Com os Rolling Stones prestes a aterrissar no Brasil, relembramos os primeiros anos dessa que viria a se tornar uma das mais longevas bandas do rock and roll
Em 1964, quando os Rolling Stones ainda eram uma novidade desconhecida e excitante, a London, gravadora deles nos Estados Unidos, tratou de divulgar a imagem e o som do quinteto. Uma das estratégias foi colocar um imenso outdoor na Times Square, em Nova York. Acima da imagem dos músicos estava a frase: “O som, o rosto e a mente dos nossos tempos. Cinco reflexos dos jovens de hoje”. O iconoclasta Andrew Loog Oldham, que tinha assumido o papel de empresário, produtor e relações– públicas da banda, havia trabalhado brevemente com Brian Epstein, empresário dos Beatles. Ele sabia que os Stones nunca seriam maiores do que os rapazes de Liverpool – afinal, ninguém mais seria. Então, a estratégia foi: se eles não podiam ser maiores, então seriam o oposto – no caso, uma versão perversa e negativa do Fab Four. Com um cinismo calculado, Oldham habilmente manipulou a opinião pública e os fãs. Exagerava nas histórias sobre o quinteto. Criou a imortal frase: “Você deixaria sua filha sair com um Rolling Stone?” Mas com ou sem o estímulo do empresário os Stones estavam dispostos a serem eles mesmos. Eles quebraram todas as regras do show business e radicalizaram a arruaça feita por junkies, encrenqueiros e bebuns que vieram antes deles, gente do jazz (Charlie Parker, Chet Baker), da country music (Hank Williams) e do começo do rock (Jerry Lee Lewis). Não tinham compromisso com nada, só com o blues que tocavam – e o comportamento extremo muitas vezes resvalava em uma atitude que poderia ser vista como desprezo pelo próprio público.
Ninguém pode tirar o mérito dos Beatles de terem mudado a juventude. Eram rapazes de cabelo comprido com opinião própria e que tocavam um tipo de música que os pais não aprovavam. Mas no quesito “corruptores da juventude” os Stones foram muito além do Fab Four. Os quatro Beatles eram diferentes, mas se completavam. Os Stones se chocavam: quando estavam juntos, algo sempre parecia prestes a explodir.
Havia também uma hierarquia. Brian Jones, no começo, era o líder e a presença mais carismática. Com o tempo ele perdeu espaço para Mick Jagger, que, como cantor, virou o foco das atenções. Keith Richards ainda era tímido. Aos poucos ganhou confiança e se tornou o Keith que todos conhecem. O baixista, Bill Wyman, e o baterista, Charlie Watts, seguiam discretos, mas o rosto de gárgula deles acrescentava ameaça e perigo aos Stones.
Quando o artista belga Guy Peellaert retratou os Stones no clássico livro Rock Dreams (1973), ele ilustrou a banda como travestis vestindo roupas sadomasoquistas de couro, como abusadores de garotas indefesas. Ainda que essa parecesse ser a percepção geral sobre eles, com o status recém-adquirido os músicos penetravam em camadas da alta sociedade inglesa, tirando o pior de socialites e de nobres decadentes. Usavam essa fatia da sociedade como laboratório para canções repletas de alusões a sexo e drogas. Ao criarem uma versão musical das ousadias morais de Oscar Wilde, os Stones viviam o tipo de fantasia decadente que a maioria não tinha coragem de assumir. Em faixas como “Under My Thumb”, “Yesterday’s Papers” e “Out of Time”, eles tratavam as mulheres como algo descartável. Pelo menos quando ficaram mais velhos essa atitude radical mudou um pouco.
Em 1967, a animosidade que o sistema e as autoridades britânicas tinham em relação à banda chegou ao ponto máximo. Eram inimigos públicos número 1. Depois de serem “dedurados” pela imprensa sensacionalista do país, Mick Jagger e Keith Richards se viram julgados perante a lei por posse de drogas. Foram condenados e presos, mas os líderes dos Stones passaram pouco tempo atrás das grades. A pressão da opinião pública os salvou. Não se deixaram intimidar. No final da década de 1960, os Stones conjuraram as forças mais malignas dentro do rock.
Em álbuns como Beggars Banquet (1968) e Let It Bleed (1969), os Stones jogavam pesado. Para eles valia satanismo (“Sympathy for the Devil”), confronto nas ruas (“Street Fighting Man”), sexo com menores de idade (“Stray Cat Blues”) e até mesmo uma ode a um serial killer (Albert DeSalvo, o estrangulador de Boston, inspiração para “Midnight Rambler”). Em “Gimme Shelter”, ao usarem poderosas imagens sobre guerra, caos e estupro, pintavam o fim do mundo. A decadência que a banda celebrava cobrou seu preço. Brian Jones, o homem que fundou a banda e
também a batizou, foi encontrado morto afogado na piscina de sua mansão, pouco depois de ter sido dispensado do grupo. O virtuoso Mick Taylor entrou no lugar dele. Em dezembro de 1969, os Stones protagonizaram o festival mais infame da história do rock, o Altamont Free Concert, na Altamont Speedway (Califórnia). Em uma noite cheia de violência e vibrações ruins,
Meredith Hunter, um jovem negro de 19 anos, foi assassinado pelos motoqueiros dos Hells Angels, que supostamente deveriam estar cuidando da segurança do evento.
Os Stones não só sobreviveram à morte de Jones e à tragédia de Altamont como se tornaram ainda maiores e mais poderosos na década de 1970. Só tocavam em estádios – as turnês foram se tornando mais ambiciosas e lucrativas. Fundaram a própria gravadora (a Rolling Stone Records, com o logotipo da língua) e os álbuns que lançavam seguiam batendo recordes de vendagem. Em Let It Bleed, Sticky Fingers (1971) e Exile on Main St. (1972), atingiram a plenitude musical. Na metade da década, Taylor saiu e entrou Ron Wood. A mensagem ainda era anárquica, mas eles sabiam o que faziam. Controlavam todos os aspectos da carreira. Se bandas como Led Zeppelin foram maiores nos anos 1970, os Stones tiveram o mérito de sobreviver às novidades daqueles tempos e seguir como se nada tivesse acontecido.
Hoje, o rock se transformou em uma aristocracia, e os Stones seus mais nobres dignitários. O punk roubou parte do protagonismo de velhos anarquistas rebeldes como os Stones, que deixaram as ruas para virarem membros do jet set. Há muito tempo eles já não são “reflexo dos garotos de hoje” – e, claro, isso nem faria sentido. Ao guerrearem com o sistema e com as instituições, eles próprios se tornaram uma instituição. Mais do que isso, viraram uma indústria. Nada de errado. Com os integrantes na casa dos 70 anos, os Stones são donos de um catálogo imbatível, permanecendo como o sinônimo do rock mais autêntico e encharcado de blues do planeta. Todos vão sentir falta quando eles não estiverem mais por aqui, e o Brasil tem sorte de estar na rota do que pode ser a última grande turnê da banda.