Com suavidade e trabalho duro, FLORA MATOS busca seu espaço dentro do carrancudo rap brasileiro
Acho que cada mulher tem um estilo, uma vida, uma missão. Por isso, cada uma tem um papel dentro do rap ou de qualquer gênero", explica, meio que evasiva, a jovem Flora Matos, mais conhecida como MC Flora Matos, quando questionada sobre qual seria a função da mulher no cenário do rap brasileiro. A resposta poderia ser interpretada, em um primeiro momento, como uma tentativa de se livrar de prováveis polêmicas, mas, na realidade, trata-se do reflexo de uma artista que ainda está tateando seu espaço em um gênero dominado por homens carrancudos e taciturnos. "Eu e meus irmãos tivemos acesso à boa música desde sempre, e me sentia muito à vontade para criar desde pequena. Meu pai sempre gostou de reggae, dub, dancehall, soul, jazz. Então, antes de conhecer o rap, eu ouvia sons que, bem ou mal, originaram o rap. E acredito que isso me proporcionou uma visão mais ampla dentro do ritmo", conta, relembrando a sua não tão remota infância. "Hoje, quando ouço Fela Kuti, percebo o quanto o rap já estava na minha vida antes mesmo de eu ir a um baile, entende?"
Por baile entenda-se os eventos de rap que ocorrem em Brasília (DF) - terra natal dela - e adjacências, que Flora passou a frequentar quando tinha 13 anos. Esse encontro com a cultura do ritmo e poesia foi fulminante e um ano depois a garota passou da plateia para o palco. Dona de uma voz que contém uma rouquidão natural, quase sensual, e de excelente dicção (o que faz as frases e rimas soarem claras), ela mostrou-se ousada desde o começo e não esmoreceu diante do fato de ser muito nova e... mulher. "Meu rap, quando começou a pegar forma, era bem diferente do que rolava em Brasília", explica. "Acho que por ousar muito, mesclando rap com o ritmo que quisesse, não fiz muito parte da 'hierarquia'. As pessoas talvez não estivessem abertas ou preparadas para um rap mais harmônico e tão diferente."
Se seus conterrâneos estranharam a leitura diferente do estilo, teve gente graúda do meio que percebeu seu talento e autenticidade. Quando abriu um show dos Racionais MC's em Belo Horizonte (MG), em 2007, o DJ KL Jay gostou do estilo da então garota de 17 anos e pegou seus contatos. Um ano depois, ela estava se mudando para a capital paulista para gravar um remix de "Véu da Noite", produzido por ele. E com a mudança geográfica vieram várias outras oportunidades de trabalho e colaborações com artistas do movimento rap que acabaram culminando em convites para se apresentar no exterior.
Apesar desses êxitos, seu público aguardava ansiosamente um registro mais consistente, que apresentasse toda essa versatilidade. Ele veio no final do ano passado sob a forma de uma mixtape feita em parceria com a dupla Stereo Dubs. Flora Matos VS Stereo Dubs, ainda que não seja um registro solo - esse está sendo preparado sob a batuta de seu padrinho KL Jay -, surpreende pela qualidade e potencial pop, com versos delicados que fogem do discurso convencional bélico do rap brasileiro, apresentando ainda as várias facetas da cantora. Tem a Flora rimadora nervosa em "Pai de Família", a Flora reverente ao dancehall em "Até o Infinito" e a Flora cantora em "Minha Voz", música em que ela canta os marcantes versos "Minha voz me impera / Minha voz meu mundo / Minha voz minha guerra / Minha voz meu pão tudo". "O futuro dela depende dela mesma. Se não se empenhar, perde o lugar", sentencia KL Jay.