Engajado, ele fala sobre política, preconceito e o poder agregador dos churrascos
A combinação música e churrasco é bem conhecida pelos brasileiros - e Seu Jorge não negligenciou a dupla ao intitular seu novo álbum de estúdio. Músicas para Churrasco Vol. 1, como entrega o nome, não será filho único, dando origem a uma trilogia. "É um sentimento do subúrbio que eu tenho de uma época em que as pessoas buscavam nos churrascos uma superação, de se encontrar nos fins de semana proporcionando momentos para estarem juntas", ele conta.
Hoje, a vida vai bem para o cantor de 41 anos que um dia viu sua família se desestruturar por problemas financeiros. Pai de três meninas, Seu Jorge popularizou-se na cena musical nacional misturando samba a outros elementos, como o funk, mas também já passou pelo teatro e cinema. Tendo sentido na pele, décadas atrás, as mazelas de uma realidade social cruelmente agressiva, ele não nega passos em direção à política para um futuro melhor. "Quero ver essa porra crescer", diz.
Como surgiu a ideia do álbum novo?
Essas músicas servem para saudar as pessoas de forma animada. Têm perfis de personagens possíveis. Inspirei-me na teledramaturgia brasileira, que aponta muitos desses estereótipos: "Minha Veia", "Amiga da Minha Mulher", "A Doida", "Vizinha". Talvez no fim dessa trilogia eu faça uma comédia que conte um pouco dessas personagens e das adversidades que surgem.
Você imagina um filme?
Sim. É ainda muito embrionário, mas, se tudo correr bacana, já devo começar a mexer no roteiro no final do ano. Não quero fazer um musical, só quero extrair um roteiro destas canções. É como se fosse uma rapsódia suburbana.
Como você enxerga a representação dessa realidade nas novelas?
É ficção, mas acende nas pessoas muitos dos sentimentos que ocorrem no cotidiano do brasileiro, por isso fazem sucesso. Desde a teledramaturgia que aborda o campo à das grandes cidades. Há possibilidade de discussões coerentes, como a homofobia, a descriminalização da maconha talvez no futuro...
Você acha que a questão da maconha seria discutida em uma novela?
Não sei se chegaria a tanto, mas pode vir a ser decorrente. Acho que eles sabem medir esse tipo de polêmica. A questão da homofobia tem sido fortemente discutida na novela exatamente no tempo em que o Brasil se coloca organizado [com relação a isso].
Qual é o público que consome sua música?
Todos que gostam do que tenho procurado produzir durante estes anos, que é uma música mais animada. Sempre acho que o cinema protesta, a literatura investiga, o teatro denuncia e a música também faz tudo isso, mas resta a ela dar um pouco mais de alento e esperança. Quando penso em festa, penso em música. Quando penso em música, penso em música animada [risos].
Você sofreu preconceito depois de famoso e bem-sucedido?
Hoje, Seu Jorge não sofre preconceito. Chego aos lugares e as pessoas me recebem muito bem. Mas eu vejo que existem reservas ainda, a respeito do negro e do pobre de uma forma geral. E eu tenho essa sensação porque sou negro, fui pobre e favelado, e sei a movimentação de corpo, as indicações, os temores. Somos todos filhos de um estereótipo muito danificado pela ação do tempo e pela ação do sistema, sobretudo.
Hoje você tem sucesso e suas filhas podem desfrutar de uma vida estável. Quais conselhos você dá no sentido de torná-las pessoas conscientes?
Duas das minhas filhas estão com 8 anos e uma está com 5. O caráter já está estabelecido, agora é só manutenção. E o caráter das minhas filhas é o que há. Sabem que fazem parte de uma geração de negros eloquentes, que vão mudar a história de inanição deste país [mostra fotos das filhas no computador].
Você tem vontade de entrar para a política?
Olha, já estou, não é? Era isento de impostos, não tinha como pagar, e agora estou aqui participando, botando do meu [dinheiro] para um país que não me deu nada...
Mas se candidataria?
Não, preferiria aproveitar estes anos que tenho para me especializar em alguma área e estar pronto para ajudar o Brasil se precisar.
Em qual área?
Planejamento. Eu preciso que o Brasil cresça. É aqui que eu nasci, aqui que eu moro. Quero ver essa porra crescer. Se eu puder estar lá, na cadeira, na decisão das coisas, estarei. Se me derem essa responsabilidade e se eu puder também assumir. Tenho que estar preparado, sem ficar no "achismo". É um desejo, sim, participar dessa coisa que é o nosso país, que a vida toda nos deu prejuízo e que hoje tem a possibilidade de dar lucro.