Slash
Sem se deixar seduzir pela aura de lenda do rock, o guitarrista segue ainda mais ativo que nos tempos de Guns'n Roses
Rod Yates | Tradução: Ana Ban
Publicado em 16/03/2015, às 11h26 - Atualizado em 23/07/2015, às 12h59Em um quarto de hotel em Nova Jersey, Saul Hudson está matando tempo enquanto tenta se manter alerta. O guitarrista se aproxima do fim de um raro dia de folga. Passou meses se apresentando com a banda que o acompanha, a The Conspirators (que conta com o vocalista Myles Kennedy), como atração de abertura da turnê mais recente do Aerosmith, no segundo semestre de 2014. Além disso, o astro tem que dar conta de um desfile interminável de obrigações ligadas à divulgação de World on Fire, terceiro álbum solo dele – entre os afazeres estava esta entrevista.
Saul passou as últimas horas tocando guitarra e colocando os e-mails em dia e, nesta noite, vai ao cinema assistir ao filme de terror Assim na Terra como no Inferno. Mas, em última instância, um dia de folga significa um dia fora do palco, o lugar em que o guitarrista se sente mais em casa. “É no palco onde eu acho que me expresso com o máximo de honestidade possível”, argumenta. “No resto do tempo, parece que estou chafurdando na água, tentando chegar ao próximo show.”
Quase ninguém mais o chama de Saul – todo mundo o conhece como Slash (palavra que significa, entre outras coisas, algo como um golpe ou movimento rápido), apelido que ganhou na adolescência. O ator e produtor de cinema Seymour Cassel, um amigo da família, foi quem teve a ideia do nome, devido à incapacidade do jovem rapaz de ficar parado por mais de cinco minutos fazendo capas de discos para gente como Joni Mitchell, sua infância lhe ofereceu um vislumbre das engrenagens internas da indústria do entretenimento quando acompanhava os pais a shows, estúdios de gravação e sets de TV e cinema.
Slash conheceu Steven Adler, que viria a se tornar parceiro dele no Guns N’ Roses, aos 13 anos. A dupla começou a matar aula e a circular pelas ruas de West Hollywood, em Los Angeles, passando por casas de show icônicas, como Whisky a Go Go, Roxy e Troubadour, e sonhando em um dia ter uma banda que pudesse tocar naqueles palcos. O sonho se tornou realidade quando, depois de eles entrarem para o Guns N’ Roses, em 1985, o quinteto começou a fazer o nome na cena de hard rock da Sunset Strip. Em 1987, lançaram o primeiro álbum, Appetite for Destruction, dando início a uma jornada que levaria Slash às alturas estratosféricas do estrelato. Mas ele desabou de volta à Terra a toda velocidade em 1996, quando resolveu sair do Guns, frustrado, desiludido e tomado por pensamentos suicidas por causa da maneira como sua banda tinha perdido o rumo.
Desde então, o guitarrista conseguiu realizar o feito raro de construir uma carreira solo de sucesso, a ponto de seu apelido ter se transformado em um dos nomes de identificação mais imediata no mundo do entretenimento. O primeiro álbum depois do Guns N’ Roses, Ain’t Life Grand (2000), com o Slash’s Snakepit, pode não ter sacudido as caixas registradoras como o Guns tinha feito, mas ele retornou ao topo das paradas em 2004, quando o Velvet Revolver – que formou com Du McKagan e Matt Sorum, ex-colegas do Guns, além de Scott Weiland, ex-líder do Stone Temple Pilots – lançou o álbum de estreia, Contraband. E, apesar de essa formação se manter em hiato há sete anos (Weiland foi demitido em 2008), o tempo que se passou após a separação mostrou o guitarrista desenvolvendo uma fértil carreira solo, que começou com o lançamento de seu álbum homônimo de estreia em 2010. O disco trazia diversos vocalistas convidados, mas a formação que foi para a estrada para promover o álbum – o vocalista Myles Kennedy, o baixista Todd Kerns e o baterista Brent Fitz – permanece intacta, e foi com esses músicos que Slash lançou Apocalyptic Love (2012) e World on Fire (2014).
Para um homem que forjou sua identidade à imagem de heróis da guitarra “decadentes, mas elegantes”, como Keith Richards (Rolling Stones) e Joe Perry (Aerosmith), a ética de trabalho de Slash mostra alguém bem mais focado e controlado do que a atitude permanentemente relaxada dele poderia sugerir. São inúmeras empreitadas musicais, que incluem décadas de trabalho em estúdio com artistas tão díspares quanto Michael Jackson, Rihanna e Lenny Kravitz; diversas trilhas sonoras de filmes; a composição de uma canção para uma atração temática da Universal Studios; e ainda um avatar em Guitar Hero III. Em outros campos, ele criou a produtora de filmes de terror Slasher Films, em 2010, que estreou na tela três anos depois com o filme Nothing Left to Fear (sem título em português no Brasil). Apoiador fervoroso dos direitos dos animais, também é membro do conselho diretor da Greater Los Angeles Zoo Association. “A ética de trabalho de Slash não fica atrás da de ninguém”, diz Myles Kennedy. “Não sei se conheço alguém mais motivado do que ele.”
O músico de 49 anos também é, por reconhecimento próprio, “não tão extrovertido e não muito falante” – fato que Kennedy atesta. “Slash com toda certeza gosta de esconder o jogo”, ele diz. “Não coloca todas as cartas na mesa. A gente não o vê ficar superanimado, mas também não o vê ficar supertriste; ele sempre está calmo. Mas, de vez em quando, tem um jeito muito encantador de meio que se transformar em um menininho – às vezes a gente vê quando ele faz isso no palco, quando fica dançando. Ele estende os braços, como se fosse um avião, e é uma graça. Nesses momentos, eu sei que ele está feliz com o show e com o público.”
Durante o curso da entrevista, o guitarrista se mostrou entusiasmado com o novo álbum e com a turnê que vem fazendo com o Conspirators, que passará em março por Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. Mas, como Kennedy disse, Slash é cauteloso e responde com golpes diretos às perguntas que vão além de sua fachada pública. Também demonstra uma estranha ambivalência em relação às vezes que passou perto da morte. A impressão que ele dá é a de um homem que procura olhar para a frente – talvez porque nem sempre goste do que vê no espelho retrovisor.
No ano passado, você saiu em turnê com o Aerosmith. Sua associação com eles vem de longa data, desde que assistiu à banda como fã, em 1979, até a turnê que fez com eles quando estava no Guns N’ Roses (1988), e agora mais uma vez. Em que ponto você começou a sentir que estava no mesmo patamar que eles?
Você nunca vai sentir que é igual em relação aos seus heróis. Não pode simplesmente ficar na boa com os caras que basicamente foram os responsáveis por você ter pegado aquela porra de guitarra em primeiro lugar, e daí de repente se sentir [igual]. Isso seria muito arrogante. Mas é legal poder bater um papo com Joe [Perry] e Steven [Tyler]
e com o resto do pessoal, ou com gente como Jimmy Page (Led Zeppelin), Je Beck ou Billy Gibbons (ZZ Top). Isso para mim é uma sensação maravilhosa, que eu jamais imaginaria que seria capaz de conseguir.
Em uma época em que EPs e singles estão se tornando mais comuns, World on Fire é um álbum com 17 faixas e quase 80 minutos. Você fica feliz por estar em descompasso com o mercado?
Não faço isso de propósito, não tento ser o ponto fora da curva só para ser diferente. Mas, ao mesmo tempo, faço as coisas do jeito que gosto de fazer, e da maneira que me parece ser a correta. Se as pessoas se incomodam, aí eu me divirto um pouco [risos].
Por toda sua carreira, você sempre permaneceu na trilha do rock, apesar das modas de época. Houve momentos ao longo do caminho em que sentiu que não se encaixava
Achei que esse era o caso [em alguns momentos], mas, seja lá qual for o tipo, a música comercial sempre é uma porcaria. Você não quer fazer parte dela [<>risos]. Como artista, você só quer fazer aquilo que tem vontade de fazer, e não quer ser rotulado como parte do mainstream. Quando você finalmente se torna mainstream, fica tipo: “Deus, me tire daqui. Eu não quero estar aqui”.
O Conspirators claramente se tornou uma unidade coesa. O que significa para você estar nesta estrada com Myles, Brent e Todd?
Eu realmente sou uma pessoa que encontra alegria em uma situação de banda. Desde que peguei uma guitarra pela primeira vez, a primeira coisa que fiz foi formar uma banda. Não faz muito tempo que me dei conta de que preciso estar em uma situação em que todos participam e todos podem sentir que estão contribuindo. Com certeza é melhor se todo mundo tiver pelo menos uma chance de contribuir.
No passado, você disse que o fato de que o Guns N’ Roses poderia se dissolver a qualquer momento deixava as coisas mais instigantes. De onde vem essa animação em uma formação estável como a do Conspirators?
Acho que, neste momento específico, só de saber que todos estão de acordo, estão se divertindo e passam por isso tudo no mesmo nível e ao mesmo tempo é uma sensação ótima. Em outras experiências, a volatilidade começa a se transformar em uma bola de neve depois de um tempo e é difícil segurar as rédeas. E daí, de repente, quando o fim está próximo, você pensa: “Ai, merda!” [Risos] É igual a correr em direção a um penhasco.
A volatilidade interna do Guns N’ Roses ou do Velvet Revolver em algum momento beneficiou a música?
Há algumas maneiras diferentes de se olhar para isso. Se uma das coisas é a mentalidade de “nós-contra-eles”, onde todos são forçados a se unir contra os obstáculos e conflitos e destruir barreiras, isso é ótimo para a banda. Já conflito interno, tormento e animosidade – eu não vejo razão para isso. Não acredito que tais situações favoreçam a criatividade. Não ajudam para que eu tenha vontade verdadeira de tocar. Acho que esse é um mito e um clichê do rock and roll.
Você começou achando que queria tocar baixo. O que aconteceu?
Fui a uma escola de música no bairro. Cheguei para o professor e disse: “Quero aprender a tocar baixo”. E ele perguntou: “Você tem um baixo?”. “Hum, não” [risos]. Então,
o professor começou a me fazer um monte de perguntas para descobrir com quem estava lidando. Enquanto conversávamos, ele estava com um violão com cordas de aço e ficou tirando umas notas da música que saía do aparelho de som – acho que era “Sunshine of Your Love” ou “Spoonful”, coisas do Cream, e eram as partes do solo. Eu disse que era aquilo que eu queria fazer, e ele explicou que aquilo não era baixo, era “a guitarra solo”. Então, minhas perspectivas
Você disse que o livro How to Play Rock Guitar (Como tocar guitarra de rock) mudou a sua vida. Ainda tem o exemplar?
Houve um ponto em que todos os meus bens terrenos se reduziram a um baú, e o livro estava lá. Mas, ao longo dos anos, o baú passou por tantas salas e garagens que eu acabei perdendo tudo. Eu tinha mencionado em uma entrevista, e é um título tão inócuo, não sei como alguém poderia pensar que conhecia esse livro, mas um fã apareceu em um show e me deu a porra do livro [risos]. Foi inacreditável. Foi um momento marcante, porque fazia tantos anos que eu não via aquele livro, e realmente era a origem do meu aprendizado de qualquer coisa técnica sobre guitarra solo. Ele me deu o livro, que eu consegui perder de novo, e daí ele apareceu um ano depois e me deu outro [risos]! Esse eu consegui guardar.
Você passou o livro para seus filhos?
Não. Agora, eles estão muito envolvidos com futebol americano. Com o mais velho, é quase só esporte. O mais novo estava tocando piano de ouvido até arrumarmos uma aula para ele, e isso o desmotivou. Foi o que aconteceu comigo quando eu era pequeno: minha mãe tentou me fazer ter aula de piano e eu detestei, e não toquei mais o instrumento desde então. [Slash teve dois filhos com a modelo Perla Ferrar, com quem ficou casado por 13 anos: London (12 anos) e Cash (10 anos). O casal se divorciou em dezembro.]
A guitarra fez com que você ficasse mais focado quando era adolescente?
Na época, eu não tinha praticamente nenhum foco, só me interessava por BMX [bicicross]. Eu queria ser corredor. Sempre desenhei, era um artista, mas só fazia isso por diversão. Quando comecei a participar das corridas, percebi que tinha uma espécie de objetivo [risos]. Mas, quando peguei a guitarra, acho que a capacidade de me concentrar ao extremo de repente se apresentou.
O que os seus boletins escolares dizem sobre você?
Eu tinha problemas na escola, porque estava em um planeta diferente do de todas as outras pessoas. Se eu gostasse do professor e achasse as coisas interessantes, era capaz de ir bem de verdade, e, se achasse o professor ou a matéria uma bosta, então não me esforçava nada. Eu era bom de verdade em arte, em inglês e às vezes em história, dependendo do que estávamos estudando. Nunca fui bom em matemática. Eu realmente caminhei no meu próprio ritmo durante todo o tempo na escola. E frequentei muitas escolas diferentes.
Por isso nunca realmente me encaixei.
Os seus pais se preocupavam?
Minha mãe, sim [risos]! Minha mãe, que Deus a tenha, ela realmente tentou fazer com que eu ficasse na escola e tivesse uma boa educação. Mas, quando a guitarra apareceu, o trabalho dela ficou muito mais difícil, porque eu parei de me preocupar em me encaixar em qualquer coisa e me tornei simplesmente muito mais insular, de modo que as regras realmente não importavam mais. Acabei largando a escola no 2º ano [do equivalente ao antigo ensino médio].
Você foi criado ao redor de gente famosa. Será que isso lhe deu um mecanismo para lidar com a fama?
A única coisa que eu retive daquilo tudo foi uma certa ideia de como não agir [risos]. Eu sempre detestei estar perto de artistas que eram rudes ou desrespeitosos com as pessoas ou que tinham uma noção distorcida em relação a seus direitos, achando que eram o centro das atenções o tempo todo. Eu detestava isso quando era menino. Ainda detesto. Mas fui criado em volta de artistas brilhantes, inspirados e geniais de verdade, gente que eu admirava. Eu adorava Joni Mitchell quando era pequeno. Passávamos muito tempo com ela. Minnie Riperton era ótima. Então, você assimila coisas das pessoas de quem gosta e aprende a respeito daquilo de que realmente não gosta, e isso fica com você.
Houve um momento em que você se deu conta de que era famoso?
Não. Na verdade, não. Eu nunca ansiei por essa coisa de ser um cara famoso, nem pelas coisas que vêm junto – as pessoas me servirem, ser reconhecido o tempo todo, comprar joias caras, carrões e ter uma gostosa em cada braço, essa ilusão toda. Quando chegou o momento em que eu finalmente alcancei aquele ponto em que o Guns N’ Roses era grande de verdade e realmente conhecido, só comecei a usar muita droga e me esconder. Eu detestava aquilo. Nunca aceitei de fato a fama do jeito que uma boa parte da molecada aceita hoje, que é a razão pela qual fazem música.
O que você buscava nas drogas naquela época? Abrigo?
Por causa do ambiente em que eu fui criado, o uso de drogas era bem aberto. Não era nada de mais. Por isso, as drogas sempre foram recreativas. Você se drogava para se divertir e pronto. Não havia nenhuma droga específica que eu adorasse de verdade, a não ser bebida. Mas, quando fui apresentado à heroína, foi a melhor merda de todos os tempos. Passei um bom tempo usando simplesmente porque gostava. Não sei o que estava mascarando nas minhas próprias questões pessoais. Mas daí teve um período em que aquela droga específica se transformou em uma muleta tão enorme que na verdade não deu para ver a transição entre ser uma diversão e se transformar em uma dependência. Em algum lugar, havia muitas questões pessoais que eu estava maquiando, que eu não teria como identificar na época. Não sou uma pessoa que busca atividades sociais, nem estar com muita gente. E, no negócio da música, quando você se expõe daquele jeito... A bebida e as
Aos 27 anos, você sofreu uma overdose e o seu coração parou por oito minutos. Na sua autobiografia, você disse que ficou puto da vida com isso. Isso parece uma reação fora do comum: não se sentiu agradecido por não ter morrido, só aborrecido por ter tido uma overdose. Pode explicar essa reação?
Aborrecido, essa é uma maneira interessante de colocar as coisas. Você geralmente fica puto da vida por ter tido uma overdose simplesmente porque é uma coisa ridícula de se fazer. Não tem nada de bom em ter uma overdose [risos]. Simples assim. Não consigo pensar em nenhuma razão que seja muito mais complicada do que isso. É a máxima perda do controle, quando você literalmente morre no chão da sala de alguém e precisa ser ressuscitado. E realmente é inconveniente ter que chamar a emergência.
Durante aqueles oito minutos, você viu alguma coisa? Alguma luz brilhante?
Não. Mas eu estava drogado demais [risos]. Se você vai passar uma quantidade de tempo morto, precisa estar superlúcido para ver algum sinal da vida após a morte e poder guardar
essa lembrança quando acordar. Essa é a minha teoria.
Em geral, as drogas foram uma força boa ou ruim na sua vida?
Vamos colocar da seguinte maneira: eu não me arrependo de nada. Felizmente, tive muita sorte. Não prejudiquei ninguém, não matei ninguém e nem me matei. Então, posso dizer que sim, houve partes que eu aproveitei e partes que não aproveitei, mas olho para trás e vejo uma espécie de montanha-russa, e não me arrependo de nada.
Você é visto como uma pessoa muito na boa. Qual é a coisa que sempre te irrita?
Não vou contar para você [risos]. Não gosto de ficar agitado e raivoso, não gosto desse espaço mental. Precisa muito para me deixar puto da vida de verdade.
Do que você tem medo?
De dentista e de falar em público. Entrar em um trem de carga em movimento me assusta como assusta qualquer pessoa, mas se for para falar sobre duas coisas que provavelmente não assustam todo mundo, são essas duas.
O que deixa você preocupado?
Tem todo tipo de coisa. Você se preocupa se os seus filhos vão conseguir ir bem na escola. Você se preocupa se a sua guitarra vai ou não estar afinada amanhã. Mas não sou uma pessoa que se preocupa muito. Não fico alimentando preocupações.
O que deixa você feliz?
Fico feliz quando as coisas vão bem. Não vou dar nenhuma resposta grandiosa e detalhada para essas coisas. Acho que as mesmas coisas que deixam muitas pessoas felizes também me deixam feliz. Não sou um cara complicado.
Quanto da sua carreira pós-Guns N’ Roses foi orientada pela determinação de ter certeza de que a banda não se tornaria a única coisa pela qual você seria lembrado?
Na verdade, não é assim. A minha motivação e a minha determinação são coisas que eu tenho de modo inato. A paixão pelo que eu faço é o principal catalisador, mas a capacidade de dar conta disso é como se fosse parte do meu DNA, não é uma coisa que faço de maneira consciente.
Sentiu algum medo de que a sua carreira tivesse terminado quando saiu da banda
Aquela foi uma questão de sobrevivência na época. Então, não, eu não estava vendo desse jeito. Passei por vários anos em que eu não tinha nenhum objetivo em particular em relação ao que eu iria fazer em seguida, e foi assim durante a maior parte do resto da década de 1990. Muito disso simplesmente deriva do fato de que, uma vez que eu saí pela porta de algo que fazia havia tanto tempo, que era uma instituição e que fi - cava dentro de uma bolha, eu fiquei feliz de estar livre – só fiquei vagando a esmo durante muito tempo.
No início dos anos 2000, você foi diagnosticado com cardiomiopatia (aumento lesivo do coração) e recebeu o prognóstico de que só tinha seis semanas de vida. Qual foi o efeito de uma notícia dessas?
Não me lembro de isso ter surtido nenhum efeito profundo em mim. Enquanto todo mundo ao meu redor estava em estado de pânico, a única coisa com que eu me incomodava era superar aquilo para compensar os shows que eu tive de cancelar e ver o que eu ia fazer depois. A minha namorada na época [Perla] me ajudou muito, porque fiquei meio fora de mim. Minha prioridade era a fantasia de compensar os shows enquanto todas as outras pessoas estavam tentando ver se eu iria bater as botas ou não.
Em sua autobiografia, você escreveu que em 1996 teve pensamentos suicidas. Eram a sério?
Isso foi o catalisador que me fez sair do Guns N’ Roses. Eu pensava: “Não posso mais fazer isso”. Acordei no meio da noite com uns tipos de pensamentos suicidas. Daí, voltei para a cama. Mas era muito definido, era muito real. Levantei no dia seguinte e foi aí que o telefonema [para o empresário] aconteceu, e depois disso eu fiquei aliviado de verdade. Mas, antes desse episódio, estava acontecendo algo muito sufocante e claustrofóbico.
Acha que o sucesso matou o Guns N’ Roses original? Se Appetite não tivesse feito tanto sucesso, será que teria havido mais música?
Não sei. Acho que o sucesso definitivamente transformou aquilo em um monstro. Mas, ao mesmo tempo, se tivesse parado e estagnado, talvez também não fosse sobreviver. É difícil saber. Simplesmente aconteceu do jeito que aconteceu, e fico surpreso por ter ido tão longe quanto foi.
Na biografia de Paul Stanley, ele diz que você falou com ele sobre a vaga de guitarrista no Kiss na época de Creatures of the Night (1982). O que aconteceu?
Eu nunca tentei fazer parte do Kiss, nem fiz qualquer teste. Não sei do que ele está falando. A única coisa que Paul Stanley fez que teve algo a ver com o Guns N’ Roses ou comigo foi quando ele se ofereceu para produzir a banda antes de termos feito Appetite for Destruction. Então, a menos que ele se lembre de algo de que eu não me lembro, não sei que história é essa.
Você completa 50 anos em julho. Acha que a idade tem algo a ver com seu arroubo de produtividade recente?
Não acho que realmente seja uma questão de idade. Depois de toda a loucura ter terminado em 2008, quando demitimos Scott [Weiland, vocalista do Velvet Revolver], senti que precisava fazer algo sozinho. Acho que este é o primeiro período em que eu finalmente peguei o touro pelos chifres e me determinei a fazer o que tinha de fazer. Não preciso escutar mais ninguém, simplesmente vou fazer do jeito que eu sempre quis fazer, que sempre defendi para todo mundo. Está sendo bom, divertido e catártico a seu próprio modo.
Com isso em mente, o fato de você ter construído uma carreira solo a ponto de ser atração principal de festivais deve ser uma satisfação imensa, não?
A coisa toda para mim não é atingir um objetivo máximo, mas uma questão de progredir, só dar um passo após o outro. E acho que, para mim, sempre foi assim – o ritual da caça é melhor do que pegar a presa. Gosto de manter as coisas naquele ponto em que sempre existe uma noção de urgência e uma noção de trabalhar para alguma coisa. Gosto de ser humilde e continuar seguindo em frente, não gosto de chegar àquele lugar onde de repente não se tem mais para onde ir.
Em algum momento você se permite comemorar suas conquistas?
Na verdade, não. Acho que há momentos em que, como coletivo, você pode parar e comemorar algo. Eu me lembro que quando o Velvet Revolver chegou ao número 1 da parada nos Estados Unidos, com aquele primeiro álbum, estávamos em Las Vegas, então comemoramos [risos]. Em minha memória recente, aquela foi a apresentação mais bêbada que eu fi z perante uma plateia. Acho que você pode dar um tapinha no ombro um do outro, mas não acho que realmente passamos muito tempo ruminando uma conquista. Você só dá uma piscada para o outro cara e continua seguindo em frente.
Marca registrada
Como a cartola se tornou o elemento visual inconfundível de Slash
Em 1985, Slash, então aspirante a astro, tinha uma apresentação importante do Guns N’ Roses, em Los Angeles. Ele achava que necessitava de um acessório marcante para sobressair no palco. Perambulando pela cidade, o guitarrista entrou em uma loja chamada Retail Slut e viu uma cartola – foi amor à primeira vista. Sem nenhum centavo, ele simplesmente resolveu “pegar emprestado” o objeto. Como não era possível enfiar a cartola debaixo da camisa, ele a colocou na cabeça e saiu da loja na caradura, sem que ninguém se ligasse. Quando voltou para casa, Slash fez alguns ajustes no apetrecho e a partir daí ele se tornou uma espécie de amuleto de boa sorte. Ironicamente, a cartola original do artista foi roubada alguns anos depois, em uma festa após uma cerimônia do Grammy.
Relação trabalhada
Slash retorna ao Brasil pela terceira vez em carreira solo
Desde que veio ao Brasil pela primeira vez com o Guns N’ Roses, em 1991, no Rock in Rio 2, Slash mantém uma relação especial com o público do país. Neste mês, ele toca por aqui pela terceira vez desde que saiu em carreira solo. O guitarrista passará por Rio de Janeiro (Fundição Progresso, 14/3), Belo Horizonte (Galopeira, 15/3), Brasília (NET Live, 17/3), Curitiba (Master Hall, 19/3), Porto Alegre (Pepsi on Stage, 20/3) e São Paulo (Espaço das Américas, 22/3). “Desde os anos 1990, eu sinto muito apreço pelo público brasileiro”, diz Slash em entrevista à Rolling Stone Brasil sobre a nova turnê por aqui. “Só de saber que vou tocar no país já me desperta um grande sentimento de antecipação.” O guitarrista diz que se diverte quando vê a plateia repleta de fãs usando cartola. “Eles se dão ao trabalho de ficarem parecidos comigo, acho isso uma honra. Mas também atinge meu senso de modéstia”, afirma, sempre cortês. Sobre as apresentações, Slash acredita que os fãs vão gostar de ouvir as músicas do novo álbum ao vivo. “Estou cada vez mais confortável com Myles ao meu lado e a banda inteira fez um grande trabalho em World on Fire. Vai ser um encontro de velhos amigos.”
Por: Paulo Cavalcanti