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Sem meias palavras, Zeca Pagodinho celebra 30 anos de carreira e decreta que a simplicidade é a alma do negócio

Pedro Henrique Araújo Publicado em 16/07/2013, às 19h13 - Atualizado em 07/08/2013, às 17h10

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<b>Homem do Povo</b> Zeca, entre o samba, a cervejinha e a comunidade - Marcos Hermes
<b>Homem do Povo</b> Zeca, entre o samba, a cervejinha e a comunidade - Marcos Hermes

Mais de uma hora e meia antes do horário marcado, Zeca Pagodinho aparece. Apressado, anda de um lado para o outro na sala reservada de uma tradicional churrascaria da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Atento aos três celulares, fala com a família, amigos e tenta encontrar o cantor e compositor João Bosco para descolar um remédio para a garganta. Sapatos brancos, calça jeans e uma camisa polo listrada escondem a barriga avançada pela dieta e a tatuagem de Cosme e Damião no lado esquerdo do peito. Zeca é ícone da simplicidade e generosidade embutidas na alma do brasileiro.

A imagem se cristalizou no começo deste ano, depois que foi visto com seu quadriciclo resgatando vítimas dos deslizamentos ocorridos em Xerém, cidade onde tem casa, na Baixada Fluminense. Ele, que celebra 30 anos de carreira com um projeto gravado pelo canal Multishow, é assim: despachado e acostumado a ser abordado pelos fãs como se fosse um cara da família. “Tinha gente que falava que eu não completaria 30 anos de vida, imagina de carreira”, comenta. No bate-papo a seguir, o sambista fala da longevidade da carreira, da relação com a cerveja e de como foi se tornar um herói improvável na comunidade onde vive.

Benfeitores da música: dez artistas que dedicam tempo e dinheiro a causas humanitárias, como Zeca Pagodinho, em Xerém.

Quando você começou, em 1983, achou que ia virar o Zeca Pagodinho que é hoje?

A gente nunca acha nada. Todo artista que é verdadeiramente um artista bem-sucedido nunca imagina isso. Ele é artista porque nasceu com isso. É uma coisa que dá nele, ele nasceu com isso. Isso não se faz. Você não chega em uma loja e diz: “Me dá uma estrela”.

O que mudou em você nesses 30 anos?

Muita coisa, né? Fiquei mais velho, meu cabelo tá branco. E a gente fica mais maduro, vai aprendendo as coisas.

Tem o costume de chegar em casa, abrir uma cerveja e se sentar para ver televisão?

Eu faço isso direto. Eu chego em casa às 5h da tarde. Boto um isoporzinho aqui [aponta para o lado esquerdo], pego uma bandeja com dez copos ou doze, porque em cada cerveja eu troco o copo. Aí fico ali, vejo a novela, o Jornal Nacional e depois vou dormir.

Mas você troca o copo por quê?

Eu sou bebedor de cerveja, não sou pau-d’água, porra! A espuma da cerveja antiga estraga a cerveja nova. Aquela espuminha que fica aqui [mostra a borda do copo], quando você abre a cerveja novinha que bota, ela dá um choque aqui. Aí você pega um copo limpinho, deita a criança assim, ó [ faz o gesto como se estivesse servindo a cerveja]. Quando faz aquelas bolinhas igual a água mineral, eu falo ‘Eita, São Jorge’, aí boto um copinho pra ele também.

No Jornal Meia Hora de hoje a notícia era “O Zeca não está bebendo”...

Pois é...

Por que você acha que tantas pessoas se preocupam se você bebe ou não?

Eu acho isso desperdício de conversa, papo tão furado. Rapaz, assim como tantas pessoas se preocupam com quem casou, quem descasou, quem tá com quem. Eu acho que tem muito mais coisa pra gente falar, tanta prioridade pra gente falar. Coisa boa pra comentar. Eu não sei para onde o povo tá indo. É um tal de “Você viu o Big Brother? Ah, porque aquela mulher é uma safada, porque a outra é aquilo” e o país na lama, afundando dia após dia.

Literalmente, certo? Lá em Xerém, no início do ano, foi um bom exemplo disso...

Pois é.

Você acha que no ano que vem você terá de pegar o quadriciclo de novo e fazer algo por causa de enchentes na região?

Ah, se Deus puder me poupar de ver o que eu vi. Eu não quero mais ver isso, não. É muito triste você não poder fazer nada.

Nos últimos anos essa cena se tornou comum no estado do Rio de Janeiro e em todos os anos se fala sobre uma medida de prevenção para o ano seguinte. Quando você acha que vai acontecer?

Pra onde está indo o mundo, cara? As pessoas roubam de quem está sem nada. Será que acabou, será que Deus não existe? O que tá havendo?

Mesmo durante o desastre, algumas pessoas, e parte da imprensa, estavam mais preocupadas em mostrar sua foto no quadriciclo do que em fazer alguma coisa diante da situação.

E só foram lá porque me encontraram lá no meio [onde a situação era mais perigosa]. Eu disse “Eu converso, mas se vocês forem lá. Não vai ficar na praça de galochinha no pé, não. Vocês vão lá em cima comigo”. Aí os helicópteros foram todos para onde eu estava mostrando. Eu falei: “Aqui que é o veneno, não é ali, não. Ali só tem água. Aqui tem gente na lama, um puxando o outro, é isso que vocês têm que ver”.

E na prática, o que você fez?

A primeira coisa foi levar a imprensa pra lá, porque onde a imprensa tá, nego fica com medo. Mas é complicado, o ser humano é muito complicado. É gente ficando rica com a desgraça dos outros. Rapaz, você não faz ideia da imundície que é isso. Os caras roubam doação. Você precisa saber até quem você coloca para trabalhar na doação, porque se bobear, nego troca o sapato. Tem gente que entra cinco vezes na fila da cesta básica. Bota o carro ali no canto e bota cinco da família para receber. E ainda tem uma meia dúzia de babaca que vem falar: “Ah, o Zeca quer aparecer”. Porra, eu apareço o ano inteiro!

E se bobear até vendem as doações depois...

Se bobear? Vendem, tem gente que é dono de tendinha. Que covardia, cara. Eu fico surpreso com essas coisas. E os políticos tudo ali, engomadinhos. “Não, nós estamos aí...” Tá porra nenhuma, mentira. Eu tô lá, eu tô vendo.

Mas você acha que é o ser humano que ficou pior?

Sei lá o que que é.

É a primeira vez que você usa o sítio de Xerém para abrigar pessoas que perderam a casa?

Eu abro a casa duas vezes por ano para distribuir cesta básica. Agora não mais, porque eu já cadastrei quem realmente precisa.

Como você acha que o Rio vai se preparar daqui até 2014 para a Copa do Mundo?

Casa de papel. Faz hoje e derruba amanhã. Você viu a Vila do Pan? Nem pra invasão nego quer aquilo. Nego nem invadiu aquela porra.

Então daqui até 2014 o Rio terá várias casas de papel?

Eu não sei, cara. Não sei como é que o Rio vai receber esse povo todo, não. Vai virar uma zona. Eu não quero ir pra cidade [Centro] nunca mais. Eu tenho pavor de engarrafamento, imagina como vai ficar um inferno. Vai virar um inferno isso aí, cara.

Mas você pretende ver os jogos?

Ah, eu gosto dessa farra de mundial. Mas assim, assistir aos jogos todo domingo e quarta-feira, eu nem vejo. E quando o Brasil sai, eu não vejo mais. Será que eu vou ver muito ou será só o início?

Mudando de assunto,tem em uma questão pertinente sobre a descriminalização da maconha. O Uruguai legalizou, controladamente, a droga, e no Brasil o tema ainda é um grande tabu. Qual sua opinião?

Deixa quem quiser fumar. Cada um tem que viver a sua vida, cada um tem que dar seu jeito. Quem quiser fumar que fume, quem quiser beber que beba. Só não pode aporrinhar o alheio.

O que você acha da Lei Seca?

Muita gente reclama dos critérios, mas desde que começou eu nunca mais vi gente morta aqui [na Avenida Armando Lombardi, na Barra da Tijuca]. Todo fim de semana era carro no poste. Meus filhos perderam uns três amigos aí. Uma garotada que pega uma BMW do pai, teve um que o motor voou a 100 metros de onde ele bateu. Pra que andar assim? Antigamente os carros eram fusquinha, não tinham essa potência toda. Eu dei carro aos meus filhos, mas deixei claro. Disse: “Ó, se fizer merda, vai pagar. Não vem com palhaçada pra cá, não. O certo é o certo. Pega teu carro, enche de mulher e vai passear, não vai ficar dando cavalinho de pau, correndo igual a um bobão aí”. Até parece que meu dinheiro é pra isso.

E as fiscalizações parecem funcionar...

Se o guarda vier me falar: “Ah, Zeca, o seu filho”. Eu digo: “Se meu filho passar aí bêbado, mete ele em cana e toma a carteira dele”.

E você dirige?

Dirijo, mas não quero mais dirigir, porque prefiro beber. E ainda tem estacionamento, trânsito. Eu pego um táxi, se tiver um engarrafamento, olho pro lado. Se tiver um botequim, desço pra beber, ligo pra casa e digo: “Ô, só vou pra casa quando acabar o trânsito”.