Elza Soares usa a música para defender as mulheres, os negros e os homossexuais
A voz de Elza Soares não cala. Muito pelo contrário: parece surgir mais sonora a cada trabalho apresentado ao longo da carreira,
que já soma mais de meio século. No recente A Mulher do Fim do Mundo, eleito pela Rolling Stone Brasil>/i> o melhor álbum nacional de 2015, o timbre potente ressoa um discurso aguerrido sobre os direitos das mulheres, dos negros e dos homossexuais. “A gente está em 2016, mas ainda precisamos tocar nessas teclas todas. Temos que falar, nos posicionar, brigar. E eu uso minha voz para isso”, ela afirma.
A Mulher do Fim do Mundo é o primeiro disco só de inéditas da sua carreira. E ele traz letras combativas. Por que quis gravar um álbum assim?
Porque a gente ainda precisa dessas letras fortes, pesadas. Quando eu conversei com o [músico e produtor Guilherme] Kastrup, pedi que o disco falasse de sexo, de mulheres, de negritude. A Mulher do Fim do Mundo fala de tudo isso, com letras fortes, contundentes. E acho que a gente precisa disso, senão engolem a gente. Não pode bobear, não pode.
É sua intenção como artista ser porta-voz dessas causas?
Sim. Eu estou aqui para defender. Esse é meu papel. Defender o mundo gay, defender a mulher, defender a negritude. E acredito que falando a gente ajuda a combater o preconceito, porque as letras vão de ouvido a ouvido, fazendo um eco.
Para você, os artistas negros devem falar sobre racismo?
Sim. Não dá para ficar quieto. São poucos que estão na televisão, na propaganda. É difícil o negro aparecer em alguma coisa
Então, a gente tem que estar sempre falando, reivindicando. Se falando já é difícil, imagina se não falar. Por exemplo, eu acho a postura da Beyoncé maravilhosa. Eu aqui no Brasil sempre faço o mesmo: me atrevo, entro no meio, brigo. Estou sempre brigando.
Algum episódio de preconceito pelo qual passou a marcou mais?
Sim. Eu me lembro de um episódio tenetenebroso. Minha mãe lavava roupa para fora. Certa vez, foi ao prédio de uma família entregar
as roupas. Havia o elevador de serviço e o social. E a gente não podia entrar pelo caminho principal. Só que não nos avisaram que o elevador de serviço estava escangalhado e minha mãe caiu lá dentro. Tudo isso porque a negra não podia passar pela porta principal. Eu tinha uns 7 ou 8 anos e não esqueço até hoje.
Você foi homenageada em São Paulo, em fevereiro, pelo coletivo negro feminista Ilú Obá De Min. Como vê a questão do feminismo negro?
O Ilú é lindo e as meninas são maravilhosas. E a gente sabe que a mulher negra sofre mais, não é? Sofre com o salário baixo, a falta de dinheiro, o marido que muitas vezes não ajuda. Muitas mulheres negras não têm o direito de chegar a lugar nenhum. É tudo com muito sacrifício, é tudo muito difícil. Ela tem que ser muito guerreira para conseguir ter uma vida mais ou menos. Eu disse mais ou menos, viu!
Nos últimos anos, o feminismo e o empoderamento feminino estão nas rodas de conversa, estão na cultura pop. O que acha disso tudo?
Estou percebendo que as mulheres estão mais ativas e conscientes de suas questões. Tenho percebido que elas estão mais empoderadas, que o movimento está cada vez mais ativo e as mulheres mais confiantes. E isso é muito bom.