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Será que Michael Jackson É de Verdade?

Em 1987, às voltas com o lançamento do álbum Bad, aguardado sucessor de Thriller, o maior artista do planeta abriu as bem protegidas portas de seu mítico mundo encantado. Será que o público estava pronto para saber o que Michael escondia nele?

Por Michael Goldberg e David Handelman Publicado em 30/09/2009, às 15h58

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Reportagem publicada originalmente na edição 509 da RS EUA (setembro de 1987)
Reportagem publicada originalmente na edição 509 da RS EUA (setembro de 1987)

Imagine o tamanho da manchete que um tablóide daria se conseguisse a seguinte notícia: Michael Jackson compartilha suíte de hotel com "amigo ator". A qualidade de solteirão perene de Jackson - que, aos 29 anos, ainda mora com a mãe - é um dos mistérios que permitem à mídia se refestelar com fofocas e especulações. Mas, desta vez, a história é real. Até Frank Dileo, empresário de Michael Jackson, confirma.

Quando Michael der início à sua primeira turnê solo em Tóquio, neste mês [ setembro de 1987], vai compartilhar sua suíte de dois quartos com um de seus melhores amigos que, de fato, é ator. Michael até ajudou a conseguir um agente para ele; pode ser que você o tenha visto na comédia De Volta às Aulas (1986). O amigo de Michael tem três anos e se chama Bubbles.

Bubbles é um chimpanzé.

Bubbles é apenas um dos personagens da vida real que povoam o mundo fantasioso que o superstar construiu ao redor de si. Quando Michael brinca e bate papo com Bubbles, ou Louie o Lhama, ou Crusher, sua nova cobra píton de 140 quilos, ele é capaz de se transformar - sem esforço nenhum - em um dos personagens da Disney que tanto ama.

Bubbles vai com Michael para todo lado. Ele come na mesa da sala de jantar com Michael; acompanhou Michael na maior parte dos dois anos que ele passou no estúdio para fazer Bad. Bubbles acompanhou Michael até Nova York para a filmagem do clipe de "Bad", dirigido por Martin Scorsese. Bubbles tem até um berço no quarto de Michael. E quando Michael deu um jantar em sua mansão em Encino (Califórnia) para dar início à promoção de Bad, foi Bubbles, e não o astro, que fez social pela sala - ele foi a verdadeira alma da festa.

Quase cinco anos se passaram desde o lançamento de Thriller, que se tornou o maior álbum da história com sete singles de sucesso, oito Grammys recebidos e a venda sem precedentes de 38,5 milhões de cópias no mundo todo. Assim, a apresentação de Bad foi um evento de suma importância - e foi tratado como tal. Menos de uma semana depois de Bad ter sido masterizado, a gravadora Epic investiu uma alta soma para fazer com que um grupo com os varejistas de discos mais poderosos dos Estados Unidos viajassem até Los Angeles e se hospedassem em um hotel em Beverly Hills. O grupo de 50 pessoas reuniu-se no salão de baile Crystal do hotel para a primeira audição de Bad. Mas, como a maior parte dos presentes era formada por executivos e não por conhecedores de pop, o pessoal só ficou lá sentado escutando um disco. Estavam ansiosos para a atração principal - Michael Jackson e seu paraíso infantil.

Os convidados foram levados até Encino a bordo de uma frota de limusines. Adentraram os portões de ferro preto que selam o "Mundo Maravilhoso de Michael", percorreram a longa pista de cascalho que conduz até o imenso casarão. Com sua torre de relógio refinada e suas torres iluminadas como árvores de Natal e gramados cuidados com esmero, a propriedade se parecia muito com a Disneylândia à noite. A única coisa que quebrava a magia era a visão dos seguranças que se espalhavam pelo telhado da casa.

Durante mais ou menos uma hora, todos circulavam à vontade, passeando pela casa como se fosse um parque de diversões. Todos se maravilhavam com a extensa coleção de relógios e com as estátuas gigantescas que retratavam Luís XIV montado a cavalo e Davi matando Golias. A sala de jogos abarrotada de máquinas oferecia de tudo - desde Space Invaders até um touro mecânico; na sala de troféus, os visitantes podiam admirar o número estonteante de discos de platina. Na galeria, relíquias de quase 20 anos de show business: um boneco de cera em tamanho natural de Michael, vitrines com os paletós ao estilo Sgt. Pepper's de sua propriedade, meias cobertas de lantejoulas, as famosas luvas. E as fotografias: centenas delas cobriam as paredes e remontavam aos primeiros anos de carreira de Michael, quando era astro infantil. Michael e o presidente Reagan. Michael e Fred Astaire. Michael e Yul Brynner. Michael e Liza Minelli. Michael e Liz Taylor.

E havia a alternativa de se divertir com o incansável Bubbles. Vestido com calça e suspensório, sob o olhar atento de seu treinador, Bob Dunn, o chimpanzé levado estava disposto a brincar com qualquer pessoa que demonstrasse interesse nele. Posou para fotos com convidados, deu cambalhotas para trás e apresentou sua própria versão do moon walk de Michael. Pouco antes do jantar, Michael se materializou com a irmã LaToya, caminhando na direção das mesas arranjadas no pátio dos fundos. Parecia ter saído diretamente da capa de Bad: calça preta, camisa preta, cintos com tachas de metal. Só faltou a jaqueta preta de Bad, adornada de zíperes e fivelas (LaToya, 31, também estava de preto; tão parecida com Michael que chegava a assustar, à exceção do quepe branco de marinheiro).

As roupas fazem parte da nova imagem de arruaceiro de Michael. Parece que o empresário e alguns mandachuvas da gravadora consideraram o antigo visual de lantejoulas um tanto suntuoso, de modo que agora Michael assumiu ares de macho como se fosse um punk estilizado. Mas seu rosto pálido e coberto de maquiagem, com o maxilar recém-esculpido, parece qualquer coisa, menos o de um arruaceiro; mal parece fazer parte deste mundo.

Em seus clipes, Michael sempre se coloca no papel de um super-herói do show biz, capaz de mudar o mundo com o ato de cantar. E ele parece acreditar piamente nisso. Este é o tema de Captain EO, filme em 3D em que ele viveu a fantasia máxima de qualquer garoto: mandar os criadores de Star Wars construírem uma aventura de ficção científica a seu redor. E com a instalação permanente de Captain EO na Disneylândia, Michael se transformou em mais do que um mero personagem da Disney - agora ele é um dos brinquedos.

Mas negócios são negócios e, nesta noite, Michael e LaToya cumpriram bem sua função e tomaram seu lugar à mesa com um grupo formado pelos amigos e conselheiros mais próximos de Michael. Depois de um churrasco gourmet com salmão grelhado e costeletas de vitela, regado a champanhe Cristal, estava na hora de Michael ser apresentado a seus convidados - mais ou menos.

Com facilidade, Michael manteve seu famoso semblante de "estou aqui, mas nem tanto". A única verdadeira interação entre ele e seus convidados se deu no final da refeição, quando um segurança se adiantou a ele e ia passando de mesa em mesa, agrupando os visitantes para uma foto e explicando que o astro chegaria em um minuto. Daí outro segurança chegava com Michael, banalidades eram trocadas, a foto era clicada e ele era levado para a próxima mesa. E foi só. Apesar disso, a maior parte dos varejistas saiu pronta para acreditar na magia renovada de Michael.

Cumpridas suas obrigações, Michael desapareceu no interior da casa. Talvez tenha se escondido em sua sala de cinema de 32 lugares, onde se acomodou ao lado do enorme Mickey de pelúcia para assistir a alguns desenhos animados: ele já declarou acreditar que "os desenhos são ilimitados. E, quando se é ilimitado, é o máximo". Ou talvez tenha dado uma passada na sala de troféus, onde ficou se deleitando com os prêmios e observando com orgulho a peça central, um terrário grande com um display da Branca de Neve e os Sete Anões, que foi entregue a Michael por personagens da Disneylândia.

Ou talvez, apenas talvez, quando Michael fugiu da festa, tenha subido para o banheiro para ficar examinando com atenção seus traços sempre em mutação e para refletir sobre o bilhete que ele pregou ali.

Michael gosta de deixar recados para si mesmo. Há placas em postes e paredes, aforismos meigos a respeito da importância da memória, de almejar as estrelas e de seguir os seus sonhos. Mas o bilhete do banheiro diz apenas: "100 Milhões".

O recado ajuda a explicar por que Michael Jackson, um homem recluso, tímido de doer e infantil, faria algo tão bizarro quanto escancarar as portas de sua Xanadu a um bando de executivos de olho gordo e ficar posando ao lado deles - atividades que até um astro de grandeza muito menor consideraria humilhantes. Michael tem o objetivo de vender o número absurdo de 100 milhões de cópias de Bad e sabe que, para isso, precisa de toda a máquina da indústria funcionando a seu favor.

Existem dois Michael Jacksons: seu próprio empresário o descreve como "um cruzamento entre o E.T. e Howard Hughes". O produtor Quincy Jones diz: "Ele é o homem mais velho que eu conheço, e o garoto mais novo que eu conheço". Michael é um homem de negócios astuto que faz aparições públicas superficiais, que obtém contratos absurdamente lucrativos (US$ 15 milhões da Pepsi desta vez), que comprou os direitos de publicação das músicas dos Beatles quando Paul McCartney e Yoko Ono não puderam fazê-lo e que controla sua exposição na mídia como um falcão.

Sua mania de controle chega a proporções absurdas. Ele é proprietário de quase todas as imagens fotográficas de si mesmo. Não deu nenhuma entrevista profunda desde 1983 e exige que os músicos que trabalham com ele assinem um formulário rígido de sigilo (o advogado dele teve que suspender esses acordos antes que as entrevistas para esta reportagem pudessem ser feitas). E a biografia autorizada dele, Moonwalk, devia ter sido lançada há um par de anos, mas até hoje não foi submetida em sua totalidade à editora. De acordo com o empresário Dileo, uma das razões para o atraso é que Michael achou que as citações sobre ele no texto eram excessivas.

O segundo Michael é a celebridade infantil genial e caprichosa, que foi celebridade durante a vida toda, que habita um mundo de conto de fadas de celebridades à sua altura, que fornece combustível inesgotável aos tabloides sensacionalistas com seus planos para comprar os restos mortais do Homem Elefante, para oxigenar o corpo dormindo em uma câmara hiperbárica ou para se casar com Elizabeth Taylor.

Mas é a mesma criança que existe dentro de Michael que inspira o dom artístico que alimenta todas as indústrias subsidiárias, que transforma seus medos e fantasias primordiais em música arrebatadora, hipercinética e emocional. De resto, podem dizer o que quiserem dele. Michael Jackson canta com voz tremeluzente e cheia de alma. E dança como um cometa rodopiante; como entertainer, não há igual.

Ainda assim, para que Bad se iguale ao sucesso estonteante de Thriller, Michael, o artista, está sofrendo mais pressão de Michael, a corporação, do que nunca. Paralisado pelo fardo de tentar superar a si mesmo, temente da rejeição pelo público, ele finalmente foi forçado a declarar a conclusão de Bad: afinal, tantos fatores externos dependiam daquilo que o trabalho simplesmente precisava estar terminado. Ele já tinha conhecido o fracasso com a linha de roupas Michael Jackson e com o perfume Magic Best, ambos lançados em 1986 e, sem música nova para suscitar interesse, desapareceram sem deixar rastro. Durante a premiação dos Grammys, em fevereiro, a Pepsi exibiu um comercial com Michael que prometia: "Na primavera... a magia estará de volta". Mas Bad e os novos anúncios da Pepsi foram tão postergados que a Pepsi foi obrigada a procurar uma alternativa e contratar David Bowie e Tina Turner para preencher a lacuna.

A canção "Bad" foi vendida com antecedência para um comercial da Pepsi e, para o outro, ele vai fornecer uma faixa que não entrou no álbum, chamada "The Price of Fame" (o preço da fama). Esse é um assunto que ele deve conhecer bem. Suas prioridades no momento estão tão embaralhadas que parece não haver saída: fazer música anda de mão dadas com a necessidade de ser "O Maior de Todos os Tempos". Criado sob adulação e por já ter vivido uma queda na fama nos 70, iludido pela Motown e maltratado pelo pai (seu ex-empresário), Michael hoje tem a obsessão de manter sua estatura a qualquer custo. Ele rompeu com os antigos pilares de sustentação de sua vida: declarou que nunca mais vai fazer turnê com os irmãos; conflitos relativos a sexo e violência em sua arte fizeram com que abandonasse as Testemunhas de Jeová. Tudo foi deixado para trás em favor da carreira solo.

Será que existe possibilidade de Bad alcançar o tamanho de Thriller? Nos últimos anos, o público encontrou novos heróis que tocam música parecida com a dele - inclusive a própria irmã de Michael - Janet, cujo Control vendeu 4,5 milhões de cópias. Se Bad vender "apenas" dez milhões, vai ser mais do que qualquer outro disco, mas o número pode ser considerado fracasso para Michael Jackson.

Dias depois da festa, Michael apareceu sem avisar nas instalações da publicação The Album Network para fazer um preview de Bad para os editores. "É uma exposição tão grande, e é indigno", diz o empresário de um outro astro de primeira grandeza. "Michael já passou do ponto em que precisa ir pessoalmente mendigar nas rádios. Isto é o que se faz com artistas novos."

Mas a razão para esse grande impulso é mais complicada. Para superar Thriller, Michael precisa contra-atacar o revés que começou em 1984, durante sua turnê Victory. A apresentação insincera e impessoal virou uma bagunça artística e financeira tão colossal que, no fim da turnê, nem todos os ingressos foram vendidos. E as pessoas que não se desanimaram com o intenso circo da mídia podem ter se desinteressado pelo comportamento cada vez mais excêntrico de Michael.

Stevie Wonder, que conhece Michael desde a infância na Motown e que faz dueto com ele em "Just Good Friends", de Bad, acha que as prioridades de Michael estão um pouco fora de esquadro. "Não dá para pensar no que as pessoas vão gostar; se fizer isso, você fica louco. Se for possível para ele vender 50 milhões de discos, então que aconteça. Mas, se não acontecer, não é o fim do mundo. São só discos."

O fracasso parece ser uma perspectiva dolorida para Michael; parece que, para ele, a satisfação não vem de dentro, mas, sim, de coisas externas, como vendas e prêmios, que podem ser efêmeras. Em 1983, ele falou à Rolling Stone EUA sobre o fenômeno dos quatro singles de sucesso de Off the Wall (1979). "Ninguém ainda quebrou meu recorde, graças a Deus", disse. Depois que Off the Wall só recebeu um Grammy (em uma categoria de R&B), Michael declarou a outro repórter: "Chorei muito. A minha família achou que eu estava ficando louco por chorar por causa daquilo". O lado negativo do sucesso de Thriller é que hoje Michael já não rivaliza com ninguém além de si mesmo: foi catapultado para sempre para sua própria estratosfera solitária.

'' Vou processar!", exclama o empresário de Michael Jackson, um mastigador de charutos de 100 quilos e 1,60 m de altura. Frank Dileo está em pé em seu escritório, louco da vida por causa do programa Late Show: a atração foi um imitador de Michael Jackson de 20 anos chamado Valentino Johnson, que tinha gastado US$ 40 mil com operações plásticas no rosto para ficar parecido com o astro. Dileo está furioso pelo fato de o tema de Michael em conexão com cirurgias estéticas ter aparecido na mídia mais uma vez. "Não compreendo por que as pessoas vivem tocando nesse assunto", ele reclama. "Tantas coisas terríveis já foram escritas."

Ele tira um charuto da embalagem e coloca na boca sem acender. "Certo, ele deu uma mexida no nariz, e na fenda palatina - grande coisa. Tenho novidades para você, meu nariz já quebrou cinco vezes. Foi consertado duas. Marilyn Monroe mexeu no nariz, mexeu nos seios... todo mundo mexeu em alguma coisa."

A faixa "Smooth Criminal", de Bad, abre com o som dos batimentos cardíacos de Michael e com a respiração pesada de Dileo; no encarte de Bad, Michael colocou uma foto de si mesmo e a silhueta de Dileo com uma legenda que diz: "another great team" (mais uma grande equipe). Michael e o empresário falam-se ao telefone de modo constante (Dileo disse que são "82 vezes por dia"), passam a maior parte do dia juntos, moram a menos de cinco minutos de distância. Dileo faz o papel de pai compreensivo para o garoto impetuoso de dez anos que Michael parece ser.

Dileo, 39, homem cheio de autoconfiança, ruidoso e emotivo, assume responsabilidade sobre o "novo visual" de Michael com certa hesitação, observando que "eu trago uma atitude de arruaceiro para Michael". Com orgulho, relata a ocasião em que falou de Al Capone para o astro: "Eu expliquei como esse tipo de gente funcionam. Na minha cabeça, não está decidido se Capone foi mocinho ou bandido. Mas ninguém tinha mais estilo do que ele". Dileo se anima quando cita que Scorsese quer escalá-lo como gângster em seu próximo filme, Os Bons Companheiros.

Quando se assiste Dileo em ação - jogando charme, se esgueirando para contornar perguntas cabeludas, derretendo-se de elogios por seu único cliente -, é fácil compreender por que Michael o contratou para tratar de sua conexão com o mundo. "Michael sabe que, se eu lhe disser algo, é verdade", diz Dileo. "Não preciso concordar com as coisas se não quiser. Em outras palavras, porque sei que isso vai vir à tona nesta entrevista, como a câmara hiperbárica. Sou 100% contrário a isso e não quero ter que carregá-la na estrada quando sairmos em turnê. Já falei sobre isso. Alguns empresários não poderiam ter esse tipo de conversa com seus artistas. Eles teriam medo. Ele respeita a minha opinião. Nem sempre ele escuta..." (De acordo com uma fonte, "desde então, a cabeça mais fria tem prevalecido", e agora parece que a "máquina de vida eterna" de Michael fica em casa.)

O empresário certa vez declarou que seu objetivo era fazer com que o sucesso de Michael e sua demanda se mantivessem sempre no máximo possível. Mas já lhe perguntaram: "E o preço da fama?" Será que toda esta balbúrdia não vai danificar a psique já frágil do cantor?"Agora já é tarde demais, de todo modo", Dileo respondeu. "Nem se eu parar ele vai ter uma vida normal."

Foram necessários três homens para carregar Crusher, a píton de 140 quilos e seis metros de comprimento para o estúdio em Los Angeles onde se deu a gravação de Bad. A maior parte das pessoas do entorno de Jackson está acostumada a ver os bichos de estimação de Michael no estúdio. Mas, certa tarde, quando o tecladista Greg Phillinganes entrou no estúdio e deu de cara com Crusher, "teve um chilique", diz o produtor Quincy Jones. Michael simplesmente ficou assistindo à cena, dando risada com sua voz suave e aguda.

Assim que ouviu "Bad", Jones, 54, pensou em chamar o amigo Martin Scorsese para dirigir o vídeo. Mas Michael não conhecia o trabalho de Scorsese, porque só tinha assistido a New York, New York, e queria George Lucas ou Steven Spielberg. Mas Dileo, mestre em trabalhar imagem, forçou Scorsese, ciente de que uma fantasia cintilante ao estilo de Spielberg só serviria para cimentar mais a imagem de Peter Pan problemático de Michael.

De acordo com um amigo próximo de Scorsese, a filmagem de "Bad", que fez Michael ficar fora do estúdio durante seis semanas no segundo semestre de 1986, foi um "pesadelo". Michael fez questão de que o diretor "refilmasse e refilmasse". Scorsese descreve seu astro como "perfeccionista" e diz que, por causa de Michael (que também estava pagando a conta), o vídeo "ultrapassou o orçamento duas ou três vezes", chegando ao custo de cerca de US$ 2 milhões. Ainda assim, descreve Michael como "solidário, doce e aberto".

"A gente tem que se esquecer do que fez antes", diz Quincy Jones. "Descobrir como vender 38 milhões de álbuns? Não sei como fazer isso. Está nas mãos de Deus."

Mas, durante as gravações, Thriller fez sombra por cima de todo mundo - principalmente de Michael. Ele tinha escrito 62 canções e, ao longo de 1985, gravara dúzias de demos em 48 canais no estúdio de sua casa, incluindo um cover de "Come Together", dos Beatles. Quando ele e Jones se transferiram para o estúdio Westlake, em agosto de 1986, a pressão só crescia. "Era tanto estresse", diz o guitarrista David Williams, "que eu fazia exatamente o mesmo trecho pelo menos cinco vezes. Estavam tentando se equiparar a Thriller."

No estúdio, Michael se vestia de maneira informal, mas às vezes aparecia usando, nas palavras de Jones, "os negócios de Capitão Marvel dele" ou "um terno lindo e chique". Enquanto grava seus vocais, Michael exigia que as luzes fossem apagadas e quase sempre ficava dançando; um palco permanente de madeira com espelhos foi construído no Estúdio D.

Nesse ínterim, de volta ao mundo real, a proposta de retrato para a capa causava comoção. Quando Walter Yetnikoff , presidente do grupo CBS, a viu - um close-up de Michael carregado de maquiagem, com renda preta floral sobreposta -, teve um chilique e teria dito a Dileo: "A capa é péssima". A imagem com aparência feminina foi descartada em favor de uma foto de Michael com suas vestes de machão, tirada em um intervalo das filmagens de "Bad".

Em uma festa na casa de Jones no Natal de 1986, o compositor Glen Ballard chegou para Jones e perguntou, brincando: "Está precisando de alguma coisa para o Michael?" "Estou sim", o produtor respondeu, também só em parte de brincadeira. "Preciso de um sucesso nas paradas!"

Jones diz que gostaria de ter "mais quatro músicas de arrasar". Na primeira semana de fevereiro, organizou uma reunião com os compositores e avisou que estava em busca de material. Acabou encontrando duas canções, "Just Good Friends", de Terry Britten e Graham Lyle, e "Man in the Mirror", de Ballard e Siedah Garrett.

De certo modo, parece adequado que "Man in the Mirror" - a única música com "mensagem" do álbum - não tenha sido escrita por Michael. As palavras de Garrett e Ballard falam da confusão que Michael sente quando vê "kids in the street, with not enough to eat" (crianças na rua, sem ter o sufi ciente para comer). E toma uma decisão: "I'm starting with the man in the mirror, I'm asking him to change his ways (...) If you wanna make the world a better place, take a look at yourself and then make a change" (vou começar com o homem no espelho, peço a ele que mude sua maneira de ser (...) Se quiser transformar o mundo em um lugar melhor, dê uma olhada em si mesmo e então faça uma mudança).

Em sua maior parte, as letras escritas pelo próprio Michael - sobre fãs, carros, romance, sexo e assassinato - não se baseiam em experiências pessoais; parecem mais ser de segunda mão, como se ele conhecesse essas coisas por meio de filmes, TV, músicas ou pelas pessoas com quem se relaciona. Ele até contou com a ajuda de Quincy para escrever a introdução de "I Just Can't Stop Loving You" (não consigo parar de te amar), em que ele fala em tom amoroso, com voz frágil: "A lot of people misunderstand me. That's because they don't know me at all" (Muita gente não me entende. Isso acontece porque elas não me conhecem nem um pouco).

Amigos-celebridades foram incentivados a dar uma passada por lá para aliviar o tédio: Spielberg, Sean Lennon, Robert De Niro e Oprah Winfrey foram alguns dos que visitaram o estúdio. À medida que Michael se transformou na maior celebridade de mundo, ele também se tornou o maior fã. A fama parece ser uma constante: as notas do encarte de Bad agradecem a Cary Grant e Marlon Brando.

Em fevereiro de 1987, Michael fez mais uma pausa para gravar um vídeo de US$ 8 milhões para "Smooth Criminal", em que ele representa um gângster do tempo de Al Capone. Quando viram que aquilo demorou dois meses, os conselheiros de Michael perceberam que tinham uma crise nas mãos. Bad tinha que chegar às lojas antes da turnê que já estava marcada para começar no Japão, em setembro. Dileo convocou uma reunião de emergência e anunciou que o álbum tinha que estar pronto até 30 de junho. O álbum enfim foi masterizado em 10 de julho. No final, as centenas de rolos de fita digital usados enchem uma sala inteira em Westlake. O álbum demorou mais de dois anos para ficar pronto (Thriller foi gravado em três meses) e custou mais de US$ 2 milhões. Estava na hora de Michael sair de seu reino e tentar vender alguns produtos.

Michael Jackson não bebe Pepsi, mas com toda certeza quer que você beba. Em março de 1986, Frank Dileo, o advogado de Michael, John Branca, e Roger Enrico, presidente da Pepsi, fecharam o segundo contrato de Michael com a Pepsi por US$ 15 milhões. Adiantados. Em troca, a Pepsi seria a patrocinadora da turnê mundial de Michael, e ele faria dois comerciais, que poderiam ser exibidos durante um ano. Havia três razões para Michael querer o pagamento na íntegra. Ele precisava da renda em 1986 por causa de abatimentos de impostos que estavam disponíveis para ele por ter comprado a editora ATV Music por US$ 47,5 milhões (que é proprietária de quase todas as músicas dos Beatles). A segunda razão, que não foi revelada, era que Branca e Dileo teriam a possibilidade de renegociar o acordo e adicionar até US$ 10 milhões extras por outras participações. A terceira razão era irracional, mas talvez a mais importante: os US$ 15 milhões eram quase três vezes mais do que o recorde anterior de um contrato semelhante (pago aos irmãos Jackson pela Pepsi em 1984), e receber o valor recorde de uma vez só deixaria Michael feliz.

Talvez porque tivesse sido escaldado do ponto de vista financeiro durante os anos que passou com a Motown (o Jackson 5 só recebia direitos autorais de 2,7% e não podia compor seu próprio material), Michael enfiou na cabeça a determinação de se transformar no senhor de um império de negócios. Apenas o patrimônio que tem com editoras deve valer uns US$ 100 milhões. Orgulha-se dos direitos que tem sobre Sly and the Family Stone e diz que está de olho no catálogo de James Brown. "Qualquer colecionador de arte compra com base em seu amor pela arte", diz Branca. "É assim que ele aborda a questão." O plano de marketing para promover Bad parece ser idêntico ao de Thriller. Dileo diz que espera tirar "uns dez singles" do álbum - em outra palavras, todas as faixas. Só uma coisa é certa: até o final de 1988, todo mundo deve estar tão enjoado de Michael Jackson que vai desejar que o próximo álbum dele demore dez anos para sair. De volta ao escritório, o empresário manda mais uma. "Esta será, sem dúvida, a última turnê de Michael."

O quê?

Dileo obviamente está muito satisfeito consigo mesmo. "A única turnê solo que ele vai fazer na vida. Porque ele vai fazer cinema. E discos. Foi o que ele me disse."

Existe uma razão para Dileo passar três horas de seu sábado dando esta entrevista - Michael não fala mais com a imprensa. Existem diversas teorias a respeito da questão. Uma delas é que a timidez extrema de Michael faz com que entrevistas sejam insuportáveis para ele. O mais provável é que ele tenha percebido que, quanto menos falar, mais as pessoas vão ansiar por migalhas. Dizem que ele prefere deixar sua música falar por si. Isso com certeza é menos extenuante e mais lucrativo para ele.

Pessoas próximas dizem que tratar com Michael se assemelha a falar com um pré-adolescente. Quando alguém lhe promete algo, ele se agarra àquilo com teimosia. Tem dificuldade em captar abstrações; distrai-se com facilidade; entedia-se com ainda mais prontidão. Como Michael diz no começo do clipe de "Thriller", "I'm not like other guys" (não sou como os outros caras). Parece óbvio o motivo por que Michael se interessaria pelo Homem Elefante: ele também foi feito para se sentir isolado. Seu fascínio por Elizabeth Taylor, Sean Lennon, Jane Fonda e Liza Minnelli indica que ele se sente mais à vontade com pessoas que, assim como ele, cresceram com a fama. E sua crença de que a câmara hiperbárica de algum modo vá estender sua vida e mantê-lo jovem para sempre mostra seu medo anômalo, ainda que compreensível, de que o envelhecimento de algum modo possa ameaçar sua arte.

Mas, assim como tudo mais no Mundo Maravilhoso de Michael, também faz parte de seu marketing. Ele é um enigma empacotado. A exploração calculada das excentricidades de Michael é um movimento propositado que o ajuda a manter-se na mídia sem ter nada novo para mostrar.

Quincy é pragmático em relação às esquisitices de Michael. "A maioria não conseguiria lidar com o sucesso que ele teve. Eu prefiro um garoto que fica falando sobre os ossos do Homem Elefante do que um que carrega meio quilo de cocaína. Queria que ele fosse meu irmão menor."

Michael confessou, em uma entrevista de 1979, que "é estranho ficar perto de coisas e pessoas comuns". Mas as pessoas que trabalharam com ele recentemente dizem que seu problema de tratar com as "pessoas comuns" piorou. Até mesmo Dileo admite que Michael passa a maior parte do tempo enfurnado. "Tudo que ele faz é em casa. Ele é uma vítima de ficar confinado entre aquelas paredes. Essa é a parte triste."

Neste ano e no próximo, Michael vai ver um pouco do mundo ao se apresentar para milhões. Mas, quando a turnê terminar, seu isolamento vai se tornar completo, já que ele penetrará no ambiente hermético dos estúdios e dos sets de filmagem.

"Michael é um ser humano", diz o guitarrista Williams. "Ele é uma pessoa: Se você disser: 'Cale a boca' perto dele, é provável que se desmanche em lágrimas. As pessoas acham que ele é tímido e evasivo e tudo o mais. Não. Ele só está borrado de medo e cansado das pessoas que o incomodam. Ele é um amorzinho, e as pessoas o engoliriam vivo se ele as deixasse entrar."

Então, creio que já chegamos o mais próximo de Michael do que jamais chegaremos. Talvez essa distância seja suficiente. Talvez não exista o desejo de saber mais. Porque embaixo da maquiagem e além do portão de ferro, passando pelo show de esquisitices, existe um garoto assustado, tímido e sobrenatural que, apenas por acaso, é um dos artistas mais talentosos que o mundo já viu. E existe a possibilidade de que passar um tempo com ele seja a maior chatice. Ou um tédio. Ou pior ainda: nós perderíamos o interesse e deixaríamos de nos importar.

E essas possibilidades são simplesmente apavorantes demais para que Michael pense em considerá-las.