Aos 82 anos, o famoso ladrão de trens relança memórias e relembra a vida no Brasil
Odd Man Out: the Last Straw é o título da recém-lançada edição revista e ampliada da autobiografia do inglês Ronald Arthur Biggs (sem previsão de lançamento no Brasil). Em 1963, Biggs foi detido com mais 15 comparsas, acusados de cometer o maior roubo da história do Reino Unido: após invadir um trem, o grupo se apoderou de 2,6 milhões de libras (cerca de R$ 7,3 milhões), um recorde para a época. Condenado a 30 anos de prisão, escapou em 1965 e, depois de mudar de aparência graças a uma cirurgia, viveu na Austrália e no Brasil (onde morou por 35 anos e teve um filho, Mike, que ficou famoso como um dos membros do grupo infantil Balão Mágico). Falido e doente, mas nunca arrependido pelo crime, Biggs se entregou às autoridades britânicas em 2001. Sem conseguir falar devido a sequelas dos enfartos que sofreu – em um agravamento do quadro já frágil que o levou a obter alvará de soltura em 2009 –, ele conversou por e-mail com a Rolling Stone Brasil.
Por que o empenho em atualizar o livro Odd Man Out? Foi sua a ideia de incluir novos fatos após ter voltado ao Reino Unido?
A primeira edição de minha autobiografia foi lançada em 1994, portanto tinha mais 17 anos de histórias para contar. Também queria corrigir e atualizar, além de acrescentar informações ao livro.
E quais são as mais incríveis e desconhecidas histórias incluídas na edição?
É difícil eu saber o que as pessoas vão achar incrível. Para mim, é simplesmente minha vida – embora minha vida não tenha sido simples, normal e, espero, nunca entediante. Mas há muitas coisas desconhecidas no novo livro, algumas tristes e barra-pesada, já que os novos capítulos falam de minha doença, da morte de amigos, da minha tentativa de suicídio, do meu retorno ao Reino Unido e do tempo em que passei na prisão. Há muita coisa nova para ler, prometo a vocês.
Tem saudades do Brasil? Nunca pensou em voltar?
Tenho saudades do Brasil todos os dias. Tenho saudades do Brasil, tenho saudades do Rio, tenho saudades de meus amigos brasileiros e tenho saudades de ver o Flamengo batendo o Botafogo! (Sou Flamengo e Mike é Botafogo). Tristemente, minha saúde nunca permitiu que eu voltasse ao Brasil, mas mantenho contato por meio do Mike e amigos sobre o que acontece. Além do mais, ainda posso ouvir minha música brasileira a qualquer momento. Mike me levou para assistir ao desenho animado Rio e para ver o Brasil jogar no estádio do Arsenal. São chances de matar as saudades.
Tem arrependimento por algo que fez ou deixou de fazer? Caso pudesse, faria algo de maneira diferente?
Aqueles que não me conhecem têm dito que não tenho arrependimentos, mas isso não é verdade. Sempre me arrependi pelo sofrimento que causei com minhas ações, e, especialmente, à minha própria família e amigos. Mas não me arrependo de ter tomado parte no “Grande Roubo do Trem”, já que o episódio abriu todo um novo mundo para mim. Sem isso, e sem ter escapado da prisão, nunca teria passado anos na Austrália e no Brasil. Amei esse tempo. Caso pudesse fazer algo de forma diferente, tentaria manter minha família original unida [em 1960, Biggs casou-se com Charmian Brent, tendo com ela três filhos; a família se desfez quando ele fugiu para o Brasil]. Mas, se esse fosse o caso, eu não teria tido o Mike.
E como está a saúde? Como está lidando com as consequências dos enfartes?
Minha saúde realmente é precária e tenho de viver um dia após o outro. Nunca me recuperarei das sequelas deixadas pelos enfartes. Então, sei que tenho pouco tempo.
Ainda há coisas que deseja realizar ou mesmo algo que queira ver transformado em realidade?
Imponho a mim pequenas metas, mas meu maior desejo é ver Charmian de novo e, esperançosamente, meus outros filhos. Se pudesse ainda conhecer meus netos australianos, isso seria um grande bônus.
Quais são seus planos pós-lançamento do livro?
Recolher-me para minha cama! Depois de todo o agito e excitação antes e durante o lançamento, tenho de reservar tempo para minha recuperação. Não tenho planos de fazer nada além disso.
E o que faz para aproveitar seu tempo como um homem livre?
Gostei de preencher meu tempo escrevendo o livro. Mas também aproveito para ver filmes a que queria assistir e ler livros que nunca consegui acabar. Também tive a oportunidade de encontrar velhos amigos, até alguns que fiz no Brasil. Porém, acima de tudo, aprecio o tempo que posso passar com Mike e sua família, e ainda ter a chance de brincar com minhas netas brasileiras. É algo que nunca pensei que aconteceria. Minha respiração pode não estar boa, mas o fato de poder respirar ar puro como um homem livre é extremamente precioso para mim.