das empregadas”. Outro show icônico foi o de Gilberto Gil com Chico Buarque, em que os microfones do palco foram desligados para que eles não apresentassem “Cálice”, censurada na época.
57| 1973 – Gilberto Gil traz de volta o baião
durante o exílio em Londres, entre 1969 e 1972, a distância das terras brasileiras fez com que Gilberto Gil tivesse vontade de redescobrir e se aproximar ainda mais das suas raízes. Um dos primeiros discos lançados após a volta ao Brasil foi Cidade do Salvador (1973). Nele, estava a gravação que marcou a volta do baião às paradas: “Eu Só Quero Um Xodó”, de Dominguinhos e Anastácia, com a sanfona de Dominguinhos acompanhando. A música acabou servindo também para que a carreira de Dominguinhos deslanchasse: ele participou ainda do disco Cantar, de Gal Costa, o que lhe rendeu um contrato com a gravadora Philips. Em 1975, Gil e Dominguinhos estariam juntos novamente no disco Refazenda em faixas como “Lamento Sertanejo”.
58| 1974 – Cartola é redescoberto e grava o primeiro LP
o sambista cartola foi redescoberto em duas ocasiões. Em 1950, o jornalista Sérgio Porto tomou um susto ao encontrar Cartola em um boteco. O sambista havia abandonado a música e vivia de pequenos trabalhos. Cartola, então, voltou ao samba e reiniciou sua carreira. Bons anos depois, em 1974, ele ainda não havia colocado sua voz em um disco próprio. Então, foi a vez de o produtor João Carlos Bozelli, o Pelão, convencer Aluízio Falcão, diretor artístico da Marcus Pereira Discos, a gravar o homem. Cartola se instalou em São Paulo e gravou o primeiro disco, homônimo, entre fevereiro e março de 1974, lançando o trabalho no mesmo ano. Não havia tempo a perder: lançar Cartola, aos 66 anos de idade, era algo urgente depois de tantos anos.
59| 1975 – Tim Maia entra de cabeça na Cultura Racional
foi na casa do músico Tibério Gaspar que Tim Maia teve contato com a Cultura Racional ao ver o livro Universo em Desencanto, que tinha os preceitos da seita. Fascinado pelos textos, que versavam sobre elevação do espírito e seres extraterrestres, Tim deixou de beber e fumar, enquanto tentava convencer os músicos de sua banda a entrar na religião. Aproveitou as bases já gravadas de um futuro LP que tinham sido recusadas pela gravadora e criou letras e títulos novos – tudo em torno da Cultura Racional. Fundou o selo Seroma e lançou os míticos álbuns Tim Maia Racional Vol. 1 e Tim Maia Racional Vol. 2 em 1975 e 1976, respectivamente.
60| 1975 – Sai o cultuado Paêbirú, disco “secreto” de Zé Ramalho
a década de 1970 está repleta de discos que se perderam na história, mas foram redescobertos (e venerados) pelas gerações seguintes. Um desses discos tem uma razão trágica para ter sido esquecido: Paêbirú, estreia fonográfica de Zé Ramalho, feito em parceria com Lula Côrtes, teve uma tiragem de 1.300 unidades, mas uma enchente em Recife levou mil exemplares e a fita master do disco. As 300 unidades restantes dificilmente podem ser encontradas e, quando o são, costumam ter valores próximos a R$ 4 mil. Musicalmente, Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol é uma viagem psicodélica às lendas e mitologias nordestinas em formato de disco duplo. Em 2008, o selo inglês Mr. Bongo relançou o vinil no mercado.
61| 1975 – Festival de Águas Claras junta a contracultura brasileira
o mais perto que a música brasileira teve de um Woodstock nacional foi a primeira edição do Festival de Águas Claras, ocorrido na Fazenda Santa Virgínia, na cidade de Iacanga, no interior de São Paulo, em 1975. Por três dias, cerca de 30 mil pessoas conviveram em harmonia e presenciaram atuações de nomes como o Som Nosso de Cada Dia, Os Mutantes, O Terço, Terreno Baldio, Moto Perpétuo, Grupo Capote, Jorge Mautner e Walter Franco. Essas bandas marcaram o auge do rock progressivo feito no Brasil. Em tempos de repressão, não foi fácil para os organizadores conseguir a liberação do evento, mas todo o esforço compensou e Águas Claras entrou para a história.
62|1975 – Acontece a primeira edição do Hollywood Rock
no início de 1975, no campo do Botafogo, no Rio de Janeiro, ocorreu a primeira edição do festival, com organização de Nelson Motta. A estreia contou apenas com artistas nacionais, representantes de gerações diferentes do rock brasileiro em shows durante quatro sábados seguidos: Rita Lee & Tutti Frutti, Os Mutantes, O Peso, Vímana, O Terço, Erasmo Carlos, Celly Campello e Raul Seixas foram escalados. O evento ficou registrado em Noites Alucinantes, um dos primeiros documentários musicais brasileiros. O Hollywood Rock voltaria a ser realizado mais sete vezes a partir de 1988, em locais cada vez maiores, trazendo bandas como The Rolling Stones e Nirvana em shows memoráveis.
63| 1975 – Made in Brazil ganha “patrocínio” de Ezequiel Neves
no início de 1975, o grupo paulistano Made in Brazil fez uma turnê de duas semanas pelo Rio de Janeiro e três dias em Salvador, apresentando as músicas do primeiro álbum, Made in Brazil (1974).
O então jornalista Ezequiel Neves foi convidado a acompanhá- los até a Bahia. Foi daí que nasceu uma amizade e a parceria na produção dos dois álbuns seguintes, Jack o Estripador (1976) e Pauliceia Desvairada (1978). Ezequiel Neves assumiu sua verve roqueira, fazendo jus ao pseudônimo Zeca Jagger. Mais tarde ele viria a atuar na formação do Barão Vermelho. Em paralelo, o Made in Brazil ganhou uma espécie de mentor em uma fase crucial da carreira, e acabou se tornando peça-chave no desenvolvimento do rock brasileiro.
64| 1976 – Guilherme Arantes entra na trilha da novela Anjo Mau
o artista paulistano havia abandonado a faculdade de arquitetura para seguir carreira na música, tendo participado do grupo de rock progressivo Moto Perpétuo. Só mais tarde teve o talento reconhecido pelo grande público, quando a canção “Meu Mundo e Nada Mais” entrou para a trilha da novela Anjo Mau, exibida pela TV Globo em 1976. A balada tinha uma letra melancólica e reflexiva, mas o refrão irresistível fez dela um sucesso. As portas para o cantor, compositor e pianista foram abertas. Por muitos anos, Guilherme Arantes teve canções incluídas em novelas e especiais de TV, hits que mostravam seu dom para criar melodias cativantes. O pop nacional achava seu mestre.
65| 1976 – A mania da disco music aterrissa no Brasil
o jornalista, compositor, produtor e escritor Nelson Motta sempre foi antenado nas tendências da cultura pop. Depois de ver nos Estados Unidos a febre que era a música dançante executada em casas noturnas, resolveu trazer a novidade para o Brasil. Em agosto de 1976, ele inaugurou em um shopping center no Rio de Janeiro a The Frenetic Dancin’ Days, cujo nome foi baseado em uma canção do Led Zeppelin. A partir daí, a mania da disco music deslanchou com força. Sempre abarrotada, a discoteca de Motta tinha garçonetes cantoras que foram batizadas de As Frenéticas. Não demorou para o sexteto estourar com a música “A Felicidade Bate à Sua Porta”, que as transformou em musas do movimento disco nacional.
66| 1978 – O fim do Vímana lança Lobão, Lulu Santos e Ritchie
a banda carioca de rock progressivo Vímana tinha, em sua formação mais icônica, Lulu Santos, Luiz Paulo Simas, Fernando Gama, Ritchie e Lobão. Eles já haviam lançado um compacto e gravado um álbum quando resolveram convidar o tecladista suíço Patrick Moraz (antigo membro do Yes) para se juntar ao quinteto. Foi o início do fim. O tecladista desprezava Lulu Santos, que logo foi expulso do grupo que ajudou a fundar. Os desentendimentos entre Moraz e os outros integrantes não pararam, o que acabou levando à dissolução da banda em 1978. Mas o fim foi um lucro significativo para parte dos envolvidos: Lulu Santos, Ritchie e Lobão se tornariam grandes astros na década de 1980.
67| 1979 – “O Bêbado e a Equilibrista”, com Elis, celebra a anistia
a partir de 1979, muitas famílias brasileiras começaram a preparar “aquele feijão preto”, como mandava o verso do samba “Tô Voltando” (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro), para receber parentes e amigos que retornavam ao Brasil, vindos do exílio forçado pela ditadura. O país começava a respirar ares mais libertários. A anistia dos exilados e o clima político da abertura lenta e gradual foram sintetizados na gravação, feita por Elis Regina, de “O Bêbado e a Equilibrista”. Símbolo desse novo tempo político e social que vivia o país, a música de João Bosco e Aldir Blanc saudou de forma emocionante “a volta do irmão do Henfil”, o sociólogo Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho.
68| 1979 – Nasce a Vanguarda Paulista no Lira Paulistana
a praça benedito calixto, localizada em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, é até hoje ponto de encontro das mentes mais descoladas da cidade. Isso vem de longe: em 1979, precisamente no número 1091 da rua Teodoro Sampaio, era inaugurado o teatro Lira Paulistana, que funcionava dentro de uma espécie de porão. Por lá passaram nomes da intitulada Vanguarda Paulista, como Rumo, Itamar Assumpção, Titãs, Língua de Trapo, Arrigo Barnabé e Premeditando o Breque, além de mestres da MPB (Tom Zé, Jards Macalé) e bandas iniciantes de punk e metal, entre elas Ratos de Porão, Cólera e Korzus. O Lira, que durou até 1986, virou gravadora, jornal e editora musical, tendo sido ainda foco de uma intensa militância política e cultural.
69| 1981 – O boca a boca em torno da Blitz nas praias cariocas
em uma época em que as praias do Rio de Janeiro eram as verdadeiras redes sociais e o boca a boca era o Twitter de então, surgiu a Blitz. O primeiro e estrondoso sucesso da banda, “Você Não Soube Me Amar”, surgiu de um refrão composto pelo surfista Zeca Proença, em Saquarema. De lá, a estrofe foi pegando onda até Ipanema, onde a música tomou forma com Evandro Mesquita, Guto Barros e Ricardo Barreto. Em pouco tempo, o grupo foi contratado pela Odeon, e a faixa foi lançada em compacto, dando ideia de como seria As Aventuras da Blitz 1, primeiro álbum do septeto carioca. “Você Não Soube Me Amar” vendeu mais de 1 milhão de cópias, catapultando a Blitz para o front do nascente BRock.
70| 1981 – Júlio Barroso e a Gang 90 lançam a new wave no Brasil
para muitos, a década de 1980 começou de verdade quando o músico, jornalista e agitador cultural Júlio Barroso e sua banda, a Gang 90 e as Absurdettes, apareceram no festival MPB Shell da Rede Globo com “Perdidos na Selva”, parceria dele com Márcio Vaccari e Guilherme Arantes. O visual e o som moderno da trupe abriram cabeças: eram os primeiros passos da new wave no país. Barroso tinha morado nos Estados Unidos e voltou de lá antenado. Outros hits vieram: “Nosso Louco Amor” e “Telefone”. Depois de lançar um influente LP com a Gang, o visionário Barroso morreu misteriosamente em 1984, após cair da janela do prédio onde morava. A banda seguiu sem ele e gravou mais dois discos antes de dispersar.
71| 1982 – O fim do Aborto Elétrico gera o Legião Urbana e o Capital Inicial
o último show do aborto Elétrico ficou marcado para a história naquele março de 1982: Renato Russo, já afastado da banda, subiu ao palco da faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília para ocupar o lugar do guitarrista Ico Ouro Preto, que havia sumido horas antes. “Que País É Este”, “Tédio (Com um T Bem Grande pra Você)” e “Veraneio Vascaína” já existiam na boca da plateia da cidade. Era a derradeira vez em que Renato integraria o grupo (que havia deixado de fato em dezembro de 1981, quando o baterista Fê Lemos o acertou com uma baqueta). Renato e Fê eram aglutinadores do movimento punk de Brasília. O fim do Aborto Elétrico separou os amigos, mas abriu caminho para o Legião Urbana e o Capital Inicial.
72| 1982 – O Circo Voador é inaugurado no Rio de Janeiro
em janeiro de 1982, na Praia do Arpoador, foi erguida a lona do Circo Voador pela primeira vez. Organizada pelas trupes que surgiram das oficinas teatrais do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone e capitaneada por Perfeito Fortuna, a primeira sede durou apenas três meses, mas já começou a consagrar a casa. Lá, e depois em seu lugar atual, na Lapa, o Circo recebeu shows de todas as bandas emergentes do rock carioca. Entre elas, Blitz, Barão Vermelho e Os Paralamas do Sucesso. Além de abraçar todo tipo de atividade cultural e estar engajado em projetos sociais, o Circo Voador virou sinônimo de momentos bons nas carreiras dos artistas. Hoje, todos têm uma história para contar sobre o Circo.
73| 1982 – A cena punk ganha vida e movimento em São Paulo
em seus primeiros anos, a cena punk paulista manteve-se dispersa, se resumindo a algumas gangues e uma rixa entre o pessoal da capital e o da região do ABC. Mas, nos dias 27 e 28 de novembro de 1982, aconteceu no Sesc Pompeia o festival O Começo do Fim do Mundo, um evento aglutinador que tentava explicar o que aqueles jovens vestidos com roupas de tachinhas ouviam e pensavam. Pela primeira vez foram colocados juntos grupos de diversos locais de São Paulo, alguns deles rivais. Claro que o clima foi tenso; houve pancadaria e a polícia apareceu para encerrar os shows. No mesmo ano, foi lançada a coletânea Grito Suburbano, primeiro disco do estilo no Brasil, com 12 faixas divididas entre três bandas: Cólera, Inocentes e Olho Seco. O punk entrou de vez na rota nacional.
74| 1982 –A Fábrica do Som coloca o rock paulista no mapa
enquanto a chamada Vanguarda Paulista vicejava no porão do Lira Paulistana, a região do Sesc Pompeia fervia com a nova geração de roqueiros de São Paulo. O Teatro do Sesc foi o local escolhido para a gravação de A Fábrica do Som, programa da TV Cultura apresentado por Tadeu Jungle que tinha como intenção mostrar todo tipo de som e manifestação cultural que eram feitos na cidade. O novo rock paulistano foi revelado ao grande público: Ira!, Ultraje a Rigor, Titãs e muitos outros fizeram seu debute na tela pequena no clima ligeiramente caótico e libertário do Sesc. Barão Vermelho e Os Paralamas do Sucesso também vieram do Rio de Janeiro para provar que o rock seria a bola da vez da década de 1980.
75| 1982 – Os Paralamas do Sucesso começam a tocar na capital
foi com a entrada de João Barone na bateria que tudo aconteceu rápido na história d’Os Paralamas do Sucesso. A formação se consolidou em setembro de 1982, o primeiro show com o nome definitivo ocorreu em outubro e em dezembro eles começaram a tocar no rádio. A fita demo do trio, com três músicas, chegou à Rádio Fluminense FM, conhecida como “a Maldita”, por meio do jornalista Maurício Valladares, na época produtor do programa Rock Alive. A faixa principal, “Vital e Sua Moto”, homenagem ao ex-baterista substituído por Barone, foi tocada à exaustão nos meses seguintes e rendeu à banda um contrato com a gravadora EMI-Odeon.
76| 1983 – É inaugurado o Madame Satã, foco do underground de SP
a cena alternativa de São Paulo fervia na década de 1980. Era formada por artistas e bandas que não se preocupavam em ser comerciais ou populares. Em vez disso, andavam em sintonia com as tendências do que rolava no resto do mundo. Todos aqueles que faziam acontecer no underground da cidade se encontravam no Madame Satã, uma casa noturna localizada no bairro do Bixiga. A informalidade do Satã o tornava o espaço preferido de punks, góticos, escritores, amantes da música eletrônica, poetas, transformistas, fãs de art rock e intelectuais. Pelo palco do lugar passaram nomes como Akira S e As Garotas Que Erraram, Fellini, RPM, Ira! e muitos outros.
77| 1984 – A coletânea SP Metal volta atenções para o rock pesado do país
em agosto de 1984, quatro bandas se reuniram para gravar SP Metal, um álbum dividido entre vários artistas que se tornou a primeira gravação relevante no Brasil do que viria a se chamar de heavy metal. Luiz Calanca comandava a Baratos Afins, loja na Galeria do Rock que também funcionava como selo, e decidiu apostar no segmento. A intenção era lançar discos de várias bandas, mas os altos custos geraram a ideia da coletânea. Foram duas entre 1984 e 1985 – a primeira trazia Salário Mínimo, Centúrias, Vírus e Avenger. No volume 2, a chance foi de Korzus, Abutre, Performances e Santuário. O sucesso midiático do Rock in Rio alavancou a causa do metal e trouxe o holofote para a produção nacional que o SP Metal apresentava.
78| 1984 – Bete Balanço captura o espírito do rock brasileiro
bete balanço, de lael rodrigues, inaugurou a era de filmes jovens no país, capturando com perfeição o zeitgeist da geração BRock que emergia desde o sucesso arrasador da Blitz, em 1982.
Débora Bloch fazia o papel-título da jovem de 18 anos que deixava Governador Valadares (MG) para tentar carreira de cantora em um ensolarado e opressor Rio de Janeiro. O longa foi o grande sucesso de bilheteria do ano, evidenciando ainda mais a importância do rock na rotina do jovem brasileiro. A verve musical era evidente até no elenco, que contou com Cazuza – foi ele quem compôs a icônica canção-tema que alavancou a carreira do Barão Vermelho e o transformou em um grande expoente do rock nacional daquela década.
79| 1985 - Rock in Rio I dá início à era de grandes eventos no Brasil
organizado pelo empresário Roberto Medina durante dez dias consecutivos de janeiro de 1985, o Rock in Rio escancarou as portas para a música ao vivo e colocou o Brasil na rota dos principais artistas internacionais. O público abraçou a causa: quase 1,4 milhão de pessoas assistiram a cerca de 30 atrações no espaço batizado de Cidade do Rock. Alguns desses artistas estavam no auge da carreira, como Queen, AC/DC, Rod Stewart e Iron Maiden. Outro mérito do festival foi levar à grande mídia a ideia do rock como estilo de vida, direcionando atenção às muitas bandas de São Paulo, Rio e Brasília que sintonizavam o espírito jovem de um país à beira da democratização após 20 anos de ditadura militar.
80| 1985 – Cazuza deixa o Barão Vermelho e se lança solo
o barão vermelho se mantinha como uma das principais bandas do país após o furacão causado pelo Rock in Rio. Mesmo assim, os ânimos não estavam em alta entre o grupo e seu cantor e principalletrista. Antes de entrar em estúdio para gravar o quarto disco, Cazuza decidiu seguir carreira solo, alegando a necessidade de desenvolver um trabalho mais autoral. O carismático vocalista queria dar vazão a outras formas de cantar, flertando com a bossa nova e MPB. Lançado em novembro, Exagerado confirmou Cazuza no posto de voz mais impactante da geração do BRock, e também a que causaria mais polêmicas até meados da década seguinte. A essa altura ele já sofria de Aids, doença que o mataria em 7 de julho de 1990.
81| 1985 – Nordeste Já reúne time de medalhões
o projeto nordeste já juntou em um estúdio na Barra da Tijuca um verdadeiro quem é quem da música brasileira. Os nossos astros tentaram repetir a repercussão do USA for Africa e do hit “We Are the World” e se uniram para gravar as músicas “Chega de Mágoa” e “Seca d’Água”, que foram lançadas em um compacto simples beneficente. Participaram notáveis como Guilherme Arantes, Gilberto Gil, Baby Consuelo, Caetano Veloso, Edu Lobo, Tim Maia, Tom Jobim, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Chico Buarque, Maria Bethânia, Nara Leão, Lulu Santos, Fafá de Belém, Rita Lee e Gal Costa, entre outros. Mas quem roubou a cena foi Tim Maia. O Síndico quebrou o clima coletivo de unidade sonora, soltando o vozeirão sem cerimônias.
82| 1985 – Titãs gesta o polêmico Cabeça Dinossauro
o titãs já era um nome de sucesso no rock nacional quando, em novembro de 1985, o guitarrista Tony Bellotto foi preso com 30 miligramas de heroína, em São Paulo. Diante dos policiais, ele confessou ter conseguido a droga com Arnaldo Antunes, cantor e colega de banda. Bellotto saiu da cadeia pagando fiança, mas Antunes ficou preso por 26 dias, acusado de tráfico. Ambos foram condenados à prisão no ano seguinte, mas cumpriram a pena em liberdade. O clima negativo gerado pelo ocorrido se tornou o ingrediente básico do septeto na criação do disco seguinte. Agressivo e catártico, Cabeça Dinossauro é considerado a obra-prima do Titãs, espaço no qual o grupo extravasou a revolta acumulada em faixas como “Polícia” e “Estado Violência”.
83| 1986 – RPM bate recordes de vendagem com Rádio Pirata ao Vivo
no que diz respeito ao fanatismo do público, o mais próximo que o rock nacional teve de uma febre intensa como a nutrida pelos Beatles foi com o RPM. Com o sucesso da estreia Revoluções por Minuto (1985), a banda passou a ser empresariada por Manoel Poladian, que vislumbrou o quarteto estrelando espetáculos ambiciosos. A turnê nacional foi dirigida por Ney Matogrosso, que explorou a presença de palco dos músicos e concebeu a iluminação regada a raios laser e cortinas de fumaça. Sem um disco de inéditas pronto, a opção foi lançar Rádio Pirata ao Vivo. Deu certo, mesmo que metade do repertório fosse de faixas de Revoluções..., ao lado da cover de “London London” (Caetano Veloso) e das inéditas “Alvorada Voraz” e “Naja”.
84| 1987 – O encontro decisivo entre Nelson Motta e Marisa Monte
foi na itália, para onde se mudou com intuito de estudar canto lírico, que Marisa Monte conheceu o produtor musical Nelson Motta. Ao retornar ao Brasil, Marisa o procurou. Em 1987, Motta dirigiu Tudo Veludo, primeiro show da cantora, realizado no Jazzmania e em seguida na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro. A cada apresentação, o carisma e a voz de Marisa deixavam crítica e público embevecidos. Ela foi considerada uma das promessas do ano e, antes mesmo de ter entrado em estúdio, recebeu o convite para fazer um especial de TV na Rede Manchete. Começava aí a consagração, que foi cristalizada dois anos depois, quando Marisa lançou o álbum de estreia, MM.
85| 1988 – O rap nacional dá os primeiros passos
no final dos anos 1980, o universo do hip-hop já estava estabelecido no Brasil. O grafite aparecia pelos muros há pelo menos dez anos, e o break também tinha adeptos. Só faltava o rap. Foi pelas mãos da gravadora Eldorado, que tinha histórico na MPB e na música instrumental, que foi produzido o primeiro disco do gênero, Hip-Hop Cultura de Rua (1988). O álbum serviu como vitrine para quatro nomes seminais do rap brasileiro: Código 13, MC Jack, O Credo e Thaíde & DJ Hum. O nascimento do projeto veio do convite da gravadora para O Credo, que não tinha músicas em número suficiente e chamou os outros artistas para gravar o álbum. Na produção estavam Nasi e André Jung, do Ira!, entre outros.
86| 1990 – Com videoclipes e um mundo de inovações, MTV chega ao Brasil
ao meio-dia do dia 20 de outubro de 1990, a apresentadora Astrid Fontenelle deu as boas-vindas à MTV Brasil. A partir da exibição do primeiro videoclipe – o escolhido foi um remix para “Garota de Ipanema” na voz de Marina Lima –, a música popular amplificou sua participação na televisão nacional, até então centralizada na Rede Globo. Com identidade própria, o canal ditou tendências e passou a ser o principal porta-voz de uma geração jovem sedenta por novidades. Além de dar exposição a artistas nacionais, que tiveram apoio das gravadoras para produzir clipes e se vender visualmente, a MTV encurtou o tempo que levava para lançamentos estrangeiros chegarem ao país.
87| 1990 – Sepultura começa a conquistar outros mercados
o quarteto de belo horizonte liderado pelo vocalista Max Cavalera ainda não era protagonista da cena do metal mainstream em 1990. Com um disco respeitado lançado um ano antes (Beneath the Remains), o Sepultura sonhava com multidões remotas interessadas no tempero diferenciado da banda – perceptíveis nuances tribais pinceladas em um thrash metal bastante técnico e de tendências progressivas. No primeiro semestre foram bem recebidos na Europa. Em agosto, fizeram uma pausa para a gravação de Arise, em Miami. Na estrada pelos Estados Unidos nos meses seguintes, o Sepultura promoveu o álbum cuja consistência e brutalidade o tornaram o maior produto para exportação do rock brasileiro.
88| 1990 – David Byrne ajuda na redescoberta de Tom Zé
em uma visita ao rio de Janeiro no final dos anos 1980, o ex-Talking Heads David Byrne descobriu Estudando o Samba, de Tom Zé. Lançado em 1976, em uma fase em que o desinteresse do público pelo trabalho do baiano crescia à medida que ele se enveredava por experimentalismos, o disco não recebeu praticamente nenhuma atenção, assim como os que vieram a seguir, levando-o ao ostracismo. A atração de Byrne pelo samba torto da obra fez renascer a carreira do artista baiano quando trabalhos dele foram lançados nos Estados Unidos e na Europa via Luaka Bop, selo de Byrne. Cultuado pela geração dos anos 1990, Tom Zé não parou mais e seguiu experimentando.
89| 1992 – Surge o manifesto que daria origem ao mangue beat
as entranhas sociais de Pernambuco já se movimentavam antes mesmo da publicação de “Caranguejos com Cérebro”, artigo de autoria do então jornalista Fred Rodrigues Montenegro (também conhecido como Fred Zero Quatro). Misto de carta de intenções e manifesto, o texto deu a partida nas prerrogativas do movimento que seria mais tarde batizado de mangue beat (ou mangue bit), tendo Chico Science como figura principal. Em menos de dez parágrafos, Zero Quatro resumiu a efervescência artística da região com analogias à riqueza biológica do mangue, divulgou o símbolo do movimento (uma antena parabólica enfiada na lama) e estabeleceu preceitos que ecoaram pelo país.
90| 1992 – Daniela Mercury arrasta multidão em São Paulo
então conhecida apenas no circuito da axé music, Daniela Mercury mostrou o que a baiana tinha no início de uma tarde de junho de 1992, quando literalmente parou o trânsito na Avenida Paulista, uma das mais movimentadas da cidade de São Paulo. Naquela dia, cerca de 20 mil pessoas atenderam ao chamado para assistir a um show da cantora no vão livre do Masp. Egressa da banda Companhia Clic, Daniela tinha apenas um álbum solo lançado pela pequena gravadora Eldorado, com o hit “Swing da Cor”. A exposição obtida com o show garantiu à artista contrato com a Sony Music. Ainda em 1992, o disco O Canto da Cidade consagrou Daniela. E ninguém mais segurava o pop baiano.
91| 1993 – Abril Pro Rock abre caminho para os festivais independentes a primeira edição do festival Abril Pro Rock aconteceu em um domingo de abril de 1993, no antigo Circo Maluco Beleza, no bairro das Graças, em Recife. Aproximadamente 1500 pessoas compareceram. Entre as 13 bandas que se apresentaram, estavam mundo livre s/a e Chico Science & Nação Zumbi – linha de frente do mangue beat. Nas edições seguintes, o evento foi crescendo, despertando a atenção de crítica e público para fora do eixo Rio-São Paulo e se tornando uma grande vitrine para as bandas do movimento, assim como para outras do então novo cenário alternativo. O APR serviu de modelo para todos os festivais independentes que surgiriam em massa a partir dos anos 2000.
92| 1994 – Raimundos assina com o selo Banguela, do Titãs
som extremamente pesado (próximo do hardcore, por vezes misturado com forró) e muitos palavrões por minuto: o Raimundos tinha tudo para dar errado e ser ignorado pelas rádios, que ainda ditavam regras e diziam o que era sucesso ou não. Mas logo a banda viu a carreira tomar grandes proporções. No contexto favorável, estavam a recente safra de outros artistas inovadores (como Chico Science & Nação Zumbi e Planet Hemp) e um selo disposto a comprar a ideia dos caras de Brasília: o Banguela Records, do até então jornalista Carlos Eduardo Miranda em sociedade com integrantes do Titãs. O primeiro disco, homônimo, fechou o ano com 200 mil cópias vendidas e se tornou uma das melhores estreias do rock nacional.
93| 1994 – Caetano Veloso revigora a música latina
caetano veloso se transmutou inúmeras vezes durante sua trajetória, trocando de pele sem cerimônia. Mas uma das mais espetaculares e bem-sucedidas reinvenções do artista baiano aconteceu em 1994, quando ele lançou o disco Fina Estampa. O refinado mergulho na música latino-americana tinha canções que o cantor ouvia na infância e outras melodias que ele descobriu ao longo dos anos. As interpretações dele em espanhol para salsas, rumbas, boleros e guarânias também geraram um show disputado e um álbum ao vivo. O mais importante é que, com o êxito de Fina Estampa, Caetano novamente antecipou uma tendência: o pop latino logo se tornaria a bola da vez não apenas no Brasil, mas também no mundo.
94| 1995 – Mamonas Assassinas é descoberto pelo mainstream
o utopia, grupo de guarulhos (SP), tinha um projeto sério. Mas o quinteto liderado pelo vocalista Dinho era gaiato demais para seguir com aquele perfil. Nos shows, eram as paródias e brincadeiras que mais faziam sucesso. A banda decidiu então mudar o figurino para trajes lúdicos e passou a compor canções com erros de português atreladas a referências à música sertaneja, brega e metal. Rebatizados como Mamonas Assassinas, abocanharam um contrato com a gravadora EMI. O primeiro e único álbum, sob a tutela do produtor Rick Bonadio, chegou a vender 100 mil cópias a cada dois dias. A trajetória fulminante foi interrompida em 2 de março de 1996, por um acidente de avião na Serra da Cantareira (SP) que matou todos os integrantes.
95| 1996 – Renato Russo morre e se consagra como ícone
nas primeiras horas de 11 de outubro de 1996, a morte de Renato Russo encerrou uma das mais bem-sucedidas carreiras da música jovem brasileira. O cantor, batizado Renato Manfredini Jr., foi vítima de complicações pulmonares e renais decorrentes da Aids, aos 36 anos. No entanto, poucos sabiam: desde o diagnóstico – quase seis anos antes –, a doença foi mantida em segredo, já que Renato não queria enfrentar o martírio público ao qual Cazuza havia se submetido anos antes por causa da doença. O culto ao cantor e ao Legião Urbana, que ele liderou desde 1982, resistiu ao tempo e atravessou gerações: os álbuns solo lançados por Renato e os discos do grupo permanecem populares, somando mais de 14 milhões de cópias vendidas.
96| 1997 – Planet Hemp é preso por apologia às drogas
naquele ano, a vida do Planet Hemp não estava fácil. Na turnê do segundo disco, Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára (1997), músicas como “Queimando Tudo” e, claro, “Legalize Já” – do primeiro disco, Usuário (1995) – estavam na boca dos fãs e preocupavam autoridades. Afinal, para estes, o grupo fazia apologia ao uso de drogas, quando pregava, na verdade, a legalização. Com isso, por onde o Planet andava havia advogados e juízes de plantão com a finalidade de enquadrar os “meliantes”. Até que um deles conseguiu: o juiz Vilmar José Barreto Pinheiro autorizou a prisão do grupo em flagrante após um show em Brasília. O caso se tornou um escândalo e aumentou a visibilidade da discussão sobre a descriminação
do uso de drogas no Brasil.
97| 1998 – Racionais MC’s faz tremer o VMB
o dia estava chuvoso na quinta-feira, 13 de agosto de 1998. O tema do Video Music Brasil era “Tesão” e o clipe que mais ganhou prêmios na ocasião foi a superprodução “Ela Disse Adeus”, d’Os Paralamas do Sucesso. Mas o que mais chamou a atenção no Palácio das Convenções do Anhembi foi um grupo formado por quatro negros paulistanos: o Racionais MC’s, sempre recluso e avesso às câmeras, faria um pocket show. O clima estava tenso, a ponto de Carlinhos Brown, MC da noite, tentar interromper uma fala de Mano Brown e ser solenemente ignorado pelo rapper. O vídeo de “Diário de um Detento” saiu vencedor da Escolha da Audiência, categoria de voto popular.
98| 2001 – Los Hermanos desabrocha com Bloco do Eu Sozinho
estigmatizado pelo sucesso de “Anna Júlia”, o Los Hermanos decidiu lançar um disco de ruptura, abandonando o rock dançante da estreia e apresentando uma mistura de MPB, ska, vaudeville e samba-rock. A gravadora pediu que o trabalho fosse refeito, afirmando que “não era comercial”. Os integrantes não aceitaram mudanças e a gravadora não apoiou a divulgação, o que refletiu nas vendas (foram apenas 35 mil cópias, enquanto o anterior somou 300 mil unidades). A mudança sonora que afastou a banda das rádios, no entanto, foi a mesma que a transformou em ícone de uma geração e determinou Bloco... como a obra mais influente para toda uma safra de artistas nacionais surgida na última década.
99| 2006 – Cansei de Ser Sexy assina com a gravadora Sub Pop
quando luísa matsushita se mudou de Campinas, interior de São Paulo, para a capital paulista, não pensava em cantar. A ideia era trabalhar com moda – ela nunca tinha tido uma banda nem tocava nenhum instrumento. O encontro com o músico Adriano Cintra, no entanto, desabrochou na garota uma performer anárquica, que em pouco tempo ganhou os palcos de pequenas casas da cidade à frente do Cansei de Ser Sexy. Em uma trajetória meteórica, graças à produção de Cintra e ao carisma de Luísa (já sob a alcunha de Lovefoxxx), a banda assinou com o selo Sub Pop e mostrou ao mundo que a música produzida no Brasil ia muito além da bossa e da MPB. O CSS abriu, de maneira irreversível, os olhos das gravadoras para a cena independente nacional
100| 2011 – Criolo conclama que “Não Existe Amor em SP”
Kleber Cavalcante Gomes tem uma longa caminhada no rap, desde o fim dos anos 1980. Conhecido como Criolo Doido, era figura importante em rinhas de MCs – quando rappers disputam no improviso quem faz as melhores rimas – e chegou a lançar um disco em 2006, Ainda Há Tempo. Em 2011, já como Criolo, lançou seu segundo trabalho, Nó na Orelha, que o catapultou ao estrelato e chamou a atenção de gente como Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento pela diversidade de sons e contemporaneidade da mensagem. A cinematográfica “Não Existe Amor em SP” se tornou um hino urbano paulistano, igualado até a “Sampa”, de Caetano, e “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa, e chegou a ser usada como slogan político informal na eleição municipal do ano seguinte.