Por dentro da alma obsessivo-compulsiva de Breaking Bad, a série mais pervertida da televisão
Walter White olha fixo para mim.
Ele não está gostando nada do que vê. É quase meia-noite, e estamos nos encarando nas sombras empoeiradas de um estacionamento em Albuquerque, Novo México (Estados Unidos), entre fileiras de trailers brancos. “Você é covarde?”, ele pergunta com a cabeça recém-raspada que brilha com a luz distante de um poste. “Está com medinho?” Ele nem é Walter agora – é seu alter ego, o chefão da metanfetamina Heisenberg, e a seus olhos azuis implacáveis eu sou tudo de fraco e de humano que está no caminho dele.
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O momento passa e ele sorri por baixo de seu cavanhaque sinistro. Seus olhos descongelam. O encanto se desfaz. Ele não passa de Bryan Cranston, um ator tipo tiozinho de 56 anos no fim de mais um dia de 13 horas de trabalho, interpretando o que ele chama de “o papel da minha vida”, aquele que lhe rendeu três prêmios Emmy até agora. Há alguns minutos, ele saiu de um dos trailers de produção, onde tirou o figurino de calça cáqui, camisa social e sapatos Clark Wallabee de Walter e vestiu o seu próprio – jeans escuro justo, tênis de couro de cano alto PF Flyers e camisa polo.
Estamos indo a um bar que fica a cerca de 1,5 km de distância e ele está tentando me convencer a fazer um passeio de moto sem capacete na garupa de sua lambreta Vespa prateada (presente dos produtores da série) – e, no decorrer do processo, me dar um gostinho dos poderes de persuasão de Walter White. “Sabe, é maravilhoso ver o quanto se é capaz de intimidar apenas baixando a voz e olhando fixo”, ele diz com seu tom de barítono calmante. “E a maioria das pessoas recua.”
Breaking Bad (exibido no Brasil pelo canal pago AXN e pelo serviço de streaming Netflix) é, no âmago, uma história de transformação – diferentemente de quase todos os personagens na história da televisão, Walter White está mudando tanto que está se tornando irreconhecível ao longo dos 62 episódios do seriado. Trata-se menos de um arco de personagem e mais de um mergulho em um poço de moral. Como Vince Gilligan, criador do seriado, costuma afirmar, Walt está passando de Mr. Chips para Scarface – de professor de química de ensino médio meigo e derrotado para criminoso cheio de maldade.
Com sua paranoia infinita, Breaking Bad é igual aos minutos finais frenéticos de Os Bons Companheiros estendidos a seis temporadas na televisão. É um sonho febril no deserto a respeito da danação dos Estados Unidos – apesar de poucos pesadelos terem construção de enredo tão calculada. Seu tom é claramente menos naturalista e sua situação menos plausível do que a de outros concorrentes ao título de melhor série da história (Família Soprano, Mad Men, The Wire). “Somos obcecados por apresentar momentos de que as pessoas não vão se esquecer tão cedo”, diz Gilligan, que trabalhou sete anos como redator de Arquivo X. “E, às vezes, eles beiram o tom de ópera ou talvez o hiper-real, se não o surreal. Tudo tem a ver com a teatralidade.”
De todo modo, se Walter White quiser que você suba em uma lambreta sem capacete, você simplesmente obedece. Nós seguimos pela rua, e todos locais por onde passamos poderiam estar no seriado, provavelmente porque boa parte está mesmo: passamos pela loja de armas Ron Peterson Firearms, pela financeira Ace Cash Express, pelo hotelzinho De Anza Motor Lodge (onde Walter ficou sabendo do nascimento da filha) e pelo lava-rápido Octopus Carwash (Walter e sua mulher, Skyler, compraram uma franquia próxima – com nome diferente no programa – para lavar o dinheiro das drogas).
Cranston vira a Vespa com segurança para um pub irlandês chamado O’Niell’s, onde vamos encontrar Aaron Paul, que interpreta o parceiro improvável de White, Jesse Pinkman, um folgado com olhos malvados que foi avariado pelo hip-hop. Paul terminou sua participação na temporada nesta noite, e está pronto para comemorar – mais tarde, vamos para o cassino. “Bryan é um maricas e não quer ir”, diz Paul, 32 anos, que está usando jeans e uma camiseta verde com a palavra “rental” (aluguel) estampada (é de uma linha que reproduz camisetas usadas por astros do rock – neste caso, Frank Zappa). “Pode escrever que eu disse isso.” Apesar dos 24 anos de diferença, Paul e Cranston são próximos na vida real.
Cabeças se viram quando nos dirigimos para o pátio dos fundos, que ofereceria vista para a montanha se não estivesse tão escuro. Os frequentadores universitários murmuram, quase em uníssono: “Breaking Bad” – até onde os integrantes do elenco sabem, cada um dos moradores de Albuquerque assiste ao seriado, que retrata a cidade como meio refúgio suburbano, meio buraco dos infernos cheio de metanfetamina.
Mas algumas pessoas levam isso mais para o lado pessoal do que outras. Pedimos cervejas para uma garçonete, mas um outro funcionário, um sujeito corpulento com olhos tristes, é quem as traz à mesa. “Eu adoro o programa de vocês”, ele diz e deposita as nossas cervejas na mesa. “Mas eu não assisto muito porque sou um ex-viciado e tenho pesadelos. Faz cinco anos que não uso drogas. O programa de vocês mostra muitas verdades a respeito de algumas coisas. Mas é um pouco adocicado.”
“Se não se importa em dizer, qual era o seu vício?”, Paul pergunta.
A resposta é crystal meth – metanfetamina. Cranston pergunta a ele como abandonou o vício.
“Fui a uma igreja cristã que constrói casas em Juárez [cidade mexicana] e me evangelizei por cerca de um ano. Comi, dormi e bebi Deus. O programa de desintoxicação não funcionou. Não deu certo para mim. Lá você só conhece amigos melhores para usar drogas junto – querem água também?”
Ele volta mais tarde com a conta. “Foi demais conhecer vocês... Posso perguntar uma coisa? Vocês todos estudaram atuação para fazer este seriado?”
“Eu só aprendo com ele”, diz Paul.
“Eu fui vendido para este ramo quando era bebê”, diz Cranston.
“Ei, cara, eu só estava curioso, meu”, o garçom responde. “O seriado de vocês mostra muita verdade.”
Elas deixam uma gorjeta de US$ 20 para o garçom – mas Cranston não consegue se segurar e faz uma piada de mau gosto. “Estamos dando dinheiro de metanfetamina para ele”, diz.
Uma semana antes, Vince Gilligan estava sentado no assento do meio da fileira do meio de uma sala de exibição em um estúdio de Burbank, a quase 1300 quilômetros de Albuquerque. Hoje, ele está trabalhando no som do segundo episódio da quinta temporada de Breaking Bad e fazendo anotações de edição para o episódio 3. Ao mesmo tempo em que supervisiona de maneira remota a produção do episódio 7, que está sendo gravado em Albuquerque. Por baixo de seus óculos de meio aro, seus olhos estão levemente vermelhos de exaustão. “Alguém me mostra fotos de figurino que vai ser filmado amanhã e eu digo: ‘Não gostei das botas dessa cara’, ou algo assim, e tentamos achar outras. É exaustivo, mas nunca entediante, porque a gente pode ser o Rei Sol um pouquinho. Há 300 pessoas me perguntando, o dia inteiro: ‘O que você acha disto?’ E daí eu fico fazendo igual a Nero. Polegar para cima ou polegar para baixo.”
Para dizer o mínimo, Gilligan é conhecido por sua atenção aos detalhes – ou, como um integrante da equipe coloca, com carinho, ele é “total e completamente louco por controle”. Todo mundo costuma citar o exemplo do esmalte que Skyler usava nas unhas dos pés em uma cena da terceira temporada em que ela consumava o caso com Ted – vemos os pés dela de perto no piso aquecido do banheiro dele. Gilligan passou pelo menos meia hora refletindo sobre a cor – Anna Gunn, que interpreta Skyler, acha que talvez tenha demorado muito mais tempo. “Se as unhas dos meus pés estivessem pintadas com um vermelho-feroz, em vez de um cor-de-rosa mais hesitante, o significado seria diferente”, ela diz. “Ele sabia exatamente o que desejava que aquelas unhas dissessem, e no começo você fica pensando: ‘Uau, isso é detalhe demais’. Mas, sabe, eu entendo.”
Gilligan e sua equipe, incluindo o diretor musical Thomas Golubic e o compositor Dave Porter, acabam de se sentar e assistir a todo o episódio 2 em silêncio, em uma tela enorme, enquanto ele fazia anotações aos garranchos em um bloco de papel amarelo. Agora ele está lendo suas anotações com seu sotaque sulista (parte Slim Pickens, parte Bill Clinton), que ele afirma ter amainado desde que trocou o estado da Virgínia por Hollywood na década de 90. “Ótimo trabalho, como sempre”, ele diz, antes de começar a enfileirar uma lista de mudanças que demora tanto a ser lida quanto durou o episódio todo.
A certa altura, alguém diz que a maior parte das pessoas não vai reparar em nenhuma das mudanças, que é improvável terem o mesmo sistema de som fantástico que há naquela sala. “Estou cagando e andando”, Gilligan responde. “Um dia, todo mundo vai ouvir assim – e é isso que me interessa.” (“As pessoas acham que eu sou mais legal do que sou na realidade”, ele diz mais tarde. “Eu finjo bem.”)
No intervalo para o jantar, Gilligan e eu vamos para outro estúdio vazio para conversar. Ele serve para cada um de nós uma dose de uísque Maker’s Mark e cutuca uma pilha de coisas fritas que identifica como salgadinhos de milho. “Eu não me alimento muito bem”, ele diz. “Não durmo muito bem. E provavelmente, sabe como é, bebo um pouco mais do que costumava só para me ajudar a dormir. Quer dizer, essa é outra razão provável por que este seriado precisa acabar.” (Quando Cranston se tornou produtor de Breaking Bad na temporada passada, ele tomou como missão “proteger Vince de si mesmo” – e isso significa deixá-lo de fora do maior número possível de decisões menores.)
De volta a Albuquerque, Aaron Paul se aproxima de uma mesa de jogo e tira do bolso um maço gordo de notas de 100, que vai ficar ainda mais gordo antes de a noite terminar, graças a seu estoque aparentemente infinito de sorte. “Oi, Aaron”, diz o carteador do cassino e resort Sandia, onde Paul é um cliente regular.
“Adoro este cassino”, diz o ator, que adora jogar de maneira geral. “Eu costumava ganhar muito dinheiro jogando pôquer online. Podia ter me aposentado da carreira de ator.” O hábito dele nunca saiu do controle. “Com toda a certeza, passei pelas minhas fases. Eu não me consideraria um louco viciado em jogo. Acho que, a certa altura, talvez tenha sido. Definitivamente perdi muito mais do que queria perder. Então dei um tempo e percebi qual era o meu limite, e agora eu vou ao cassino e tenho um limite.”
Paul definitivamente não é convencido. Apesar de seu tom de voz normal – seu caráter anasalado e a leve ênfase acentuada em palavras alternadas – lembrar um pouco Jesse Pinkman, seus olhos azul-claros reluzentes irradiam franqueza, e ele passa a sensação de ter uma doçura quase impossível quando fala, todo entusiasmado, do relacionamento com a noiva, Lauren: o primeiro beijo deles aconteceu na roda-gigante do Coachella; eles têm tatuagens do eletrocardiograma um do outro. “Eu digo a ela que nós deveríamos ter, tipo, 12 filhos. Vamos fazer isso, simplesmente. Vamos dar início a uma turma.”
Valores de família são naturais para Paul, filho de um pastor da igreja batista e criado em uma cidadezinha do Idaho. Os pais dele eram e ainda são amorosos e incentivadores, apesar de terem algumas regras muito rígidas. “Tipo, eu não podia assistir a Os Simpsons”, ele conta. “Como o meu pai é pastor, toda semana, no grupo de jovens, eu tinha que decorar certas partes da Escritura. Muitas pessoas são religiosas e não leram nada da Bíblia. Eu li a Bíblia de capa a capa várias vezes, e é tão impressionante, é igual a ler um livro de ficção científica.” Paul não sabe dizer exatamente no que acredita hoje: “Se eu sei exatamente o que existe lá fora? Não. Mas se eu acredito que se fizer algo de ruim você vai queimar no inferno para sempre? Não apenas durante milhares de anos, mas por trilhões de anos? De jeito nenhum.” Mas e Walter White? Será que ele não merece ir para o inferno? “Dá vontade de acreditar nisso. Mas eu não sei.”
Paul demorou um pouco para se afastar de sua criação, mesmo depois de ter se mudado sozinho para Hollywood aos 17 anos, depois de ter se formado adiantado no ensino médio (ele fez vários serviços em Idaho para poder pagar pela mudança, como ser o mascote de duas rádios: um era um tucano gigante e o outro um sapo gigante vestido de Garth Brooks). “Eu só fui falar palavrão depois dos 20 anos”, conta. Também perdeu a virgindade em uma idade que considera avançada, mas pede que eu não divulgue os detalhes dessa história.
Apesar de o personagem que ele interpreta levar as pessoas a acreditar que Paul está sempre chapado, ele nunca teve problema com drogas. Anos atrás, teve uma namorada viciada em metanfetamina, que serviu para alimentar sua performance. “Começou com cocaína e foi dar em metanfetamina. A metanfetamina foi a que pegou, tipo, entrou fundo na alma dela, e lentamente a foi dilacerando. Ela era um ser lindo que se transformou em uma casca vazia.”
Sabe-se que ele fumava maconha. “A primeira vez em que bateu de verdade, foi mais ou menos na época do Dia das Bruxas, e eu comi uma tigela inteira de chocolate Reese’s Pieces e não conseguia parar de dar risada. Foi incrível”, ele diz. “Agora, é raro eu fumar.” Mas ele tem um cartão para poder comprar maconha medicinal, que ele diz realmente usar por motivos médicos: “Quando vou ao dentista, fumo um pouco. Sou contra pílulas. Não tomo nem Advil. Acho que a maconha deveria ser legalizada”.
Jesse Pinkman não deveria nem ter sobrevivido à primeira temporada, mas a performance de Paul fez com que fosse inconcebível matá-lo. Como diz Cranston: “Fiquei maravilhado de ver como Aaron foi capaz de transformar um sujeito que largou a escola, um viciado em drogas, traficante de drogas, em alguém de quem a gente gosta de verdade. Isso diz muito sobre ele”.
Diferentemente de Cranston, que continua estudando com instrutores de atuação até hoje, Paul não tem educação nenhuma nesse ramo, é um ator que trabalha apenas por instinto – que, ainda assim, ganhou dois prêmios Emmy. Então, não é surpresa o fato de seus representantes o considerarem um potencial grande astro de cinema. “Fico brigando com os meus agentes, digo que sou ator de personagem”, Paul conta. Ele está em negociação com a HBO para estrelar uma série pós-Breaking Bad chamada The Missionary. “Não tenho interesse em ser um supergrande astro. Quero ter um pouco de vida particular.”
Quando Bryan Cranston era menino, viu o pai ser devorado por um gafanhoto gigante. Os pais de Cranston se conheceram em um curso de atuação em 1948, e os dois trabalharam no showbusiness durante anos, com resultados altamente inconsistentes. Assim como o Walter pré-Heisenberg, viviam mudando de padrão de vida, para pior: em um ano, mandavam construir uma piscina, mas, no verão seguinte, viam que não tinham dinheiro para enchê-la, ou trocavam um carro novo por outro mais velho. O pai de Cranston, Joe, passou anos correndo atrás do sonho de ser astro de cinema, mas, em vez disso, acabou com participação na TV e pequenos papéis em filmes B, como em Beginning of the End (“O começo do fim”), o tal filme com o ataque de gafanhoto. “Eu aprendi a não ficar tentando alcançar um certo nível, como o estrelato”, diz Cranston, acomodado no sofá na sala da família White. “O meu pai queria o anel de latão e daí, quando você não consegue, deve ficar pensando: ‘Bom, eu fracassei’. Então, o meu objetivo era conseguir ganhar a vida adulta trabalhando apenas como ator. Essa é a minha vitória.”
Cranston está longe de ser um ator metódico – ele é capaz de descansar entre as cenas cantando trechos de músicas (hoje é “Please Come to Boston”, uma peça obscura de Dave Loggins), fazendo piada com os colegas de elenco, cumprimentando visitantes; logo depois entra na frente da câmera e acessa as maiores profundezas de seu personagem.
Para Cranston, a ira de Walter White é muito real – e boa parte dela vem dos problemas que teve na vida real com os pais, que se divorciaram quando ele era pequeno. A casa deles logo foi tomada pelo banco, fazendo com que ele e os irmãos fossem morar com os avós. “Não havia dinheiro”, ele diz naquela mesma noite, mais tarde, acomodado no bar da cobertura de um hotel no centro, enquanto Frank Sinatra ao fundo. “Havia alto consumo de álcool. vidas despedaçadas. Havia duas pessoas despedaçadas. Foi bem feio. Passei dez anos sem ver o meu pai.”
“Tenho alguns problemas de irritação”, Cranston reconhece. “Derivam do fato de lidar com as questões dos meus pais.” Às vezes, elas vêm à tona quando ele está fazendo exercício. “Eu saio para correr me sinto, como neste exato momento, bem. E daí começo a correr e fico tipo PUTA O PARIU, grah! Parece que um demônio preso lá dentro e escapou.” Fora isso, para ele é mais fácil colocar para fora suas emoções como ator do que na vida cotidiana. “Olho para a minha mulher, e ela é tão emotiva, não consegue segurar nada”, ele diz. “Ela tem uma honestidade linda, e eu fico maravilhado com as mulheres. Se houver outra vida para mim, eu gostaria de experimentá-la como mulher, porque quero ver como é.”
Quando adolescente, Cranston se sentia profundamente confuso a respeito do futuro, por isso seguiu os passos do irmão, que tinha entrado para um grupo de jovens da academia de polícia que dava às crianças a chance de viajar. Isso colocou Cranston no caminho de se tornar policial, mas ele se afastou disso para sempre aos 19 anos, quando o fato de correr atrás de garotas o levou a um curso de atuação. “Eu disse: ‘Mulheres, é isso que eu quero dominar. É aqui que eu quero estar’. E, sim, então, os hormônios de um garoto de 19 anos basicamente ditaram a projeção do meu caminho como adulto. É impressionante.”
O grupo da polícia também tinha outros benefícios – depois que eu conto a Cranston que Paul se arrependeu de ter compartilhado a história sobre como perdeu a virgindade, ele se oferece para superá-la: quando Cranston tinha 16 anos, ele e seus colegas exploradores da polícia passaram seis semanas na Europa. Amsterdã foi uma revelação especial. “A cerveja custa 5 centavos e as prostitutas são baratas – custavam 24 florins, que, acho, eram US$ 8, para ir para a cama. Nós todos escrevíamos para casa, pedindo mais dinheiro para os nossos pais: ‘Estamos nos divertindo tanto, mamãe e papai! Por favor, mandem mais dinheiro! Prometemos pagar o empréstimo! Precisamos proteger os cidadãos das prostitutas!’”
Depois de exercer serviços braçais – ele já carregou caixotes madrugada afora –, Cranston passou dois anos em uma viagem de moto com o irmão que, por si só, parece digna de um filme (arrumavam bicos em parquinhos de diversão ou como ajudantes de garçom para conseguir dinheiro e viajavam de cidade em cidade). Acabou se casando muito cedo, mas percebeu que não estava pronto para se amarrar e começou a perseguir a carreira de ator: sua grande chance ocorreu em uma novela, quando estava com 26 anos. Só ganhou fama de verdade quando pegou o papel de Hal – o pai desastrado de Malcolm in the Middle – aos 42 anos, por isso nunca enlouqueceu com o sucesso. “A única droga que eu usei na vida é maconha”, ele diz. “Só me deixa com sono.”
Ele fez terapia, em parte para dar conta de seus problemas da infância, e experimentou autoajuda na década de 1980. “Eu cheguei a fazer uma aula de cientologia”, ele conta. “Um amigo meu era cientologista, e ele me falou de um curso e eu fiz. Foi muito bom mesmo.” Mas ele deixou as coisas por aí. “Eu só gosto de conferir. Não sou do tipo que se vicia.” Ele ainda se consulta com um terapeuta em Los Angeles de vez em quando, “quando me sinto agitado ou tomado pela ansiedade”. E ele e a mulher, casados há mais de 20 anos, consultam-se com um terapeuta de casal quando necessário. “O negócio com a minha mulher é que, se um de nós achar que deve ir embora, o outro não pode fazer objeção.”
Ele tem dificuldade em definir a pior coisa que já fez na vida. Quem sabe um pequeno furto; mas, em todo caso, devolveu o dinheiro. Então ele menciona outra coisa: era meio que um amante egoísta quando era jovem. “Quando eu comecei a me concentrar em dar prazer em vez de só exigir e querer isso, a experiência toda, no que diz respeito a sexo, elevou-se demais.”
Gilligan está ansioso em relação ao final – e não apenas devido a seu desejo de atender às expectativas dos fãs. “Tenho medo do dia em que isto terminar”, ele diz. “Sinceramente tenho medo de que este seja o auge da minha carreira. E não quero que seja! É melhor ser Clint Eastwood do que Orson Welles. É melhor fazer seus melhores trabalhos mais para o fim, não no começo. Mas, merda, eu me contentaria com Orson Welles em um segundo!”
Muitos dos atores têm suas próprias esperanças, ou, pelo menos, medos. “Se Jesse acabar mesmo morrendo”, diz Paul, “espero que não seja com um tiro pelas costas. Espero que ele se vá no meio de um tiroteio!” Dean Norris torce por um grande enfrentamento com Walt, coisa que parece altamente provável (se você tem um cunhado que é agente da divisão antidrogas, ele provavelmente vai entrar em ação no terceiro ato). E Bob Odenkirk só deseja que Saul Goodman sobreviva, para que ele tenha uma chance de participar do seriado derivado sobre o qual Gilligan mencionou a possibilidade.
Durante muito tempo, Cranston achou que Walt morreria no fim – previsão razoável para um personagem com câncer terminal. “Mas então eu comecei a repensar, e achei que não iria me surpreender se o fulano que é responsável pela criação de toda esta porcaria, o vingador tóxico em pessoa, sobreviver. Não iria me surpreender nem um pouco. O sujeito que deveria morrer não morre!”
Se há algo que ninguém espera, é um final feliz. “Isto aqui não vai ser um conto de fadas”, Paul diz e toma um gole de sua cerveja sentado à frente de Cranston. “Mas eu sei que vai chegar um momento em que eu nunca mais vou poder entrar nesta pele, e eu amo Jesse demais. De verdade.”
Cranston rompe a solenidade: “Para mim, no final disto aqui”, ele diz, “mal posso esperar para me livrar deste bando de cuzões”.
“Ele só diz isso porque está muito chateado, lá no fundo, bem no fundo”, Paul responde.
Cranston sorri e não se parece em absolutamente nada com Walter White. “Não”, ele afirma. “Não estou.”