Após sete anos e três filmes, Christopher Nolan discute o desfecho de sua interpretação de Batman
Bruce Wayne tem passado por tempos difíceis na Gotham City de Christopher Nolan. A casa dele foi incendiada; a namorada morreu; ele se tornou o fugitivo mais procurado da cidade; o uniforme de Batman parece ser desconfortável. Mas no terceiro e último filme de Nolan, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, o diretor dá ao herói uma dádiva que lhe tem escapado quase sempre em seus 73 anos de páginas das histórias em quadrinhos: um final verdadeiro. “Esta é a diferença entre um filme e uma HQ”, diz Nolan. “E sempre valorizamos essa diferença.”
Você tinha dúvidas sobre como poderia encaixar a Mulher-Gato na sua versão de Batman – como superou essa barreira?
Desconstruímos totalmente a ideia do que é a Mulher-Gato e finalmente encontramos um meio de fazer a personagem existir de maneira plausível em nosso mundo. Criamos quase uma femme fatale de filme noir, uma trapaceira. É um conceito no qual sou capaz de acreditar, criativamente falando.
E sem miado.
[Risos] Exato. Isso nunca entraria. Mas passamos pelo mesmo processo com Christian [Bale] na pele do Batman, e bastante com Heath [Ledger] e o Coringa: há aquela noção de “ok, esqueça tudo o que você sabe sobre o ícone; construa um personagem real”. E no fim você tem o filme concluído e pensa: “Quer saber? Meio que temos uma versão de tudo isso ali”. Ela se parece com a Mulher-Gato. Achamos um jeito de colocar orelhas em sua cabeça e isso fazer sentido – para mim foi importante, bolar que ela tinha uns óculos de visão noturna e, quando ela os vira para cima, eles têm um formato que lembra orelhas.
Desde Batman Begins (2005) você se esforçou para justificar cada detalhe dos personagens para que tudo fizesse sentido no mundo real. Já o acusaram de levar isso muito a sério?
Não! [Risos] A ideia era dar ao Batman o mesmo alicerce de qualquer outro herói do cinema de ação dos anos 70 ou 80. Para mim, é simplesmente mais divertido quando você acredita no mundo que é mostrado e na física dele.
Você não quer que as pessoas precisem se esforçar para acreditar.
Isso sempre acaba sabotando o drama; quero ver os cineastas se esforçarem em fazer com que você acredite naquilo tudo.
A cena de abertura em IMAX é incrível, com a gangue do Bane atacando um avião em pleno voo, e ainda mais espetacular do que as cenas em Hong Kong do segundo filme – é uma tentativa de superar os filmes do 007?
Bem, é sempre uma tentativa. Cresci vendo aqueles filmes obsessivamente. Para mim, os filmes de Bond dos anos 70 e 80 sempre foram o auge desse tipo de ação, aventura-entretenimento com peripécias reais, cenários exóticos. Isso é o que representa a grandiosidade dos filmes para mim. Vários caras que trabalharam nessa cena fizeram filmes de Bond, e tirei vantagem da experiência deles sem vergonha alguma.
Também é conveniente o fato de Morgan Freeman fazer o mesmo papel de Q.
[Risos] É, acho que não tenho sido muito sutil no modo como venho copiando a série. Mas acho que por todos também adorá-los, as pessoas têm me perdoado por isso.
Você usou dublês reais no ar; construiu um set enorme dos esgotos de Gotham City. O quão avesso aos efeitos digitais você é?
Não quero ficar sentado dizendo para o pessoal da computação gráfica: “Criem isso do nada”. Por isso tentamos usar os efeitos visuais no que eles são melhores, que é melhorar algo que filmamos de verdade. Há coisas incríveis que você pode fazer com computadores. Há ótimos trabalhos de efeito visual no filme que o público nem percebe – que é o modo como eles deveriam ser usados. Tentamos fazer nossa parte no set e filmar absolutamente tudo o que podíamos.
A crítica que se ouve sobre filmes mais cheios de efeitos especiais é que eles parecem não ter peso, de certa forma.
É exatamente isso o que estou tentando evitar. Animação é algo que sempre vai parecer levemente diferente para o público se comparada a algo que foi fotografado e tem um peso verdadeiro. O mundo é complicado demais para ser simulado matematicamente. Por mais sofisticados que sejam seus truques, a plateia sempre vai perceber a diferença em um nível subliminar.
“Alguns homens só querem ver o mundo pegar fogo” tornou-se uma das frases de filme mais citadas na década passada. Como surgiu esse monólogo de Michael Caine no segundo filme?
É algo que escrevi um bom tempo antes de começar a trabalhar no roteiro. Enquanto meu irmão estava escrevendo a primeira versão, eu tinha uns trechos e pedaços – às vezes escrevo esses monólogos, que são meio que ideias despejadas direto do meu subconsciente para algum personagem que sei que vou usar, mas não sei quando nem onde. A ideia era que parecesse absurdo tentar encontrar uma motivação tradicional para um personagem como o Coringa, que representa a anarquia e o caos absolutos. Eu estava tentando encontrar um meio de expressar isso.
A palavra “Coringa” não é dita nenhuma vez em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Acredito que tenha sido uma decisão pensada.
Totalmente pensada. Só consigo fazer o que acho certo e, para mim, tendo perdido um amigo e colega, pareceria muito reducionista tentar incorporar isso em algum lugar de nosso mundo ficcional. Por isso escolhi, em respeito a Heath, deixar a questão do Coringa completamente de fora deste filme.
Se não fosse pela tragédia de sua perda, este filme teria sido muito diferente?
[Longa pausa] É um universo paralelo, então não tenho ideia. Seria um mundo muito diferente em uma porção de aspectos.
No filme, você faz Bane meio que enganar os 99% da população de Gotham para que eles se rebelem contra os ricos – foi sua intenção fazer disso uma declaração anti-Occupy Wall Street?
Conversei com muitas pessoas que viram a mensagem contrária no filme. Jogamos uma porção de coisas para ver o que cola. Deixamos uma porção de questões interessantes no ar, mas é simplesmente um pano de fundo para a história. O que estamos tentando fazer é mostrar as rachaduras na sociedade, mostrar os conflitos que alguém tentaria alimentar para alargar ainda mais essas falhas. Vamos ter interpretações completamente diferentes sobre o que o filme está ou não está apoiando, mas na verdade ele não está fazendo nada disso. O filme só conta uma história. Se o que você quer dizer é: “Seu filme foi feito para criticar o movimento Occupy Wall Street?”... bem, obviamente, isso não é verdade.
Mas o filme sugere que há perigo em movimentos populistas que vão longe demais.
Se o movimento populista é manipulado por alguém que é mau, isso é claramente uma crítica àquela pessoa. Você poderia dizer que as condições que essa pessoa mal intencionada está explorando são problemáticas e deveriam ser abordadas.
Você deve ter uma opinião sobre tudo isso.
Ah, eu tenho todo tipo de opinião, mas não é isso o que estamos fazendo aqui. Adoro quando as pessoas ficam interessadas na política disso, quando veem algo que mexe com elas de algum modo. Mas não estou faltando com a sinceridade quando digo que escrevemos partindo de coisas como: “Qual a pior coisa que nosso vilão Bane poderia fazer? Do que temos mais medo?” Ele vem para virar nosso mundo de cabeça para baixo. Foi o que aconteceu com outras sociedades no decorrer da história, muitas vezes, então por que não aqui? Por que não em Gotham? Queremos algo que mexa e incomode as pessoas.
Alguns diriam que, inerentemente, desde o começo, o Batman é um herói de direita, que estabelece a lei e a ordem socando criminosos.
Sim, se você presumir que Gotham e Nova York são o mesmo lugar, mas não é o caso. A corrupção que leva Wayne a se tornar o Batman é muito extrema. Por isso, você sabe, o conceito dele de “os fins justificam os meios?” muda de acordo com o cenário. Assim, o desafio de Batman Begins era fazer com que achássemos ok a ideia do vigilantismo. Os filmes não têm, de verdade, a intenção de serem políticos. Você não quer excluir as pessoas, quer criar uma história universal.
Muitos argumentarão que toda arte é política.
Mas o que é política?
Bruce Wayne votaria no (pré-candidato republicano) Mitt Romney?
Antes ou depois de o Bruce falir?