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Pela proteção do Brasil

Como o país se defenderia em caso de invasão? Quais ameaças enfrentaríamos? Qual o real papel do Exército? No Livro Branco da Defesa Nacional, o governo expõe estratégias de segurança e defesa para uma nação pacífica, mas nada indefesa

Bruno Huberman Publicado em 13/12/2012, às 16h37 - Atualizado às 16h39

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Ilustração - Rodrigo Yokota
Ilustração - Rodrigo Yokota

A última bala disparada por um rifle brasileiro contra um soldado inimigo foi deflagrada na Segunda Guerra Mundial – durante a campanha das Forças Expedicionárias Brasileiras na Itália, em 1945. O envolvimento anterior das nossas Forças Armadas em um conflito bélico acontecera na Guerra do Paraguai, em 1870, ainda sob o Império de Dom Pedro II. Pela ausência na participação de conflitos armados ao longo de sua história, o Brasil se tornou uma nação pacífica – as vias diplomáticas quase sempre prevaleceram sobre a das armas para a solução dos litígios internacionais, principalmente os fronteiriços, e na garantia de sua defesa nacional.

Graças à imprevisibilidade do cenário internacional e ao aumento do envolvimento brasileiro no processo decisório do atual xadrez mundial – tudo possibilitado pelo desenvolvimento da economia local e pelo exercício de uma política externa autônoma –, cresce a preocupação do Estado brasileiro na preservação da soberania e do interesse nacional. Um Brasil mais forte, dizem as autoridades, exige uma defesa mais forte. Ainda que essa afirmação seja passível de contestação, os nossos governantes entendem que não é apenas por meio da força da arma que se defende um país – até porque a nossa capacidade bélica não permitiria tamanha pretensão.

Hoje, o Brasil dispõe de quatro principais formas de dissuadir uma eventual ameaça externa: pela projeção de seus valores pacíficos e democráticos; pela negociação diplomática; pela construção de um complexo de segurança regional na América do Sul por meio da cooperação com os nossos vizinhos sul-americanos; e por suas capacidades materiais bélicas. No árduo caminho para tornar a nação brasileira um protagonista global, entretanto, a presidente Dilma Rousseff terá ainda de superar algumas “heranças malditas” deixadas por Luiz Inácio Lula da Silva, seu padrinho político e antecessor.

A estratégia de defesa do Brasil passa por “propiciar e garantir condições para que se possa considerar que o país não corra risco de uma agressão externa, nem seja exposto a pressões políticas ou imposições econômicas insuportáveis, e seja capaz de, livremente, dedicar-se ao próprio desenvolvimento e ao progresso”. Esse trecho foi extraído da primeira edição do Livro Branco de Defesa Nacional, lançado pelo Ministério da Defesa em julho deste ano, ao lado das revisões da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa. Esses três documentos fazem parte de um esforço do Estado brasileiro em institucionalizar os paradigmas nacionais em questões de segurança e defesa nas relações entre civis e militares, que têm como marco histórico o fim da ditadura militar, em 1985. A extinção dos ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica – criados pelo regime militar –, para a criação do Ministério da Defesa, em 1999, deu continuidade ao processo por meio da centralização dos militares em uma instituição sob autoridade civil.

Ao tornar públicas e notórias as políticas e estratégias de defesa, o Estado brasileiro não apenas incentiva o debate público da temática, mas deixa claro às outras nações seu posicionamento quanto à segurança internacional. “Com o Livro Branco, o Brasil quer dizer ao mundo que não tem cartas nas mangas, nem nada tem a esconder em relação aos gastos e recursos empregados na construção do seu sistema de defesa”, define o professor Eurico de Lima Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Quer dizer que pretende se alinhar entre as principais nações e que, para isso, precisa cuidar de sua defesa como política de Estado.”

Sexta maior economia do mundo (segundo o Fundo Monetário Internacional) e caminhando para se tornar a quinta, o Brasil possui um enorme patrimônio a ser defendido contra possíveis ameaças externas, como extensas reservas de água potável, enorme biodiversidade, vastos recursos minerais e uma população de mais de 190 milhões de habitantes. As recentes descobertas do pré-sal elevaram o país a um novo patamar de reservas e produção de petróleo e gás. Com a maior costa Atlântica do mundo e uma fronteira terrestre de mais de 15 mil quilómetros dividida com dez países, a garantia da segurança de nossa pacífica nação exige um esforço superlativo. “Ser pacífico não significa ser indefeso”, ressaltou o ministro da Defesa, Celso Amorim, no lançamento do Livro Branco durante o encontro da Associação Brasileira de Defesa (Abed), em agosto deste ano.


Particularmente, o planejamento da defesa se concentra nas áreas vitais onde estão centralizados os poderes políticos e econômicos, como as metrópoles Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Da mesma forma, a Amazônia e o Atlântico Sul também são regiões prioritárias. Na selva amazônica, em especial, as Forças Armadas são utilizadas em ações estratégicas para o fortalecimento da presença do Estado no local, por meio de uma política que transita entre o preconceito nacionalista ideológico dos tempos da ditadura (que entende a região como um “vazio demográfico”) e a conservação de nossos bens naturais por meio do desenvolvimento sustentável.

Nos últimos anos, a política externa brasileira assumiu uma agenda autônoma em relação aos arranjos das grandes potências internacionais, garantindo a projeção dos seus interesses e valores na governança global: a cooperação, a paz e o desenvolvimento sustentável. Ao lado de Japão, Alemanha e Índia, o Brasil pede a reforma do Conselho de Segurança da ONU, o principal foro deliberativo no que diz respeito à segurança internacional, que tem como únicos membros permanentes – e com direito a veto – os vencedores da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos, Rússia (ex-URSS), China, França e Grã-Bretanha. Também integram essa agenda exterior brasileira as políticas de defesa que, além de garantirem a soberania de nosso território, buscam o reposicionamento do Brasil por meio de um vasto rol de alternativas diplomáticas, como o projeto de integração sul-americano.

Celso Amorim, atual ministro da defesa, foi o principal responsável pela guinada autónoma na política externa brasileira quando titular das Relações Exteriores nos oito anos do governo Lula. A nomeação de Amorim para a pasta da Defesa, após a demissão de Nelson Jobim, foi muito comemorada por setores progressistas da sociedade pelo prestígio do antigo chanceler e pela vinculação das políticas externas às de defesa. Apesar do pouco tempo no cargo – Amorim tomou posse em 4 de agosto de 2011 –, o ministro já tem deixado a sua marca.

Para Samuel Alves Soares, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o protagonismo do projeto de integração sul-americano para a criação de um complexo de segurança regional como mecanismo de defesa é um sinal do dedo de Amorim. “Nas primeiras edições da política e da estratégia de defesa, não havia esse tensionamento na integração sul-americana. Esse não era o foco”, afirma Soares, ex-presidente da Abed. “Quando chanceler, o Amorim colocou como prioridade a cooperação com os nossos vizinhos sul-americanos, uma linha da política Sul-Sul. Essa mudança na orientação da política de defesa já mostra a influência dele.”

A primeira década do novo milênio marcou uma alteração no perfil do projeto de integração sul-americano. Possibilitado pela ascensão de governos de centro-esquerda na América do Sul, como a Venezuela de Hugo Chávez e a Argentina de Néstor Kichner, além da eleição de Lula em 2002, o novo modelo de cooperação na região perdeu o cunho ideológico — neoliberal — que dominava nos anos 1990 para se tornar mais político e estrutural. Os governantes deixaram para trás o arquétipo que buscava a integração pelo livre-comércio por meio da flexibilização de tarifas alfandegárias e adotaram um projeto cujo foco está na construção de pontes políticas, econômicas, sociais e viárias entre as nações sul-americanas. O ator principal deixou de ser o mercado e voltou a ser o Estado.

Um exemplo dessa mudança são as instituições geradas por esses dois processos. Em 1992, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai fundaram o Mercado Comum do Sul (Mercosul), entidade hoje contestada por alguns de seus integrantes por seu caráter liberalizante. O presidente uruguaio José Mujica, em ocasião do ingresso da Venezuela no bloco em julho deste ano, propôs “modificar” o Mercosul por ele ter nascido em um cenário “predominantemente neoliberal”. Já em 2008, foi criada, por iniciativa brasileira, a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), formada pelos 12 países da região, que pretende ser uma organização semelhante a sua análoga europeia. Nessa nova agenda integracionista, chamada de “pós-liberal” – e que não por acaso exclui os Estados Unidos –, a defesa ganhou um papel protagonista.


Em seu pouco tempo de vida, a Unasul, através do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) – elaborado também por iniciativa brasileira –, tem-se mostrado um importante instrumento para a solução pacífica de controvérsias regionais. Por exemplo, a organização desempenhou um fundamental papel mediador na solução da crise separatista do Pando, na Bolívia, em 2008. Ainda funcionando apenas como foro consultivo, e não deliberativo como o Conselho de Segurança da ONU, o CDS tem como objetivo a criação de uma identidade sul-americana em matéria de defesa – isto é, a elaboração de normas comuns entre os estados no que se refere à condução das políticas e estratégias de defesa, para a construção de laços de confiança mútua entre eles. A confiança é determinante para o estabelecimento do complexo de segurança regional desejado pelo Brasil.

“As respostas estritamente nacionais não têm muita utilidade em relação às ameaças que podemos enfrentar no futuro”, afirma o professor argentino Jorge Battaglino, antigo membro do Ministério da Defesa da Argentina. “A regionalização da defesa é uma necessidade originada na resolução de quase a totalidade dos conflitos intrarregionais.” Trocando em miúdos, a regionalização da defesa significa que se alguém mexer com um país sul-americano, estará mexendo com os 12. É uma busca pela autonomia da região ante interesses antagônicos exteriores.

Battaglino entende que o momento é favorável para a construção de um pensamento regional de defesa, pois nossos países estão deixando de perceberem-se como potenciais inimigos militares. “O declínio dos conflitos interestatais favorece a emergência de um fator estrutural que opera a favor da paz: a redefinição das ameaças dos países sul-americanos. A percepção das ameaças, que tradicionalmente eram concebidas em termos intrarregionais – as clássicas hipóteses de conflito –, atualmente é definida a partir da identificação de ameaças ou de empregos extrarregionais das Forças Armadas”, completa.

Apesar da imprevisibilidade do xadrez mundial e do crescimento da influência internacional do Brasil, as maiores limitações em matéria de defesa para o país parecem estar no plano doméstico. As relações sociais e institucionais dos agentes envolvidos na construção de nosso sistema de defesa estão repletas de cacos. Em um país com um histórico repressor, no qual os militares sempre exerceram grande poder político, a ex-guerrilheira e presidente Dilma Rousseff terá de superar o que o professor Samuel Alves Soares chama de “heranças malditas” do governo Lula: a insubordinação militar sob a autoridade civil e o excessivo uso das Forças Armadas em situações de garantia da lei e da ordem, como na ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

O Ministério da Defesa foi um dos mais turbulentos dos anos Lula. Em novembro de 2004, o ex-presidente passou por uma saia-justa que alvoroçou os ânimos da caserna. O então ministro da Defesa, o diplomata José Viegas, foi exonerado após um entrevero com o comandante do Exército, o general Francisco Albuquerque. Os militares conseguiram demitir Viegas, quando quem deveria ter a cabeça cortada era o comandante do Exército: a saída do diplomata aconteceu como consequência tardia de nota do Exército que, divulgada à imprensa à revelia do ministro, elogiava as práticas utilizadas pelo regime militar contra militantes de esquerda. O texto foi produzido em ocasião do surgimento de supostas fotos do jornalista Vladimir Herzog antes de ser morto nos porões da ditadura, em 1975.

Quando a tal nota foi divulgada, Viegas ficou irritado, quis demitir o general, mas teve de se contentar com uma retratação pública, na qual Albuquerque lamentava a morte de Herzog. Na época, o general disse que estava em viagem ao exterior e, por isso, não tomou conhecimento da nota com antecedência. Segundo reportagem da revista Veja, o general, na verdade, recebeu o texto por fax no hotel em que estava hospedado em Nova York e, depois de lê-lo atentamente, telefonou para o general Antônio Gabriel Esper, comandante do Centro de Comunicação Social do Exército, autorizando a publicação.


O caso mostrou que os militares brasileiros, mais de 20 anos após o fim da ditadura, ainda não se civilizaram totalmente, ou seja, ainda não aceitaram o fato incontestável de que o poder emana dos civis e que eles, os militares, são apenas o “povo em armas”. “O Lula poderia ter causado um conflito no caso do Viegas? Sim, essa é a consequência do exercício da autoridade”, afirma Soares. “Faz parte do embate democrático.”

No lugar de Viegas foi colocado o então vice-presidente José Alencar, em uma tentativa de Lula de dar um xeque-mate nos militares. Como Alencar ocupava um cargo eletivo, ele não era demissível do governo: qualquer litígio com a caserna poderia acarretar uma grave crise política. Essa foi a primeira vez em que um vice-presidente assumiu um ministério em definitivo. Alencar se manteve sem turbulências no cargo até o início da campanha presidencial de Maio de 2006, quando foi substituído pelo ex-governador da Bahia, Waldir Pires, que caiu pouco mais de um ano depois em meio à crise dos controladores de voo.

Lula então recorreu novamente a um nome com grande capital político para assumir a pasta: Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Apesar de não ser especialista em matéria de Defesa, Jobim pode ficar marcado na história como um ponto na curva do processo de civilização dos militares. O poder que ele alcançou entre a caserna pode ser percebido em duas decisões de Lula: no entrevero entre Jobim e o ex-ministro de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, em 2010, Lula bancou Jobim e fez delicadas concessões no Plano Nacional de Direitos Humanos por pressões dos militares; e quando, a pedido do ex-presidente, Dilma manteve o peemedebista no cargo na formação de seu ministério. “O Jobim trazia uma segurança para os setores conservadores. Já o Amorim é o primeiro diplomata no cargo desde Viegas, tem visões mais progressistas”, avalia Soares.

Uma vez que o Brasil realizou uma transição pacífica entre a ditadura e a democracia, os militares brasileiros não chegaram a ser alvo de aberta hostilidade da sociedade civil, preservando um enorme grau de respeito. Ocorre que, volta e meia, esse atributo é usado para questionar a autoridade civil, como se o país ainda vivesse nas trevas da ditadura. E até hoje os militares exercem grande influência sobre o Executivo e o Legislativo nacional. A lei aprovada pelo Congresso em 2011 que determinou a criação da Comissão da Verdade para investigar os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar (1964-1985) foi negociada ponto a ponto com representantes dos militares. O resultado foi a criação de uma “comissão da meia-verdade” com poder de investigação limitado e que abrange o período de 1945 a 1988.

Um exemplo que deveríamos observar com carinho é o da Argentina, onde os generais foram colocados no banco dos réus e condenados. “Os militares não exercem nenhum tipo de influência sobre os poderes Legislativo e Executivo”, conta o cientista político Battaglino. “Isso se deve ao tipo de transição à democracia que experimentou a Argentina, onde as Forças Armadas abandonaram o poder sem poder extrair ou conseguir prerrogativas dos civis. Isso deixou os militares em uma posição debilitada, em que permanecem até a atualidade.” Com “prerrogativas dos civis”, ele se refere à Lei da Anistia aprovada pelo Congresso em 1979, que garantiu uma absolvição de mão dupla aos crimes cometidos durante o Estado de exceção: torturadores e torturados foram absolvidos.

Celso Amorim entende que essa influência política exercida pelos militares é proveniente de erros cometidos por antigos governantes brasileiros e que, hoje, as Forças Armadas compreendem a posição dele. “No passado, tanto a direita quanto a esquerda erraram ao procurarem atrair os militares para a política. Eles [os militares] têm clareza absoluta de que eles têm que ser profissionais. E é isso que significa ter, digamos, a supremacia do poder civil”, declarou o ministro.


Ouso das forças armadas na garantia da lei e da ordem é previsto pela Constituição em casos excepcionais por determinação do Executivo. Entretanto, a “ocupação” do Complexo do Alemão, no final de novembro de 2010, por um contingente de cerca de dois mil homens, entre policiais militares e civis e membros das Forças Armadas, criou um grave precedente, do qual ainda observamos os desdobramentos. Na ocasião, a “pacificação” do quartel-general do crime no Rio foi comemorada por autoridades de todo o país.

Após quase dois anos patrulhando as vielas estreitas da comunidade da zona oeste carioca (os militares deixaram o local em junho deste ano), com denúncias de casos de abuso de força contra os moradores, a exceção parece caminhar para se tornar a regra: em novembro, em meio à explosão da violência em São Paulo, a mídia divulgou que o governo federal sugeriu ao governo paulista uma “ocupação” da favela de Paraisópolis, nos moldes da ação no Alemão – ou seja, um estrangulamento do crime organizado local com a participação das Forças Armadas.

“O desvio da função militar para o combate à criminalidade implica em grave risco para as sociedades que querem manter sua integridade política”, afirma o professor Figueiredo. “Primeiro, desvirtuam os contingentes militares de seu propósito maior, que é o combate ao eventual inimigo externo. Segundo, arriscam-se ao expor os militares à contaminação que é da natureza da bandidagem, que a tudo e a todos, historicamente, pretende corromper.” No México, por exemplo, onde a situação é ainda mais dramática, já se tornaram comuns os casos de desvirtuação de militares na relação com os cartéis de drogas.

O tratamento bélico no combate ao narcotráfico tornou-se uma retórica comum nos discursos das autoridades a partir dos anos 1990. A “guerra” ao tráfico, que já causou inúmeras mortes e presos, ganhou uma dimensão ainda mais perigosa com o envolvimento das Forças Armadas, já que, para eles, as regras são distintas das dos policiais. “Forças policiais são treinadas para lidar com o oponente, enquanto forças armadas são treinadas para liquidar o inimigo. Policiais lidam com cidadão e só podem apontar suas armas e disparar de acordo com os ditames da lei, que, na essência, visam a proteção do contribuinte. Por outro lado, guerra é guerra, como diz o ditado popular, e, portanto, são outras as regras de engajamento”, completa Figueiredo.

Ao se empregar o Exército e a Marinha no confronto ao crime, haveria uma quebra no contrato social entre o Estado e os moradores locais, pois se passaria a considerar a existência de um “inimigo interno”, como na época da ditadura, com os “subversivos”. “Isso é uma afronta à democracia terrível e bate de frente com a perspectiva de cidadania”, teoriza Samuel Alves Soares, da Unesp. “Os termos usados também são errados. ‘Pacificação’ é termo de missão da ONU em casos de guerra civil. Isso é algo que vem do Haiti, pois os militares que estavam lá vão direto atuar no Alemão, mas o caso do Rio não é o do Haiti.” Aliás, a presença do Exército na comunidade carioca foi tão bem-vista por uma parte da sociedade que até virou mote de novela Salve Jorge, da Rede Globo, com um militar como mocinho. “Para as Forças Armadas, é interessante a participação nesse tipo de operação”, afirma o professor, “pois contribui para a sustentação do argumento para justificar a pretensão por um aumento de verbas.”

Atualmente, a pasta da Defesa possui o quarto maior orçamento da União – entre 2001 e 2011, o acréscimo foi de 19%. Faz parte desse jogo, portanto, a retórica de que um Brasil “mais forte” necessita de uma defesa mais forte. “O argumento do Brasil como ator global é frágil, pois nós não crescemos internacionalmente como se imagina e o nosso PIB também tem um crescimento limitado”, diz Soares. “O nosso teto de vidro é baixo.”