Como o líder do Foo Fighters deixou a insegurança para trás e abraçou a vida como astro do rock
David Fricke | Tradução: Lígia Fonseca Publicado em 13/01/2015, às 11h18 - Atualizado em 28/01/2015, às 14h04
Dave Grohl está prestes a cantar a última música da noite no lugar onde viu seu primeiro show de rock, em 1982: um bar em Chicago, Estados Unidos, chamado Cubby Bear. O grupo era o Naked Raygun, formado por punks locais. Grohl tinha 13 anos – era apenas um menino da Virgínia visitando parentes na cidade, e acabou sendo levado ao show por uma prima. Foi um momento transformador. Tudo de louco e bom na vida dele – abandonar a escola para fazer turnê com uma banda de hardcore, tocar bateria no Nirvana, compor sucessos e lotar estádios com o Foo Fighters, fazer filmes sobre rock – começou ali.
Foo Fighters: um guia faixa a faixa de Sonic Highways.
“Lembrem-se de que a única coisa necessária é vocês chamarem atenção de outra pessoa para uma coisa que mudará a porra da vida dela”, diz Grohl. Ele está falando com a plateia, referindo-se à prima Tracey Bradford, enquanto o Foo Fighters termina uma apresentação de duas horas e meia comemorando a série documental Sonic Highways, feita por Grohl para a HBO (e que estreou no Brasil no canal pago BIS). “Imagine tudo pelo que vocês podem fazer seus amigos se interessarem e assim mudar a...” Grohl olha para alguém fazendo um gesto perto do palco. O sorriso dele se transforma em uma expressão séria. “Estou falando sério, imbecil!”, ele dispara, em uma rara explosão de raiva. Mais tarde, o músico relembra esse momento, ainda irritado: “Aquela menina espertalhona na frente do palco fez assim” – ele aponta um dedo para a própria cabeça, como uma arma, e dispara – “tipo: ‘Uau, estourei meu cérebro”. Foi uma infeliz demonstração de ironia por parte da garota – há 20 anos, o cantor e guitarrista Kurt Cobain, companheiro de Grohl no Nirvana, acabou com a própria vida dessa forma. No Cubby Bear, Grohl rapidamente recupera seu bom humor. “Posso ser um cara sincero, meio nerd”, afirma, “mas tem dado certo nos últimos 20 anos”. Então, ele, os guitarristas Pat Smear e Chris Shiflett, o baixista, Nate Mendel, e o baterista, Taylor Hawkins, começam a tocar a explosiva “Everlong”, de 1997: “Eu me pergunto/ Quando canto com vocês/ Se tudo pode parecer tão real assim para sempre/ Se alguma coisa pode ser tão boa assim de novo”, Grohl canta em um coro uníssono e esperançoso com os fãs.
“As pessoas não conseguem imaginar que algo possa ser tão real e simples e honesto assim”, diz Grohl, de 45 anos, alguns dias após o show, na casa onde mora com a segunda esposa, Jordyn, e as três filhas. É uma propriedade em uma região montanhosa com vista para o San Fernando Valley, em Los Angeles. Enquanto conclui o raciocínio, ele balança a cabeça, arrumando o cabelo comprido e escuro que constantemente cai em seu rosto. “É importante para mim que as histórias que me inspiraram possam inspirar outras pessoas. Não sinto que estou em uma missão, mas tenho a oportunidade e os recursos para fazer isso.” Ele investiu dois anos e dinheiro do próprio bolso – incluindo a arrecadação de dois shows do Foo Fighters em um estádio no México, em 2013 – na série Sonic Highways, que também é título do mais recente disco da banda. Sucessor de Sound City (2013), filme dirigido por Grohl sobre o lendário estúdio homônimo de Los Angeles, o novo programa é uma visita em oito partes a grandes cidades da música de raiz e do rock norte-americanos, como Chicago, Austin, Nova Orleans e Seattle. Grohl concebeu ...Highways, que também dirigiu e para o qual fez entrevistas, com um amplo espectro de artistas contemporâneos e veteranos, incluindo o bluesman Buddy Guy, o vocalista Gibby Haynes, do Butthole Surfers, a cantora country Carrie Underwood e o presidente Barack Obama.
O próprio Grohl é “presidencial pra cacete”, alega Taylor Hawkins, de 42 anos, um cara magro e elétrico que é praticamente uma cópia do vocalista do Foo Fighters em termos de entusiasmo e palavrões. “Dave sempre falou: ‘Tenho algumas músicas boas pra cacete, sei como quero que elas sejam, vamos fazer assim’. Ele nunca ficou sentado dizendo: ‘Porra, o que devemos fazer?’ – nunca.” “Ele tem uma visão”, confirma Pat Smear, de 55 anos, que foi integrante do The Germs, banda seminal do punk de Los Angeles, e tocou pela primeira vez com Grohl no Nirvana, um ano antes da morte de Cobain. “Nosso trabalho é chegar a essa visão ou fazer algo que a supere.” “Dave não quer entrar em estúdio e fazer um álbum do jeito comum”, afirma o produtor Butch Vig, que trabalhou no disco Nevermind (1991), do Nirvana, e coproduziu Sonic Highways, o álbum. “Ele quer ver uma história que dê alguma relevância àquilo.” Além disso, Vig observa, “as pessoas o seguem porque acreditam que Dave é sincero. Isso aparece na música. É como se o cara lá da rua tivesse feito”.
Em seu estúdio caseiro, em um canto no andar de cima da casa, o vocalista, guitarrista, compositor, baterista e cineasta se porta como alguém que mal acredita na própria sorte, tocando algumas demos de guitarras enfurecidas que gravou aqui para ...Highways. É um ambiente modesto, com espaço suficiente para uma mesa, um sofá e uma cabine à prova de som pequena com uma bateria. É necessário inclinar a cabeça para trás para notar os 15 prêmios Grammy que estão enfileirados no topo de uma estante. “Você precisa me imaginar aqui depois de um dia fazendo coisas de pai”, ele grita deliciado por cima de uma torrente de guitarras com fuzz. “Sou eu depois de ter bebido três quartos de uma garrafa de vinho, de cueca, criando ri s a noite inteira.” Passa das 10h da manhã, mas Grohl está acordado desde as 5h45 – fez café e montou as lancheiras para as filhas Violet, de 8 anos, e Harper, de 5, e as levou para a escola. Parou em uma borracharia para trocar um pneu furado e acabou de voltar. Logo sairá novamente e dirigirá 15 minutos até o Studio 606, local em que o Foo Fighters costuma gravar e onde está editando o episódio da série gravado em Nova York.
Antes disso, porém, Grohl prepara o próprio café da manhã tardio, engole, limpa tudo e mostra a casa, parando em um berço para pegar a filha mais nova, Ophelia, nascida em agosto de 2014, para um pouco de colo. Durante todo o tempo, ele faz comentários animados e cheios de palavrões sobre sua vida, obra e muitos amigos do rock. Há histórias sobre uma troca engraçada de e-mails com David Bowie, tocar com Prince e receber Paul McCartney em casa para tomar vinho. “Você não sabe quantas coisas dos Beatles possui até ele fazer uma visita”, diz Grohl com uma risada envergonhada, passando por um pôster de Yellow Submarine na parede.
“Porra, não! Nem um pouco”, exclama, quando pergunto se ele se sente igual a todos esses ícones. “Quando você toca com Paul McCartney, não se sente igual a ele.” Só que, no estúdio, Grohl conta uma história sobre ir a uma festa de Elton John na noite do Oscar e sentar perto da atriz Eve Hewson, filha de Bono, do U2. “Falei: ‘Posso te fazer algumas perguntas sobre crescer com um pai astro do rock? É porque tenho três filhas’. E o Bono que ela descreveu é meu Bono preferido: preparando lancheiras, levando os filhos para a escola, lendo histórias. Claramente, a maioria dos músicos é assim.”
Acompanhante de luxo: as mais emblemáticas parcerias de Dave Grohl.
“Tenho que sacrificar horas de sono para fazer o que quero”, continua. “Este último ano teve mais responsabilidades do que qualquer outro momento da minha vida – a série, o álbum, a família, manter uma banda por 20 anos. É loucura, mas são quatro coisas que amo.”
O Cara Mais Ocupado do Rock
Dave Grohl encontrou tempo na apertada agenda para falar um pouco sobre os novos shows do Foo Fighters no Brasil
Por: Pedro Antunes
Aos 45 anos, Dave Grohl não para. Não por acaso, uma busca pelo nome dele ou do Foo Fighters na internet revela ao menos uma novidade toda semana. Naquela tarde de quarta-feira, fim de outubro, não era diferente. Falando ao telefone, diretamente de Los Angeles, o líder e criador do Foo Fighters se preparava para o lançamento mais ousado da carreira. O disco Sonic Highways chegaria às prateleiras em algumas semanas, em novembro, mas já vinha sendo mostrado aos poucos na série homônima exibida, nos Estados Unidos, pela HBO (e pelo canal pago BIS, no Brasil). A América do Sul será o primeiro destino do grupo em 2015. O quinteto passará por Chile e Argentina antes de fazer três apresentações no Brasil (21/1, Porto Alegre; 23/1, São Paulo; 25/1, Rio de Janeiro e 28/1 Belo Horizonte). Apesar de não vir ao país com tanta frequência – será a terceira vez –, o músico derrete-se de amor pelo público brasileiro.
Em 2012, o anúncio de que a banda não faria shows por algum tempo pegou todos os fãs de surpresa. Muitos deles questionaram se o grupo chegaria ao fim.
Nos últimos dois anos, estivemos trabalhando neste programa de televisão. Quero dizer, estamos trabalhando neste projeto há muito tempo, mas não podíamos contar. Mantivemos em segredo, mas foi tempo pra caralho. Foi um ano de planejamento e, depois, um ano inteiro gravando e fazendo este disco. Estivemos ocupados. Não fizemos tantos shows nestes dois últimos anos porque estávamos trabalhando nisso. Mas, quer saber, estamos felizes em sair do estúdio e tocar. Além de tudo, o público daí é maluco pra cacete! Todas as vezes que fomos até aí, tivemos os melhores shows do mundo.
Questionado sobre os luxos do dia a dia de superastro, Grohl responde apontando para uma janela e mostrando uma van Ford Falcon 1965 estacionada – que, no momento, não funciona. “É incrível pra cacete, cara, mas não é barato”, afirma sobre manter o veículo funcionando. Ele parou de usar drogas – ácido, cogumelos e maconha – quando tinha 20 anos. “Nunca cheirei cocaína, porque me conheço”, revela, referindo-se à sua personalidade já acelerada. “Nunca tentei heroína. Remédios controlados são ruins. Gosto de vinho. Sou o bêbado divertido. Você sabe que passei do limite quando calo a boca.” “Não fico maluco com os excessos da vida de astro do rock”, acrescenta. “Quando o Nirvana ficou famoso, eu alugava uma casa com um amigo. Tinha um colchão, um abajur e um armário para minhas roupas. Dez milhões de discos depois, ainda estava no mesmo quarto com colchão, abajur e armário.
Não sabia o que comprar. Isso” – ele diz, apontando para algumas guitarras penduradas na parede do estúdio – “é muita coisa para mim. Não sei o que fazer. Fico perdido”. De repente, ele pula da cadeira. “Precisamos sair”, exclama animadamente. “Tenho de ir para meu outro escritório.”
Em setembro de 2013, Dave Grohl estava em um corredor do Studio 606, coberto do chão ao teto por cartazes de shows e placas com números de vendas de álbuns, e me descreveu sua ideia para Sonic Highways. Duas semanas depois, ele me entrevistou em Nova York para a série. O local escolhido foi o Magic Shop, um estúdio lendário no Soho onde Bowie, Lou Reed e Sonic Youth gravaram discos importantes (não fui pago pela minha participação). “Nunca me considerei um cineasta”, afirmou mais tarde. “Não sabia o que significava ser um diretor além de dirigir alguns clipes bobos do Foo Fighters.” Só que ele é um contador de histórias nato. Butch Vig observa que Grohl tipicamente separa uma ou duas horas nos ensaios da banda para bater papo. “Isso relaxa todo mundo”, conta o produtor. “Você não se preocupa com determinado acorde – fica absorto na vida e nas histórias de Dave Grohl.”
O estilo dele como entrevistador para >Sonic Highways foi igualmente solto. “Eu chegava às entrevistas com perguntas para as quais não sabia as respostas. Vi aquilo como aulas”, conta. Em Nova Orleans, ele abriu a conversa com Ben Ja e, diretor criativo da Preservation Hall Jazz Band e tocador de tuba, dizendo que não sabia nada sobre a cidade ou sobre jazz. A entrevista de Grohl com Obama para a série não foi a primeira ida do roqueiro à Casa Branca. Em 2010, quando Paul McCartney recebeu o prêmio Gershwin da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, ele cantou “Band on the Run” na Sala Leste com Obama na primeira fileira. Agora, ele se encontrou com o presidente norte-americano para o que deveria ser uma filmagem de 15 minutos. “Tinha sido um dia pesado para ele”, Grohl relembra. “Estávamos voltando para o Iraque. Era a última coisa do dia na agenda.” Só que os 15 minutos viraram 45. Obama “afrouxou a gravata e entrou no clima”. O vocalista do Foo Fighters deixou esse encontro para o último episódio de ...Highways. “Falei com o presidente por um motivo específico”, conta, inclinando-se na cadeira para dar ênfase, “que, porra, posso te contar: queria falar com Obama sobre os Estados Unidos como um país onde a oportunidade de seguir seus sonhos é real. Exemplos não faltam: Buddy Guy e sua guitarra feita de pedaços de madeira; um garoto de Springfield, Virgínia, que acaba no Hall da Fama do Rock; ou um menino do Havaí que se tornou o primeiro presidente afrodescendente dos Estados Unidos”.
“Essas coisas podem acontecer em nosso país”, ele prossegue, quase gritando para o gravador. “Então, por que não fazer isso você mesmo? Por que não encontrar o que você não sabe como fazer e simplesmente fazê-lo? A oportunidade está ali.”
Vale a pena observar que o nome completo da série é Foo Fighters: Sonic Highways e que o encarte do disco diz: “Todas as faixas compostas pelo Foo Fighters”. Grohl não gosta de trabalhar sozinho. “São as músicas do Dave”, diz Chris Shiflett, de 43 anos, que entrou para a banda em 1999. “Se ele as tocasse com outra banda, ainda seriam boas, mas não seriam estas músicas.” “Ouvi Dave dizer a alguém de outra banda há pouco tempo: ‘Você só precisa ter uma banda que torne o seu som muito bom’”, conta Smear. “Foi o que fiz.” Não foi fácil, no entanto. “Eu não tinha um plano”, relata Grohl sobre o que pensava em 1994 depois da morte de Cobain. Ele se lembra de uma viagem à Irlanda, dirigindo no meio do nada, “feliz por estar longe de tudo”, até que passou por um rapaz que pedia carona e usava uma camiseta com o rosto de Cobain. “Naquele momento, pensei: ‘Tenho de fazer alguma coisa’.” Em julho de 1995, Grohl lançou Foo Fighters, um álbum no qual compôs, cantou e tocou praticamente tudo. Então, formou uma banda para tocar as músicas ao vivo, com Smear e Nate Mendel na primeira formação. O agora vocalista aprendeu sobre liderar uma banda do jeito difícil, demitindo um membro da formação inicial – Franz Stahl, amigo íntimo da época do Scream – e perdendo outros (Smear saiu em 1997 e voltou nove anos depois). Mas ele sempre se fez ouvir.
Mendel, de 45 anos, confessa que estava cético quando Grohl contou aos outros integrantes sobre os planos para Sonic Highways, mas não disse nada na época. “Aprendi a me segurar, deixar a ideia se desenvolver”, afirma. “Nosso papel não é ser o estraga-prazeres. Dave não precisa disso, tem sua própria noção de edição.” “Se ele está empolgado em fazer um disco, é minha tarefa dar andamento a isso, do jeito que ele quiser”, corrobora Hawkins, que era baterista da Alanis Morissette antes de entrar para o Foo Fighters, em 1997. Quando Grohl fica cansado ou irritado, a dinâmica muda, mas não a relação dele com os integrantes. Ele não grita com a banda – ele “ferve” por dentro, como diz Vig. “O tom de voz muda. Ele fica quieto, sério.” O mais perto que o líder chegou de acabar com o Foo Fighters foi durante uma turnê em 2001, quando Hawkins sofreu uma overdose em Londres.
Para Grohl, que conviveu com o vício de Cobain em heroína, era a história ameaçando se repetir. Mesmo assim, ele ficou ao lado da cama de Hawkins no hospital por 12 dias, até o baterista se recuperar. Mais tarde, recebeu um bilhete da mãe, Virginia Grohl, em que leu: “Sua natureza altruísta é a coisa de que mais me orgulho em você. Procure no dicionário”. Ele ri. “Nem sabia que essa palavra existia.” Hawkins, agora casado e com dois filhos, não gosta de relembrar o que chama de “minha idiotice”, enquanto professa lealdade absoluta a Grohl: “Ele é o maior líder que existe no rock, ponto”. Krist Novoselic, ex-baixista do Nirvana, que é próximo do artista e ainda toca com ele ocasionalmente, descreve um show do Foo Fighters que viu há três anos na cidade de Bu alo: “O lugar estava lotado e Dave estava bem ali – era o show dele. Olhei para cima e havia uma mulher no mezanino, de pé, cantando e dançando com a música. Pensei: ‘Ela trabalhou o dia inteiro, o mês inteiro, e esta é sua noite de folga’. É isso o que Dave quer levar às pessoas. Pensei: ‘Bom para ela. E bom para o Dave’”.
Uma coisa que Grohl nunca fez com o Foo Fighters é tocar músicas do Nirvana. “Não consigo imaginar como isso seria possível”, diz, com a voz ficando mais baixa. A indução do Nirvana ao Hall da Fama do Rock and Roll, no último mês de abril, foi uma exceção extrema, com Grohl, Novoselic e Smear ressuscitando quatro clássicos de Cobain com diferentes cantoras, incluindo St. Vincent e Lorde. Naquela noite, o trio deu uma festa no Brooklyn, tocando mais músicas do Nirvana com amigos e fãs como J Mascis, do Dinosaur Jr. Aquilo, Grohl se derrete, “foi como a porra de um batismo, mergulhar no rio e tal”.
Grohl caracteriza seu papel cotidiano nos negócios do Nirvana, como as recentes reedições de Nevermind e In Utero (1993), como “pouca coisa”. Para ele, o Nirvana ainda é “a banda do Kurt e do Krist”. Enquanto dirige até o Studio 606, o músico menciona um ponto de virada pessoal na indução ao Hall da Fama: quando Courtney Love, viúva de Cobain, olhou para trás durante seu discurso e o abraçou. Os dois tinham brigado feio desde a morte de Cobain; em 2001, Courtney processou Grohl e Novoselic por controle do catálogo do Nirvana (eles entraram em acordo antes do julgamento). O baterista estava nervoso quando chegou à cerimônia. “Não a via fazia muito tempo e muita coisa tinha acontecido”, conta. Então, avistou Courtney andando no meio da multidão. “Peguei no braço dela e ela se virou. Vi a Courtney Love que conheci em 1990, quando estava em Los Angeles tocando bateria com o L7. Danem-se todas as outras merdas. Tenho mais o que fazer do que ficar remoendo o passado.” Grohl faz uma pausa enquanto entra no estacionamento do 606 e, então, sorri. “Acho que agora podemos ser amigos.”
No Cubby Bear, sentado em um banco no lounge do andar superior, Dave Grohl mostra uma de suas muitas tatuagens, no braço direito: o símbolo do infinito, dentro de fileiras de texto que dizem “No fim, todos viemos do que veio antes”. Grohl a fez há alguns meses, na semana em que morreu o pai, James Grohl, e seis dias depois que a filha caçula nasceu. “Tento não me ater demais ao passado”, ele afirma, “mas não estaria aqui se não fosse por ele e não teria tudo isso.” Ele olha em volta da sala, sorrindo, enquanto os outros integrantes do Foo Fighters se preparam para o show. “Mal posso esperar para ver o que acontecerá depois.”
Querido por todos
Mesmo em meio a adversidades, o vocalista do Foo Fighters sempre manteve o bom humor
A mãe de Dave Grohl, Virginia Grohl, não costuma medir elogios ao filho. “Ele aprecia as coisas”, ela diz. “Tem respeito por sua história e raízes.” Virginia criou o filho e a irmã mais velha dele, Lisa, depois de se divorciar do pai de ambos, James, um jornalista e poeta ocasional. Grohl tinha 6 anos quando eles se separaram. Professora de ingles e oratória do ensino médio, Virginia não se opos quando o cacula tomou a decisão de abandonar a escola aos 17 anos para fazer uma turnê pela Europa com sua primeira banda de verdade, Scream. “Costumávamos conversar sobre música e o futuro”, ela conta. “Dinheiro nunca fez parte da conversa, que sempre foi sobre estar com uma banda e ir ver outras bandas. Dave era decidido na época.” Virginia faz uma pausa. “Ele é motivado agora. Não sei em que velocidade está no momento. Está além de qualquer coisa que eu consiga descrever.” As fotos de infância de Grohl que ilustram os episódios de Foo Fighters: Sonic Highways nas cidades de Chicago e Washington normalmente o mostram posando para a câmera ou dando um grande sorriso. Virginia conta que o rapaz sempre estava feliz, mesmo depois do divórcio. “As pessoas queriam ficar perto dele o tempo todo.” “É o DNA da minha mãe”, rebate o vocalista do Foo Fighters sobre seu conhecido bom humor. “Ela era uma professora de escola pública criando dois filhos com US$ 18 mil de salário anual, trabalhando em três empregos, e nunca reclamou. Nunca pensei que não tínhamos o suficiente.”
Dias Complicados
O baterista sempre teve a personalidade mais ensolarada do Nirvana, ainda que, secretamente, questionasse seu papel no trio
Embora Dave Grohl não tenha passado por grandes traumas com a separação dos pais, ele ainda sentia que precisava de uma válvula de escape. A encontrou sozinho, quando gravava a si mesmo em um toca-fitas, falando sobre seus problemas e medos, e dormia ouvindo a fita. “Comecei a encontrar essa especie de lugar seguro”, conta agora, “onde só tinha de depender de mim mesmo para sobreviver emocionalmente”. Essa segurança veio a calhar quando ele entrou para o Nirvana, em 1990, e se tornou o sexto baterista da banda depois que Kurt Cobain e Krist Novoselic o viram tocar com o Scream em São Francisco. Grohl resume a quimica do Nirvana da seguinte forma: “Eu estava celebrando a vida esmurrando minha bateria. Kurt estava questionando a vida em suas musicas. E Krist era o motor – era quem fazia Kurt se levantar para fazer as coisas”. “Dave era descaradamente bobo”, diz Novoselic. “Você perde muito tempo em uma banda, esperando pelo show, sentado em uma van – sempre dava para esperar que Grohl dissesse algo engraçado.” No entanto, no final de 1993, em sua ultima entrevista para a Rolling Stone, Cobain expressou preocupação com o baterista, dizendo que Grohl ainda sentia que poderia ser substituído a qualquer momento... “Acho que ele é uma pessoa que precisa de confirmação às vezes.” O líder do Foo Fighters da de ombros quando ouve essa frase, indicando que saiu do Nirvana “algumas vezes” por frustração, antes da morte de Cobain, e contando que uma vez flagrou o guitarrista dizendo a alguém, depois de um show: “O Dave está estragando tudo”. “É algo complicado de revirar”, diz, “porque Kurt não está mais aqui e tive ótimos momentos com ele, que me fizeram sentir totalmente necessário”. Na verdade, ele argumenta, “a vulnerabilidade de ser o sexto baterista do Nirvana não é nada quando comparada a ser o vocalista de uma nova banda depois do Nirvana. Passei anos levando porrada, cara, lutando para enfrentar isso. As pessoas se ressentiam de mim. Foram anos da minha vida.”
O Cara Mais Ocupado do Rock
Dave Grohl encontrou tempo na apertada agenda para falar um pouco sobre os novos shows do Foo Fighters no Brasil
Por: Pedro Antunes
os 45 anos, dave grohl não para. Não por acaso, uma busca pelo nome dele ou do Foo Fighters na internet revela ao menos uma novidade toda semana. Naquela tarde de quarta-feira, fim de outubro, não era diferente. Falando ao telefone, diretamente de Los Angeles, o líder e criador do Foo Fighters se preparava para o lançamento mais ousado da carreira. O disco Sonic Highways chegaria às prateleiras em algumas semanas, em novembro, mas já vinha sendo mostrado aos poucos na série homônima exibida, nos Estados Unidos, pela HBO (e pelo canal pago BIS, no Brasil). A América do Sul será o primeiro destino do grupo em 2015. O quinteto passará por Chile e Argentina antes de fazer quatro apresentações no Brasil (21/1, Porto Alegre; 23/1, São Paulo; 25/1, Rio de Janeiro e 28/1 Belo Horizonte). Apesar de não vir ao país com tanta frequência – será a terceira vez –, o músico derrete-se de amor pelo público brasileiro.
Em 2012, o anúncio de que a banda não faria shows por algum tempo pegou todos os fãs de surpresa. Muitos deles questionaram se o grupo chegaria ao fim.
Nos últimos dois anos, estivemos trabalhando neste programa de televisão. Quero dizer, estamos trabalhando neste projeto há muito tempo, mas não podíamos contar. Mantivemos em segredo, mas foi tempo pra caralho. Foi um ano de planejamento e, depois, um ano inteiro gravando e fazendo este disco. Estivemos ocupados. Não fizemos tantos shows nestes dois últimos anos porque estávamos trabalhando nisso. Mas, quer saber, estamos felizes em sair do estúdio e tocar. Além de tudo, o público daí é maluco pra cacete! Todas as vezes que fomos até aí, tivemos os melhores shows do mundo.
Estas quatro apresentações no Brasil serão as primeiras nas quais o Foo Fighters não dividirá as atenções com ninguém, diferentemente do que ocorreu no Rock in Rio 2001 e no Lollapalooza 2012.
O que eu acho legal dos festivais é que as pessoas podem explorar diferentes tipos de música. Eu adoro tocar neles por pensar em pessoas que estão ali nos vendo pela primeira vez. Gosto da ideia de que alguém que nunca ouviu o Foo Fighters possa experimentar o nosso show ali.
O primeiro disco do Foo Fighters completa 20 anos em 2015. O curioso é que a estreia da banda na televisão norte-americana foi no Late Show with David Letterman e, 19 anos depois, vocês voltaram ao programa para uma residência de uma semana. Imagino que a pressão e a ansiedade foram imensamente menores desta vez, não?
É diferente agora. Na primeira vez que tocamos no ...David Letterman, havia apenas um ano que éramos uma banda, talvez. Ainda estávamos aprendendo. Então, hoje é diferente por isso. Agora a gente se conhece muito como indivíduos e como banda. Mas ainda fico nervoso momentos antes de me apresentar, embora esse nervosismo seja mais ligado à excitação, à ansiedade de estar no palco. Não é como o medo, entende? É como estar a poucos momentos de saltar de paraquedas. Você está ali, no avião, prestes a pular, e a adrenalina é ótima. As pessoas pensam que quando se está numa banda de rock, você é diferente dos outros seres humanos. Mas quando se está numa banda por 20 anos, forma-se uma família. Quando subimos nós cinco ao palco, entramos como amigos, entende? Isso levou 20 anos para acontecer. Não era assim no começo, mas atingimos esse nível agora.
Aquele show foi importante por mostrá-los ao vivo para os Estados Unidos depois do fim do Nirvana. Consegue lembrar o que passava na sua cabeça?
Posso dizer que tudo daquele primeiro momento chega para mim como uma lembrança meio embaçada. Tudo, o primeiro disco e aquela turnê. Ficamos muito tempo na estrada, éramos jovens demais. Todas aquelas experiências, como o primeiro Reading Festival [na Inglaterra], o show no programa do Letterman, a nossa primeira van de turnê... Tudo era muito novo e enormemente excitante. Mas é como tentar se lembrar do primeiro ano na escola, sabe? Com todas aquelas novas experiências. Não consigo me recordar de muita coisa, somente que era incrível.
Seu nome sempre está em listas do tipo “Os Caras Mais Legais do Rock”. Pensando no Dave Grohl adolescente, imagino que estar em uma lista dessas não passava pelas possibilidades que você enxergava para a sua vida.
Bom, eu não me acho o cara mais legal do rock [gargalha]. Sou muito sortudo de conseguir viver e fazer o que eu mais gosto. Eu amo todos os tipos de música e tenho a oportunidade de encontrar, conhecer e passar um tempo com músicos. Eles são como eu, são como a minha tribo. Se eu não tivesse tocando, não sei o que faria. Não terminei o colégio, sempre trabalhei em coisas como construção civil, umas porras de pizzarias, lojas de móveis. Eu era só um jovem norte-americano comum. Quando o Nirvana se tornou popular, de repente, a minha vida mudou. Tive a liberdade de seguir todos esses sonhos. Hoje eu posso fazer música, posso viajar o mundo. A música definitivamente preencheu a minha alma nos últimos 25 anos. Tem havido altos e baixos, mas tem sido uma ótima experiência de vida. Quando eu converso com jornalistas, fãs, pessoas na rua ou presidentes, tenho a oportunidade de conhecê-los de ser humano para ser humano. Acho que todo mundo deveria se tratar com delicadeza e compaixão. Seja um fã, seja um empresário em um avião. Não importa para mim. Pessoas são pessoas e eu sempre gostei de conhecer e encontrar gente diferente. Esse é o maior luxo da minha vida.