O escritor Chuck Palahniuk fala sobre Clube da Luta 2, explica por que leu Cinquenta To ns de Cinza e revela curiosidade sobre o carnaval.
”O bem e o mal sempre existiram. E sempre existirão. São apenas nossas histórias sobre eles que mudam.” A frase abre o recém-lançado Maldita, segundo livro do escritor Chuck Palahniuk com a saga de Madison Spencer, garotinha gorducha – e morta – de 13 anos. Desde 1990, quando publicou seu primeiro conto, Palahniuk tem se dedicado a borrar ainda mais as diferenças entre o bem e o mal. Não há lugar para maniqueísmo na literatura transgressiva e fermentada em excessos promovida pelo autor. Com mais de uma dezena de romances, diversos contos, títulos de não ficção e filmes baseados em suas obras, aos 52 anos ele está pronto para lançar mais um livro nos Estados Unidos e já começa a contar detalhes sobre a continuação, em HQ, de Clube da Luta (1996), que virou hit nos cinemas e um marco na cultura pop em 1999. “Ao expandir a história do Clube da Luta para o passado e para o futuro, serei capaz de construir uma espécie de épico tipo Star Wars”, ele diz nesta entrevista exclusiva.
Para escrever seus livros, você já assistiu a sessões de terapia para viciados em sexo, ligou para ouvir histórias em linhas de telessexo e trabalhou como voluntário em um asilo. O que você fez para encontrar Madison Spencer?
Em 2008, durante o lançamento da adaptação cinematográfica do meu livro No Sufoco, minha mãe estava morrendo de câncer no pulmão. Eu fiquei com ela em casa, cuidei dela. Durante esses dias longos e silenciosos, eu só falava ao telefone com gente de telemarketing e pesquisadores. Minha mãe estava tão sedada que dormia a maior parte do tempo. Mas, quando acordava, ela ficava viajando por causa da medicação; falava intoxicada pelos remédios. Então consegui perceber naquela conversa a garota que ela tinha sido décadas atrás. Aquela menina que tinha crescido, que tinha me criado, agora estava morrendo e se tornou a base para a Madison. Eu tentei manter minha mãe viva através da história da Madison.
Você convive com adolescentes hoje? Tenta se informar para saber o que eles pensam sobre Condenada e Maldita?
Adolescentes? Não. Eu só me encontro com eles nos eventos para promover o livro. Minha regra é dar meu trabalho a meus amigos que são escritores e receber comentários deles. Depois eu reviso e entrego para meu agente e para o editor. Fora desse processo, ignoro todas as reações, boas ou ruins, sobre o trabalho publicado. Um escritor pode ser destruído ao tentar agradar muitos mestres.
Como você se relaciona com os filmes baseados em suas obras? Dá palpites no roteiro?
Nos dois filmes que fizeram baseados nos meus trabalhos, Clube da Luta e No Sufoco, eu dei poucos palpites. Eu ajudo a promovê-los e divulgá-los quando são lançados. Ver o que as pessoas fazem com minha história me interessa mais do que tentar preservar cada detalhe da história original.
Quais são os medos que você ainda não expurgou na literatura?
Meu medo de dirigir em pontes altas. [John] Cheever [escritor norte-americano] tinha o mesmo medo e em certo momento o superou, então acredito que também conseguirei.
Como surgiu a ideia de Beautiful You, o livro que você lançará em outubro nos Estados Unidos? Leu Cinquenta Tons de Cinza e outras obras do gênero para a pesquisa?
O título de trabalho de Beautiful You era Fifty Shades of the Twilight Cave Bear Wears Prada [algo como “Cinquenta Tons de Cinza da Caverna do Crepúsculo do Urso que Veste Prada”]. Eu tive que ler todos esses livros. Tentei entender por que eles atraem tanto e finalmente peguei emprestadas metáforas de cada um para escrever um romance popular híbrido “definitivo”. O livro mistura sexo, roupas de grife, um playboy milionário, uma garota inocente, vida primitiva na caverna e magia. É um romance diferente de todos os romances anteriores. E a cena do casamento ao final vai levar os leitores às lágrimas. É um livro libidinoso, engraçado e sexy – e sentimental. O que mais os leitores poderiam querer?
Como está sendo o processo de escrita de Clube da Luta 2?
A sequência de Clube da Luta vai mostrar os personagens principais dez anos depois que o livro original terminou, e foi tranquilo de escrever. Grande parte da dinâmica das histórias já estava colocada. E escrever o Tyler foi uma das razões fundamentais para eu fazer o projeto. É uma alegria inventá-lo.
Você comentou em uma entrevista que Clube da Luta lhe deu liberdade. O que espera que Clube da Luta 2 lhe ofereça?
Eu espero que Clube da Luta 2 crie uma mitologia mais profunda dessas histórias interconectadas. H.P. Lovecraft alcançou uma mitologia com seu trabalho e Stephen King também está construindo isso.
O título Clube da Luta ganhou no Brasil uma triste associação. Em 1999, durante a exibição do filme de David Fincher, um estudante de medicina entrou em um cinema, disparou uma submetralhadora, matou três pessoas e feriu outras cinco. Esses eventos mexem com a sua criação? Pensa que ao abordar tantas transgressões, violência e humilhação, pode acabar gerando algum tipo de distúrbio real?
Não, meu trabalho é muito mais catártico. As pessoas estão se matando e matando umas às outras sem a minha ajuda.
Tem alguma curiosidade sobre o Brasil?
Um dos meus heróis é um sociólogo britânico chamado Victor Turner, que estudou o que chamou de eventos “Liminares” e “Liminoides”, como o Carnaval. O sonho dele era um dia comandar uma escola de samba e patrocinar um bloco de Carnaval. Eu gostaria de vivenciar o evento no Brasil só para entender melhor por que meu herói o considerou tão fascinante.
Seus protagonistas sofrem as humilhações mais terríveis para então descobrirem que podem viver para além dessas torturas. Nosso futebol sofreu recentemente a maior humilhação de sua história na Copa do Mundo. Você acha que o brasileiro vai se tornar mais forte depois dessa experiência?
Vocês ficarão mais fortes. Vencer é a morte: você não tem mais o que fazer além de ter a esperança de continuar ganhando, e essa repetição é cada vez menos recompensadora. Então, perder desta vez fará o sucesso futuro ser muito mais doce. Na verdade, a maior alegria vem justamente de jogar o jogo.
Jornada Cômica e Sobrenatural
Livro coloca personagem morta para viver purgatório na terra
Ninguém melhor do que Madison Spencer, a protagonista de Condenada e do recém-lançado Maldita (Leya, HHH½), para explicar o enredo de sua nova aventura: “Depois de ficar alojada uns oito meses no submundo, nas chamas do Inferno, eu agora me vejo encalhada como um espírito no mundo físico vivo, uma condição mais comumente conhecida como Purgatório”. Assim voltamos a acompanhar os infortúnios dessa garota de 13 anos, que no livro anterior comeu o pão que o diabo amassou após morrer tragicamente. Desta vez, ela vira uma espécie de Gasparzinho ácido e virulento ao ser obrigada a vagar pela Terra, onde encontra um caça-fantasma doidão e vê que os pais criaram o chamado rudismo (“um movimento religioso internacional fundado no humor bagaceiro e no comportamento mal-educado”). Palahniuk continua escatológico e provocativo, conseguindo a proeza de misturar com sofisticação centenas de citações, xingamentos, personagens marcantes, pesquisa religiosa e capítulos sobre A Viagem do Beagle, de Charles Darwin. Por enquanto, ainda não há previsão para a publicação do terceiro e último livro da série. a.r.