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Mestre do Jogo

Como Peter Dinklage conquistou Game of Thrones simplesmente sendo ele mesmo

Brian Hiatt | Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 13/06/2014, às 11h35 - Atualizado em 18/09/2016, às 18h42

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Como Peter Dinklage conquistou Game of Thrones simplesmente sendo ele mesmo.
Como Peter Dinklage conquistou Game of Thrones simplesmente sendo ele mesmo.

É bom ser Peter Dinklage atualmente – uma filha linda, um casamento feliz, uma casa nas montanhas, um trabalho legal em Game of Thrones, o “triunfo apesar das adversidades” que sua carreira se tornou (embora ele hesite em reconhecer isso: “Triunfei porque sou uma adversidade?”). Não há muito do que reclamar, mas há uma irritação que perdura: em público, Dinklage não pode se esconder.

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“Não consigo ser anônimo”, diz, “por causa da minha estatura” (1,34 m, para ser exato). Chapéus e óculos de sol não ajudam. Ele parece estar mais à vontade consigo mesmo do que a maioria dos humanos em qualquer tamanho ou forma: basicamente não anda, mas desfila. “Ele é quem é”, diz Lena Headey, que faz a irmã dele, Cersei Lannister, em Game of Thrones. “Não há nada nele que não seja totalmente confiante.” No entanto, tomando uma Guinness na churrascaria New Paltz (um lugar que ele escolheu, apesar de ser vegetariano desde a adolescência), Dinklage alega que é só pose.

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“Toda a malemolência é só uma defesa”, afirma. “Quando as pessoas te relembram tanto quem você é – não pela fama, mas pela altura, durante a vida inteira – ou você se esconde em um canto escuro, ou usa isso com orgulho, como uma armadura.”

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Quase certamente não é intencional, mas Dinklage está praticamente citando o evangelho de Tyrion Lannister, seu personagem em Game of Thrones, um zero à esquerda devasso, maquiavélico e secretamente justo. O próprio Dinklage não tem uma ideia em particular sobre por que a série se tornou um fenômeno tão grande: “Não consigo explicar por que o seriado é tão popular”, declara. “Star Wars ou Senhor dos Anéis lidam com grandes mitos ao estilo de Joseph Campbell, o bem e o mal. Nosso programa não é tão claro assim. É uma espécie de antítese dessas coisas – aquelas que não são preto no branco.” Tanto quanto qualquer outro personagem, é Tyrion que personifica essa ambiguidade moral, como o filho semipária de uma família rica e manipuladora que desenvolveu uma fraqueza por “bastardos, aleijados e coisas quebradas”.

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Ele também tem as melhores falas. “Tyrion é o palhaço da turma”, diz George R.R. Martin, criador da série de livros que inspirou o seriado. “Sua sagacidade o fez ser aceito pelos personagens valentões, intimidadores e dominantes ao redor dele.”

Tudo começou em um porão de classe média em Nova Jersey, com algumas marionetes, um triciclo e um álbum duplo do The Who. Quando Dinklage tinha 6 ou 7 anos, ele e o irmão mais velho (agora um violinista de sucesso) montavam espetáculos no porão da casa dos pais para “velhinhos da vizinhança. Fazíamos Quadrophenia com bonecos”, ele relembra. “Montávamos baterias com latas de atum, fazíamos o show inteiro e vendíamos ingressos por uma tampinha de garrafa ou algo assim. Colocávamos os alto-falantes deitados no chão do andar de cima para o som sair do teto. Basicamente éramos os Batutinhas de Nova Jersey.”

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Na infância, Dinklage sofreu cirurgias dolorosas de raspagem de ossos, “um procedimento comum” para evitar complicações da acondroplasia, a condição genética que causa seu nanismo. O pai, um vendedor, e a mãe, professora de música, nunca falaram muito sobre a altura do filho. “Se houvesse um filme sobre nossa vida, haveria uma conversa em cada cena, mas não, nunca falamos”, ele explica. “A vida não é assim. Ninguém fala sobre nada! Acho que isso teria se destacado e eu teria lembrado ou pensado: ‘Argh, você está sendo esquisito, sai fora’.”

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Os pais explicaram sobre a condição dele no começo? Dinklage balança a cabeça. “Não há nada a explicar. É como explicar suas mãos. Você cresceu com isso, faz parte de quem você é, não é como se algo tivesse acontecido da noite para o dia, como uma doença. Você precisa explicar uma doença ou um ferimento repentino. Mas quando é parte de sua fisionomia?” Ele faz uma pausa. “Lembro que me assisti em uma peça da escola no vídeo e pensei: ‘Uau, sou muito mais baixo do que as outras crianças’. Aquilo foi de cortar o coração.”

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Na escola católica que frequentou, ele continuou fazendo peças – eram um refúgio em um lugar onde ele não se encaixava: “Era um garoto carrancudo que fumava e usava roupa preta e ia para a escola cheia de esportistas”. Dinklage não precisa falar muito sobre a adolescência para deixar claro que ela não foi, na maior parte do tempo, divertida: menciona o pavor de alguns atletas e que não ser “muito popular” deixou algumas feridas psicológicas que demoraram para sarar. “Agora, estou tão deprimido”, ele meio brinca, meio fala sério, depois de discutir o assunto por dois minutos. “Não podemos falar sobre Cantando na Chuva ou algo assim?”

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No 2º ano, uma professora que reconheceu o talento dele decidiu mostrá-lo em uma peça chamada Sharon’s Grave. “Foi a primeira vez em que representei um papel escrito para alguém do meu tamanho”, lembra. “Ele era um cara infeliz carregado nas costas do irmão mais velho e burro. Foi tipo ‘Ah, uau, há papéis por aí’. Só mais tarde fugi de papéis específicos para gente da minha estatura.”

Dinklage entrou na Bennington College, onde se formou em teatro. Foi mais feliz ali, mas começou a sofrer ataques de pânico. Era orgulhoso demais para procurar ajuda, mas as crises eventualmente acabaram. “Deveria ter ido ao psicólogo”, afirma. No entanto, ocupou bem os dias na faculdade: “Fumei maconha demais, fiquei acordado até muito tarde, fiz peças, ouvi muito Pixies e Dinosaur Jr.”

Com sua beleza e as sobrancelhas grossas, Dinklage tem a reputação de roubar corações, um assunto que teve de começar a abordar há anos – quando estava promovendo o fi lme independente O Agente da Estação (2003), esse tema apareceu bastante. “Eu me comportava como meus amigos: você sai, bebe, conversa com garotas, tem uma noite boa. Tinha amigos que faziam isso e transavam o tempo todo. Eu não era um deles, mas, aos olhos das pessoas, eu era ‘o maioral’ com as mulheres, e acho que foi só por causa do meu tamanho. Foi uma inversão engraçada. Eu pensava: ‘Será que pareço o tipo de cara que participa de orgias?’ ”

Na verdade, confessa, “socialmente eu era uma porcaria, em termos de confiança com a outra metade”. Quando isso mudou? “Você fica um pouco mais velho, fica confortável. As mulheres reagem a isso, e a senso de humor. Sempre consegui fazê-las rir, então isso ajuda muito. As mulheres frequentemente não são tão superficiais quanto os homens. Podem ser, mas navegam mais facilmente do que os homens em termos dessa coisa superficial.”

Por outro lado, ele pode estar invertendo tudo isso: “O Pete é superpaquerador, o mais bem-sucedido que já conheci”, diz Lena Headey. “Estamos andando na rua, as pessoas falam ‘Ah, oi, Pete!’ Pergunto: ‘Quando você as conheceu? O que você tem feito?’” O cocriador de Game of Thrones, David Benioff , lembra que conheceu Dinklage em um jantar há anos: “Olhei em volta da mesa e percebi que todas as mulheres, incluindo a minha, prestavam

atenção em cada palavra dele, enfeitiçadas”.

A esposa de Dinklage, Erica Schmidt, está bem ciente desse apelo. “Ultimamente, as garotas têm lambido o rosto dele”, conta. “Só que o frustrante é que o Pete é um cara incrivelmente bonito, charmoso e engraçado, mas, quando aparece em uma revista ou algo assim, é do tipo ‘Não é incrível que ele tenha 1,34 m e seja sexy?’ O Pete é simplesmente assim, e o resto do mundo tem de acompanhar.”

Quando Dinklage começou a carreira – mudando- se para um apartamento minguado no Brooklyn, em 1992 – nem ele nem ninguém poderia imaginar que seria tão cortejado para um papel principal em um seriado de grande orçamento. “Queria fazer peças de Beckett em celeiros”, conta, comendo um sanduíche. “Com certeza não queria estar na TV. Eu nem tinha uma. O que passa na TV? Eu era um baita esnobe.”

Em 1995, teve um papel discreto no filme independente Vivendo no Abandono, vociferando sobre a idiotice de anões aparecerem sem motivo em particular em sequências de sonhos viajantes em filmes. Mesmo depois disso, não conseguia marcar reuniões com agentes, muito menos fazer com que eles o representassem. “Eu não era um tipo que os agentes procuravam”, diz. “Era específico demais. Eles não tinham imaginação para me mandar em audições para coisas não escritas para um anão. Só viam anúncios na época do Natal e se eu não quisesse fazer aquilo que negócio poderia trazer?” Ao enfrentar essa rejeição, ignorou Hollywood durante anos, fazendo trabalhos temporários, atuando no teatro, conseguindo papéis em filmes independentes e se divertindo, talvez demais, com os amigos.

Dinklage tinha uma alergia quase física a usar sapatos de bico fino, barba falsa, a representar qualquer espécie de figura mágica ou etérea. “Sempre pergunto: por que os livros de fantasia são fascinados com pessoas do meu tamanho serem criaturas fantásticas? Na infância, sempre pensei: ‘Jura?’ Era minha grande questão. Talvez [J.R.R.] Tolkien ou outros nunca tenham conhecido alguém da minha estatura, e se tivessem, não teriam escrito aquilo daquela forma.” Ele dá um suspiro e olha ao redor na lanchonete. “Sim, podemos lançar feitiços, não conte a ninguém. Nem precisamos da garçonete, posso encher seu copo agora mesmo.”

Além do trabalho no teatro e na TV, Dinklage já fez mais de 30 filmes em uma década. Fica feliz em aceitar papéis – como o autor de livros infantis em Um Duende em Nova York – que mencionem sua estatura sem explorá-la, mas parece ter orgulho daqueles como o que representou nas versões norte-americana e britânica de Morte em um Funeral – que não foram escritos para alguém do tamanho dele. Ele queria que outros atores de sua altura reconsiderassem alguns papéis – especialmente aqueles que envolvem ter o nome de Dunga, Atchim ou Soneca. “Só acho que é a responsabilidade de gente do meu tamanho persistir mais no que faz, porque isso só se perpetuará se você aceitar fazer essas coisas. Espelho, Espelho Meu – um amigo fez esse filme e ficava: ‘Por que fiz aquilo?’ Você olha para o teto dos táxis em Nova York e o anúncio tinha sete anões. Sério, Branca de Neve? Não consigo fazer isso. Tenho de interpretar uma pessoa. Não posso fazer o papel de um adjetivo. Ou advérbio? São advérbios ou adjetivos?”

Dinklage cedeu uma vez, em As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian (2008), fazendo um homenzinho mágico com sapatos de bico fino e barba falsa. Ele sabe que o Dinklage de 20 e poucos anos teria ficado enojado. “Ele teria me detonado, mas dane-se”, diz, e fala com seu eu mais jovem: “‘Vai jantar macarrão com queijo de novo. Olhe embaixo do forno – sim, é um rato. Estou viajando de primeira classe, cara’. É o que eu diria para aquele esnobe!”

Assumir o papel de Tyrion Lannister exigiu menos concessões de Dinklage – o personagem é humano demais. “É o que gosto no seriado, ele tem um apetite sexual. Essas cenas são divertidas! Somos muito criticados por isso, mas o que há de errado? Acho tão triste – as pessoas ficam tão revoltadas com seios, mas não com gente sendo decapitada.”

Ele não deixa seu tamanho o definir ou limitar – mas, talvez por causa disso, é inegável que Dinklage agora é um dos baixinhos mais bem-sucedidos do mundo. E ele não sente necessariamente uma responsabilidade por gente de sua estatura. “Só quero trabalhar”, diz, mas concorda quando menciono que Eddie Murphy fez um progresso racial em Hollywood ao representar papéis que originalmente eram voltados para brancos. Ele não se importaria de atingir um feito parecido, movimentando as coisas só com o trabalho: “A ideia é chegar a um nível em que você não tenha mais de pregar sobre isso”. Enquanto caminhamos, menciono que Tyrion tem se tornado um personagem heroico em Game of Thrones e Dinklage se encolhe – a ideia parece estragar a ambiguidade moral que evita que o seriado vire uma espécie de O Senhor dos Anéis. Só que agora ele reconsidera a ideia. “Acho que [Tyrion] é um herói silencioso”, diz, permitindo-se sorrir com o pensamento. “E disso eu gosto.”

Nascido para ser Tyrion

Por que Dinklage é mesmo o homem certo para Game of Thrones

Peter Dinklage não foi apenas a primeira opção para o papel de Tyrion Lannister – foi a única. “Se ele não tivesse aceitado, meu Deus, não sei o que teríamos feito”, conta George R.R. Martin, o autor dos livros que deram origem à série. O cocriador David Benioff acrescenta: “Quando li a obra de George, decidi que Tyrion Lannister era um dos grandes personagens da literatura. Não só de fantasia – da literatura em geral! Um homem brilhante, cáustico, tarado, bêbado, autofl agelador, atormentado. E só havia uma opção para representá-lo.” Alguns fãs dos livros tinham uma preocupação com a ideia de Dinklage ser Tyrion: ele era bonito demais para fazer um personagem que Martin claramente descrevia como nada atraente (também é alto demais em comparação com Tyrion, como o próprio Martin destaca). “Isso só mostra como fomos longe”, o ator diz. “O fato de que as pessoas podem dizer isso é muito bom. Se eu tivesse nascido há 400 anos e não agora, não teria a vida que tenho. Havia shows de aberrações e uma discriminação horrível. Fomos os primeiros a ser mortos pelos nazistas – os ‘fisicamente deformados’ e tal. Então, acho que é um bom sinal dos tempos as pessoas poderem dizer isso.”