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Potência ao máximo

O rock nasceu junto à paixão por Mustangs, Cadillacs e outros carrões

Paulo Cavalcanti Publicado em 21/11/2014, às 12h34 - Atualizado às 12h45

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<b>Rei da velocidade</b><br>
Elvis Presley em meio aos possantes - Library of Congress/Divulgação
<b>Rei da velocidade</b><br> Elvis Presley em meio aos possantes - Library of Congress/Divulgação

Motores potentes, suspensões altas, geralmente duas portas: os muscle cars, como é chamada uma determinada categoria de carros de alta performance, foram desenvolvidos no final da década de 1940, de olho nos consumidores durante o período pós-guerra. Mas não demorou muito para que o apelo de chamativos modelos como Cadillac e Mustang passasse das estradas para as rádios.

O ancestral desse tipo de automóvel foi o Oldsmobile 88, lançado em 1949 pela General Motors. Apelidado de Rocket (foguete, em português) devido ao seu design futurista, o Oldsmobile lançou

os padrões para a maioria dos carros de grande desempenho que surgiriam nas três décadas seguintes. Também fabricado pela GM, o Cadillac foi adaptado à nova tendência: em 1950 a companhia estreou o poderoso modelo Coupe de Ville, que logo se tornou popular.

Ao mesmo tempo que os carros potentes começavam a ganhar as ruas dos Estados Unidos, a música se transformava. As big bands cediam espaço para o rhythm and blues, que lançaria as sementes para o surgimento do rock and roll. Muitos consideram “Rocket 88” (1951) como a gravação que alavancou o estilo. A faixa, creditada ao cantor e saxofonista Jackie Brenston, foi gravada em Memphis, em um estúdio do produtor Sam Phillips, o homem que pouco depois fundaria a Sun Records e lançaria Elvis Presley. A letra era sintomática, uma louvação ao Oldsmobile 88: “Ele tem motor V8 e desenho moderno/ Capota conversível e as garotas adoram/ Toque a buzina, Rocket, toque a buzina”.

Em julho de 1955, enquanto Bill Haley & His Comets viravam o planeta de ponta-cabeça com “Rock Around the Clock”, Chuck Berry colocava o pé no acelerador em “Maybellene”. Velocidade,

sexo e automóveis se tornariam os ingredientes vitais da música de Berry, e todos esses elementos já se encaixavam nesse hino. “Maybellene” falava da disputa entre um Ford com motor V8 e um Cadillac Coupe de Ville. Chuck Berry foi o primeiro poeta automotivo do rock e criou outras pérolas do gênero, entre elas “My Mustang Ford”, “You Can’t Catch Me”, “Jaguar and Thunderbird” e “No Particular Place to Go”. Um dos artistas que anos mais tarde foi influenciado pelo guitarrista foi Bruce Springsteen, que criou uma série de músicas sobre a paixão pelos carros e pela estrada, como “Cadillac Ranch”, “Thunder Road” e “Racing in the Street”.

Antes da revolução de Berry, em Memphis, o jovem Elvis Presley sonhava com o estrelato e carros velozes. Em “Baby Let’s Play House” (1955), quarto single dele pela Sun Records, Elvis substituiu o verso original “você pode ter religião”, escrito por Arthur Gunter, por “você pode ter um Cadillac cor-de-rosa”. Foi uma referência direta ao automóvel customizado que tinha acabado de adquirir. No blues sujo “Santa Claus Is Back in Town” (1957), Elvis cantava que Papai Noel não aparecia na cidade em um trenó, mas sim em um Cadillac negro e barulhento.

Outro pioneiro amante dos possantes foi Johnny Cash, colega de Elvis na Sun Records. Na década de 1960, o Homem de Preto foi proprietário de um Cadillac preto customizado. Em 1974, ele teve um enorme hit com “One Piece at a Time”, um rockabilly satírico que contava a história de um homem que trabalhava em uma linha de montagem de carros em Detroit. Por quase 25 anos o personagem levou partes de Cadillac para casa, até finalmente conseguir montar um verdadeiro modelo Frankenstein.

Vince Taylor também fez parte da lista de artistas norte-americanos apaixonados pelos muscle cars, embora tenha feito mais sucesso na Europa do que em sua terra natal. Ele encarnava o típico rocker rebelde da década de 1950, sempre trajando couro preto e com um jeito provocativo no palco. Em 1959, ele gravou “Brand New Cadillac”, que posteriormente se tornaria obrigatória para músicos de rock de garagem e de punk rock. Downliners Sect, The Renegades e The Clash são apenas algumas das bandas que regravaram a canção.

Não foi apenas nas estradas do sul dos Estados Unidos que os carrões passaram a ser exaltados na música. No começo da década de 1960, o maior movimento musical da Califórnia era a surf

music. Os mesmos músicos e artistas que traduziam em versos a sensação de enfrentar as ondas também construíram grandes canções sobre automóveis envenenados. Esse movimento musical

começou a ser chamado de drag music ou hot rod music e era perfeito para uma cidade como Los Angeles, repleta de espaçosas autoestradas.

O primeiro single dos Beach Boys, lançado em junho de 1962, destacava “Surfing Safari”, mas o lado B também fez sucesso. A canção era “409”, uma louvação ao Chevrolet 409, modelo popular

naquela época. Brian Wilson, líder dos Beach Boys, não surfava, mas gostava de carros e, ao lado de parceiros como Gary Usher, Roger Christian e Jan Berry, criou belas canções automotivas, como “Little Deuce Coupe”, “Shut Down” e “Fun Fun Fun”.

Rival e amiga dos Beach Boys, a dupla Jan and Dean era formada por verdadeiros “ratos de estrada” e cantou as glórias motorizadas com ainda mais fervor do que os rapazes da família Wilson.

“The Little Old Lady from Pasadena” (que falava de um Dodge Dart dirigido por uma velhinha), “Drag City” e a sinistra “Dead Man’s Curve” exemplificam a paixão dos dois pelos motores.

Enquanto Beach Boys e cia. davam rosto ao que tocava nas rádios, músicos de estúdio de Los Angeles se agrupavam em bandas “fantasmas” para conseguir suprir a demanda de canções sobre

carros. Inúmeros singles foram lançados entre 1963 e 1966, entre eles “Move Out Little Mustang” (Rally-Packs), “G.T.O” (Ronny and the Daytonas) e “Hey Little Cobra” (The Rip Chords). A onda da

drag music chegou até a influenciar bandas de garagem, como Paul Revere & the Raiders, que gravou “Corvair Baby” e “SS 396”.

No Brasil, o recado dado pelos pioneiros do rock também foi recebido. Nossos primeiros roqueiros adoravam cantar sobre carrões, como em “Rua Augusta”, de Ronnie Cord. Roberto Carlos começou

falando sobre um calhambeque, mas logo que a Jovem Guarda emplacou, aumentou a potência dos carros em suas canções.

Os ícones da MPB, compenetrados e politizados, não nasceram para louvar máquinas que simbolizavam o triunfo do que consideravam estandartes da sociedade consumista. Mas na chamada “Pilantragem”, que era a MPB suingada e hedonista, os artistas não tinham pudor. Marcos Valle criou “Mustang Cor de Sangue” (o Ford Mustang começou a ser fabricado em 1965 e automaticamente se tornou objeto de desejo dos motoristas) e coube a Wilson Simonal torná-la um grande hit. Uma prova de que a paixão pelas máquinas velozes ultrapassou fronteiras e idiomas.