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Riso em Pé de Guerra

Enfrentando mais obstáculos e críticas do que elogios, a comédia stand-up tenta se estabelecer no Brasil

Por Gus Lanzetta Publicado em 20/07/2011, às 19h50

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<b>BOCA ABERTA</b> Artistas especializados em comédia stand-up têm surgido de todas as regiões do país, como o pernambucano Murilo Gun - GERSON NASCIMENTO
<b>BOCA ABERTA</b> Artistas especializados em comédia stand-up têm surgido de todas as regiões do país, como o pernambucano Murilo Gun - GERSON NASCIMENTO

"Muita gente pega o microfone e diz: 'O stand-up é humor do cotidiano'. Mas não é. Você pode falar de um monte de outras coisas", define o comediante carioca Nigel Goodman. "Stand-up é um cara no palco falando coisas que ele pensa para uma plateia, sem quarta parede."

Muito utilizado no meio teatral, o termo "quarta parede" designa a divisória invisível existente entre os acontecimentos de um palco e o público. No caso da comédia stand-up, porém, tal parede jamais existiu - a interação direta entre o artista e a plateia acaba por ser a alma do negócio. Surgido no final do século 19 na Inglaterra e nos Estados Unidos, o stand-up se caracterizava por apresentações de humoristas em casas de shows musicais e, posteriormente, nos espetáculos de variedades, os vaudevilles. Durante todo o século 20, a arte evoluiu enquanto seu conteúdo aos poucos se distanciava do "humor de salão". Nas décadas de 50 e 60, comediantes norte-americanos passaram a inserir mais opiniões e experiências pessoais nas apresentações. Quebrar tabus, satirizar preconceitos e inserir críticas sociais nos textos tornou-se a marca registrada de muitos deles.

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No Brasil, os estilos de humor que dominaram - tanto os espetáculos ao vivo quanto a televisão - foram o teatro de comédia, os esquetes e os monólogos de personagem. Alguns contadores de piada profissionais se popularizaram fazendo stand-up ao longo das décadas (Ary Toledo é um dos nomes de peso), mas não se pode dizer que o formato tenha se estabelecido integralmente na cultura brasileira. A diferença entre os formatos é tênue para muitos, mas essencial para outros tantos. Como define o comediante curitibano Fábio Lins, "piadista e comediante stand-up são como futebol e futebol de salão: parece a mesma coisa, mas é completamente diferente".

É possível, contudo, afirmar que houve uma "renascença" da comédia stand-up no Brasil nos últimos seis anos, e que ela influencia e alimenta a produção de humor na televisão, além de regularmente gerar público e novos comediantes profissionais. Esse rápido crescimento também captura a atenção de quem não acompanha de perto o mundo da comédia ao vivo: graças à internet, toda repercussão (inclusive as polêmicas) dos comediantes ganha proporções muito maiores do que teria diante da reduzida plateia de um show de stand-up.

"Por causa do YouTube e da TV, a gente passou de uns dez comediantes no Rio e em São Paulo para um monte de gente fazendo stand-up no Brasil inteiro", diz o comediante paraense Murilo Couto. Se não é possível atribuir toda a popularidade do stand-up brasileiro à internet, é inegável que o YouTube e as redes sociais servem como primeiro contato de grande parte do público com o gênero. Do imediatismo do Twitter para se testar e espalhar piadas à facilidade de se assistir a apresentações de qualquer comediante do mundo, o ambiente online se tornou uma incubadora que produz artistas e fãs em uma velocidade estonteante - algo que nem sempre gera um efeito positivo.

"O cara vê stand-up na internet e acha que é fácil", critica o pernambucano Murilo Gun, que começou a se apresentar em Recife e hoje mora em São Paulo. "[O stand-up] não precisa nem de peruca pra fazer, então muita gente tenta sem saber. Isso gera muito preconceito. A galera vê um cara ruim, acha que é aquilo e passa a não gostar. Como se fosse uma coisa só." O mineiro Bruno Motta, com mais de 12 anos de experiência de stand-up, concorda com a tese: "Existe esse problema de as pessoas acharem que é fácil. A barreira de entrada não é baixa, só parece. Parece que todo mundo pode fazer, mas não é assim". Para ele, o próprio formato das apresentações ajuda a perpetuar a falsa impressão de acessibilidade. "O bom stand-up é aquele tão bem escrito e preparado que parece improvisado. Você 'suja' o texto e faz como se estivesse raciocinando tudo aquilo na frente da plateia", explica.

Plateia essa que cresce a olhos vistos, gerando oportunidades e espaço para comediantes iniciantes e para os já consagrados. "Existe tanto público hoje, que eu poderia me apresentar por um ano nos clubes de comédia em São Paulo com o mesmo material", diz Lins. "Às vezes pergunto: 'Quem aqui nunca veio a um show de stand-up?' Normalmente, quase metade da plateia levanta as mãos. O público está longe de parar de crescer", concorda Couto. O fenômeno pode ser observado no Comedians, casa de espetáculos paulistana dedicada ao stand-up que regularmente abre shows extras para lidar com o crescente interesse da audiência por gente sendo engraçada com um microfone em punho. Além do surgimento de espetáculos de grupos de comédia em teatros e bares das principais capitais, surgem também os primeiros subprodutos do gênero - no caso, os DVDs, como A Arte do Insulto, de Rafinha Bastos, e Politicamente Incorreto, de Danilo Gentili. Entretanto, a popularidade crescente da comédia stand-up nem sempre representa uma vitória para os profissionais do ramo - ela também pode representar o caminho mais rápido para a banalização do setor.

"Personagem não é stand-up; improviso não é stand-up. Mas você vê lugares anunciando [essas atrações] como se fossem", reclama Motta. "Isso só confunde mais as pessoas."

Saber agradar a cada tipo de público e balancear originalidade e atitude com o objetivo de fazer a plateia dar risada permanece como o grande desafio do stand-up, nas palavras dos próprios praticantes. "O comediante tem que conhecer o público", opina Bruno Motta. "Depois de subir no palco, você tem 30 segundos para sacar o que você pode falar que eles vão achar engraçado." Os diferentes tipos de locais que recebem as apresentações também geram públicos diferentes, o que deveria influenciar no conteúdo apresentado. "Putaria funciona em qualquer lugar, é mais fácil", crê Murilo Gun. "Tem lugar em que texto limpo não funciona. Em bar tem conversa, os garçons não são treinados para fazer menos barulho, então se você não chama atenção, não dá certo. Você fala 'punheta', aí o cara olha."

Chamar atenção, porém, nem sempre se mostra a solução mais adequada em se tratando de fazer graça. Recentemente, comediantes de alcance nacional foram alvos de críticas negativas ao fazerem piadas questionáveis com temas delicados - doenças, estupro e o holocausto foram as bolas da vez. Inevitavelmente, a discussão sobre limites do humor se tornou pauta nas conversas, dentro da internet e fora dela. "Se levar menos a sério" é a recomendação geral dada pelo paulista Oscar Filho, comediante e integrante da equipe do programa de jornalismo humorístico CQC. "O humor sempre tem um alvo. Se você não entender que é só uma piada, vai sofrer quando for você o alvo. Não acha graça? Não ria dessa piada e siga em frente. O humor sempre anda muito perto do limite das pessoas, tem que ser assim. É como ser um trapezista, de vez em quando você vai cair."

"A maior parte das pessoas que reclama não é nem gente que se ofendeu", Oscar continua. "É um pessoal que acha que o que você falou é errado e se sente no direito de reclamar pelos outros, que eles imaginam estarem ofendidos." Também do CQC, Danilo Gentili recentemente se viu apedrejado por críticas graças a comentários polêmicos publicados em sua conta de Twitter. Para ele, as críticas contra os comediantes jamais são originadas do público-alvo que consome o stand-up. "No meu show não rola polêmica", ele diz. "Vem quem quer rir e paga para me ver. Na internet, quando a piada chega em alguém que não quer ouvir piada, é que dá polêmica."

A popularidade relativamente recente da "comédia em pé" no Brasil também surge como uma das causas do atrito entre quem faz esse tipo de comédia e quem não a compreende. Para Oscar Filho, a situação deve ser amenizada à medida que o grande público se acostumar aos textos de stand-up. "Lá [nos Estados Unidos] eles têm mais liberdade, você pode falar o que quiser. Aqui levam muito para o lado pessoal", diz. "A democracia ainda é muito nova no Brasil. Tem gente que ainda está aprendendo a lidar com o fato de todo mundo poder falar o que quiser. Às vezes, o cara nem sabe se realmente acha errado o que você falou ou se ele aprendeu a ter essa reação de 'não pode falar isso'."

Com toda a exposição atual (e as proporções que tomou recentemente), fica difícil crer que o stand-up seja apenas uma moda passageira no Brasil. As discussões em torno do material de muitos comediantes também devem deixar marcas no comportamento e na resposta do público: é muito provável que, quando a explosão desse segmento não for tão intensa, a repercussão deve diminuir, assim como o interesse das pessoas e a quantidade de polêmicas geradas. Os comediantes, por sua vez, têm certeza de que vieram para ficar.

"Tem muita gente de olho em usar o stand-up como degrau para chegar na TV. Até porque você só precisa subir em um caixote e contar piadas, que nem precisam ser engraçadas, já que a onda agora é ser incompreendido", argumenta Nigel Goodman. "É um bom momento para os imbecis que queriam uma oportunidade para aparecer, mas não conseguem se destacar em mais nada. O título de 'comediante stand-up' vale mais do que ouro hoje em dia."