Michael Stipe e banda dispensaram blablablá para dominar a platéia com empatia, tecnologia e 25 canções certeiras
"Nobody tells you what to do", balança os braços pra cima Michael Stipe, enquanto canta "Drive", um dos sucessos do superpop Automatic For The People. As pessoas imediatamente repetem o movimento, porque, sim, Michael Stipe te diz o que fazer.
Até esta que foi a quinta música do show em São Paulo, nesta segunda-feira, Stipe havia se detido a um discreto boa noite, em inglês, e a também discretos movimentos de reverência à platéia. Mas logo ficou claro que o sucesso do encontro não estaria em nenhum dos artifícios comuns das apresentações ao vivo - poses, verborragia ou puxa-saquismo - Stipe é uma figura compacta e hermética, mas canta e dança e sorri com verdade, e aí está o segredo da empatia.
O show começou com a primeira canção do novo Accelerate, "Living Well Is The Best Revenge", seguida de duas músicas de Monster, de 1994 ("I Took Your Name" e "What's The Frequency, Kenneth?"), além de "Fall On Me" (Lifes Rich Pageant, 1986). O aquecimento serviu para a platéia se acostumar à transmissão ao vivo do próprio show em um painel de luzes que ocupava todo o fundo do palco - com cortes variados dos músicos, em tempo real. As luzes coloridas e a cenografia de videoclipe deixaram claro que a excelência do pop do R.E.M. não se detém à precisa execução dos músicos, às letras provocadoras e à voz de Stipe, massificada pelas FMs nas duas últimas décadas.
Depois das mãos pra cima em "Drive" veio a seqüência política da apresentação, com a reafirmação da esperança da banda no recém-eleito presidente dos EUA Barack Obama ("A História mudou para melhor") e reclamações contra Bush e Reagan ("Até que enfim voltarei feliz pra casa", sorriu Stipe). Um trio de canções deu conta do momento-protesto: as novas "Man-Sized Wreath" e "Hollow Man" e a raivosa "Ignoreland".
Os vários blocos de mesclas de canções de diferentes momentos da banda pautaram, numa estratégia bem-sucedida, as duas horas de show - foram vinte canções e outras 5 no bis, que incluiu "Losing My Religion".
Mas não foi no grande hino do pop - vastamente difundido em rádios e na televisão - que Stipe rebolou e chacoalhou os braços, como nos anos 90. O auge do remelexo aconteceu na marcada "She Just Wants To Be", em que o vocalista se contorceu, em transe, de frente para uma caixa de som, roubando para si o clássico momento do solo dos shows de rock (que caberia a um guitarrista ou baterista).
Em seguida, um "descanso" reuniu toda a banda em duas canções acústicas, com o baterista tocando chacoalho e violão, respectivamente: "Sweetness Follows" (Automatic For The People) e "Let Me In" (Monster). O momento intimista serviu para exibir a potência da voz de Stipe, que não sofreu com o tempo, assim como seu corpo (só a barba grisalha denuncia os 28 anos de carreira).
"The End Of The World", escolha perfeita para o encerramento, deu voz à platéia, que repetiu de forma crescente a frase "I feel fine", enquanto Stipe se revezava entre a observação sorridente e a movimentação explosiva, feito um reserva de futebol chamado ao campo.
Mesmo com o bis pronto (a lista estava pregada à mesa de som), o quinteto lançou no painel de luzes a frase "Mais R.E.M.?", provocando o público a fazer mais barulho pelo chorinho - e então a casa literalmente tremeu. E outra seqüência de uma canção de cada disco amarrou a demonstração do que se pode chamar de pop absoluto.
Veja trechos das duas primeiras canções: