“Basicamente, estava tentando copiar os Pixies, admito. Quando ouvi os caras pela primeira vez, senti uma conexão tão forte que passei a achar que devia fazer parte da banda – ou pelo menos de uma banda cover deles. Usamos o mesmo senso de dinâmica dos Pixies: primeiro baixo e calmo, depois alto e pesado”. A frase foi dita por Kurt Cobain em entrevista à Rolling Stone EUA dada em 1994.
O vocalista do Nirvana foi, provavelmente, um dos mais influenciados pelas estruturas de canção do Pixies, guiadas principalmente pelo vocalista do grupo, Black Francis, que completa 50 anos de idade nesta segunda, 6.
Os gritos de Cobain podem ser derivados do estilo de cantar desleixado e extremamente temperamental de Francis, que ora poderia soar preguiçoso, ora arrebatador. Quem olhava para o Pixies no fim dos anos 1980, poderia não se assustar com a postura dos integrantes da banda. Contudo, bastava ouvir uma canção como “Tame” ou “Rock Music” para se ter certeza do contrário.
“But I am un CHIEN Andalusia”, grita Francis no refrão da primeira faixa de Doolittle. Não é o único berro dele na canção, mas certamente o mais marcante, pela confusão e estranheza que passa na primeira – e talvez em várias – audição.
É difícil pensar o que seria de “Tame” sem o vocal de Francis. Caminhando entre a linha de baixo e a bateria, a voz surge como espaçados sussurros e, em questão de segundos, se transforma em berros, construindo o refrão com apenas o título da canção repetido algumas vezes.
Não se trata de um grito de quebrar as janelas de vidro de um cômodo, mas chama atenção a particularidade com que Francis canta “Meet you at the hang wire”, depois dos refrãos, com uma voz de desprezo anasalada e distorcida.
Black Francis pontua o catártico verso da canção do Pixies com gritos desesperados. Para cantar junto: “And if the devil is six/ Then GOD is seven”. É com uma voz diabólica que ele se refere a um deus na faixa.
Os altos pontos de “Hey” poderiam ser as guitarras de Joey Santiago, que choram no refrão, ou os backing vocals soturnos e essenciais de Kim Deal. Em dois momentos, contudo, Black Francis dá amostras de genialidades ao gritar sorrateiramente “go” em “If you GO, I will surely die”, no começo, e todo o verso “That the mother makes when the baby breaks”, mais à frente. O Pixies pode nunca ter sido uma banda de rock pesado, mas nem as baladas escapam da garganta nervosa do vocalista.
Foram 23 anos sem lançar um disco de inéditas, e o Pixies retornou em 2014 com Indie Cindy. O tempo era suficiente para Francis ter se acalmado e deixado de lado os excessos vocais da juventude. A possibilidade foi logo tida como engano com faixas como “Blue Eyed Hexe”, em que o vocalista despeja uma ira quase adolescente na terceira estrofe.
A música é tensa do começo ao fim, mas o curto momento do grito de “Dead” parece resumir todo o sentimento da faixa. Uma única palavra é cantada de maneira a representar o medo com uma sutileza quase blasé.
Tem algum momento da canção em que Francis não está delirando em berros?
Mistura breve de ska e punk extremamente barulhenta, “Something Against You” é quase uma faixa instrumental. Isso porque os gritos de Francis se encaixam perfeitamente nos riffs de guitarra. O líder do grupo mostra que saber a hora de se esconder também é uma virtude – chega a ser difícil entender sequer uma palavra dita por ele ao longo da canção.
A balada crescente ganha força na oposição entre a leveza dos falsetes nos refrãos e os versos que vêm depois: “Repent!”. Um grito que chega a ser assustador de tão bizarro ao dar ênfase na palavra que encerra a primeira estrofe da música. Muito difícil imaginar algum outro vocalista capaz de preencher este espaço de maneira mais original.