Após encerrar as atividades do Pavement em 1999, Stephen Malkmus se estabeleceu em Portland. Na cidade, meca da vida alternativa no oeste norte-americano, ele se encontrou: foi onde conheceu a atual esposa, a artista plástica Jessica Jackson Hutchins, e reuniu os músicos que o acompanhariam em uma prolífica carreira solo de cinco discos. Em 2011, após gravar Mirror Traffic (o álbum mais recente, produzido por Beck), Malkmus decidiu mudar drasticamente a rotina pacata e partiu com a família para Berlim, na Alemanha.
“Pensei que talvez fosse uma cidade de baladas, grafite, gente tomando ecstasy e dançando. Não é assim. Mas você pode ter tudo isso, se quiser”, ele diz, em tom sarcástico. “E tem muita coisa para se fazer com as crianças. Passear com outros pais, ir a festinhas de aniversário, algo assim. Bem rock and roll.”
Sentado diante do espelho no camarim barulhento em São Paulo, Malkmus é observado pelos três membros do grupo que comanda, o Jicks – a baixista Joanna Bolme, o guitarrista/tecladista Mike Clark e o baterista Jake Morris. Com alguns botões da camisa abertos, ele despenteia o próprio cabelo e oferece uma típica expressão de tédio calculado, enquanto admite que não é fã ardoroso de entrevistas. “Eu não me importo muito, mas quando você faz uma atrás da outra...”, murmura. “Falar logo antes do show não é perfeito, mas tudo bem. É ok.” Meia hora depois, a banda já estaria no palco do Beco 203 para o quarto dos cinco shows que realizou no Brasil no final de abril. Chega a ser curioso que o atual projeto “solo” de Malkmus já tenha uma duração mais longa (12 anos) do que a do Pavement (menos de dez anos), o celebrado grupo que o tornou um inquestionável – e obscuro – ícone da década de 90 (ou “a Grace Kelly do rock indie”, nas elogiosas palavras de Courtney Love).
“Antes eu era jovem, não sabia como tudo funcionava. Hoje as coisas são mais tranquilas”, ele compara as fases distintas da carreira de artista. Não apenas as expectativas em torno dos passos atuais de Malkmus, 47 anos, são menores, mas ele também enxerga a própria trajetória sob um prisma amadurecido. “Tenho família, filhos, estou na casa dos 40, entende? Naquele tempo eu tinha saído da adolescência, com 20 e poucos anos, estava só querendo me divertir.” Em oposição à musicalidade caótica e imperfeita do Pavement – talvez o nome mais reverenciado surgido na colorida cena do rock alternativo de duas décadas atrás –, o Jicks é mais habilitado para dar vazão às composições de Malkmus, intrincadas e progressivas, apesar do forte apelo melódico. Mesmo que jamais se aproxime do relativo sucesso alcançado pela ex-banda, ele não evita o passado nem o desestimula: sempre toca músicas antigas ao vivo quando visita países raros, como o Brasil. “Sabemos que estamos aqui para divertir – e é entretenimento quando o público gosta, quando as pessoas estão felizes”, explica, soando prático.
Em 2009, Malkmus reuniu os antigos companheiros de Pavement para uma turnê mundial em que repassaram a carreira e reforçaram o legado para novas gerações (e apenas isso: as chances de um novo disco, garante, são iguais a zero). Ainda hoje, o ex-líder não consegue explicar as razões para o fim que ele mesmo decretou. “Acho que há 20 anos nós queríamos ser bem-sucedidos, ser especiais. Então fomos lá e demos a cara para bater, para fazer isso acontecer. Mas fizemos shows demais tentando chegar a algum lugar para ganhar dinheiro, alcançar o sucesso. E, quando você começa a fazer isso, fica desgastante. Deixa de ser divertido, ainda mais se faz isso por sete anos.”
“Hoje, é tudo mais casual”, ele define, esboçando um sorriso enigmático. “Não há uma grande busca, um objetivo. A gente apenas está nessa."