P&R Nasi

Músico se volta à espiritualidade para dar equilíbrio a questões da vida roqueira

José Julio do Espirito Santo

Publicado em 11/11/2015, às 18h46 - Atualizado às 18h58
Disco solo de Nasi reflete o momento espiritual - MROSSI/DIVULGAÇÃO
Disco solo de Nasi reflete o momento espiritual - MROSSI/DIVULGAÇÃO

Um período centrado e de transformação planejada segue firme na vida do músico que no passado ficou conhecido como o pavio mais curto do rock brasileiro. Egbe, quarto álbum solo de Nasi, traz releituras de faixas de Perigoso (2013), o álbum anterior, e covers inesperadas, como “Sol e Chuva”, de Alceu Valença. Poucos dias após o lançamento do trabalho em CD e DVD, o artista não traz no semblante a ansiedade típica gerada por mais um rebento musical. Sereno e feliz, adia uma corrida vespertina para bater um papo em casa. Descalço, de calção e regata, sentado no chão da sala, ele conta da gravação do novo disco e esclarece como chegou à atual forma mental.

Mesmo com músicas de gêneros diferentes, Egbe mantém uma unidade. Você o pensou como um álbum conceitual?

Procurei fazer uma evolução do conceito já iniciado com [o produtor] Roy Cicala no disco Vivo na Cena (2010), que era ter um bom estúdio, boa banda, bom repertório e três takes, em média, por música. Você ouve Perigoso e pode sacar que as músicas daquele disco regravadas aqui estão com uma pegada mais ao vivo. Talvez um próximo trabalho seja o registro de um show com público interagindo, contaminando a execução no bom e mau sentidos.

O nome do disco é na língua africana iorubá. O que “Egbe” quer dizer?

É todo tipo de associação, espiritual ou na vida. Podem serassociações profissionais, religiosas... Quando você fala “meu Egbe”, você diz “minha comunidade”. Esse é o sentido duplo que tentei dar, porque eu reuni novamente minha comunidade musical e também minha comunidade de memória musical: referências, ídolos, ícones. “Egbe Onire”, que encerra o disco, é um dos cânticos que [o sacerdote nigeriano Baba] King trouxe da África. Nas festas, saudamos todos os orixás – tocamos e cantamos para eles.

Desde quando você acompanha Baba King [que mora no Brasil desde os anos 1980]?

Eu já me conectei com o espiritismo, com a umbanda, com o candomblé… Eu gosto de ler muito – tenho a obra completa de [Pierre] Verger e uma biblioteca razoável sobre cultos afro-brasileiros. E King tem alguns livros lançados. O primeiro dele foi a tese de doutorado na USP, Poemas de Ifá e Valores de Conduta Social entre os Yoruba da Nigéria. Eu já o conhecia e um dia resolvi jogar [búzios] com ele. Eu estava em um momento conturbado da vida, [indo a] lugares do candomblé de que gostava pela pessoa, pelo sacerdote, mas com os quais não me sentia envolvido. Gostava até a página dois, achava meio folclore, sabe? Talvez porfrequentar lugares que falavam sobre a liturgia e não sobre a fi-losofia do orixá. Quando conheci King, entendi a filosofia do orixá: a questão da tolerância, da autodeterminação. A gente tem uma religião que fala: “A vida nasceu para ser vivida”. Tem conceito de encarnação, mas não de céu e inferno. E não tem pecado, o que tem é: você faz coisas boas, você vai ter coisas boas em contrapartida, pela própria força do orixá.

Uma das faixas mais inusitadas do álbum é a regravação de “Perigoso” com Renato Teixeira. Nas entrevistas que aparecem no DVD, ele diz não ser do rock, mas cita bandas como O Terço, Casa das Máquinas…

Ele não é reconhecido por isso, mas teve um passadinho com o pé no rock progressivo. Acho que a melhor maneira de você falar do Renato Teixeira é como rock rural. O que hoje chamam de sertanejo é um pop-rock bem mela-cueca. Renato me deu dicas de uns caras da velha guarda do sertanejo brasileiro, daqueles da época dos óculos escuros e do chapelão. Pensei, inclusive, em beber dessa água em um próximo trabalho, até para tirar um sarro e falar: “Vocês querem ouvir sertanejo? Então vou tocar” [risos].

Você e Edgard Scandurra já pensam em um próximo álbum do Ira! com músicas inéditas?

Sim, mas bem de leve. Eu trabalho espiritualmente para as coisas sincronizarem. Coisas que estão cruzadas no tempo tendem a não dar certo. Por uma coincidência, Edgard e eu estamos lançando discos agora. Ele tem um álbum junto à Silvia Tape [o recém-lançado EST]. Eu dei a ideia de fazermos shows dos nossos trabalhos na mesma noite, e ele topou. Eu sei que vão começar a surgir as ideias de um disco novo do Ira!, principalmente na cabeça de Edgard, na hora em que a gente desaguar esse rio que é o trabalho solo.

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